GaryFloyd - um quarto de existência - Parte I
Alguém prestes a se formar em jornalismo, cuja predileção é o jornalismo literário ou científico.
Alguém que teve a coragem de começar a ler "Ulisses", de James Joyce, mas que perdeu o fôlego na página 615.
Alguém que define como inefável a sonoridade do rock progressivo.
Alguém que, por mais que seja um pessimista inveterado, acaba atraído pelo otimismo (persistência ou teimosia?).
Alguém que já escreveu centenas de páginas, entre contos e romances inacabados, mas que nunca aprendeu a escrever.
Alguém que passou horas a fio estudando escala penta tônica, modos gregos, palhetada alternada, arpejos e outras técnicas, mas que ainda não aprendeu a tocar guitarra.
Alguém que passou a infância e a pré-adolescência rabiscando, mas ainda não aprendeu a desenhar.
Eis-me aqui: alguém que talvez um dia aprenda... Talvez...
GaryFloyd
Em Brasília mora um músico.
Mas não é músico qualquer, espalha notas doces pelo mundo... nasceu predestinado a fazer músicas hipnóticas.
Sim, o quarto em que ele mora fica impregnado de maravilhosos pensamentos e ali ele se entrega ao mundo numa doação mágica e explosiva e de vez em quando amorosa de onde vêm sentimentos belíssimos!
Esse espetáculo ele oferece quase diariamente: coisas vindas do seu mais íntimo ser.
Quando entrei ali, me perdi diante de um emaranhado de coisas etéreas, feéricas, confusas, apreciantes, sons vibrantes, palavras sonhadoras...
"Estranho este lugar. É muito branco, muito vazio. Aqui tem uma luz clara que brilha incessantemente, e não existe um dia definido. Quando menos percebo, é dia, e de repente, é noite. Vida me disse que é por causa do Yin-Yang.”
É assim o lugar que fica ... ele me contou... no "Dialogando com Minhas Misérias".
Descreve contos de encantar, também...
Disse- me que quando acordado, tinha apenas uma lembrança: a de que era um filósofo..." Vida me deixara ter essa lembrança ali. Era essa pentelha quem decidia tudo sobre mim; eu não podia decidir nada. Eu queria lembrar meu verdadeiro nome, pois sabia que não me chamava Nexus no plano físico — Vida me chamava assim. "
É que fomos ensinados, a aceitar a forma enganosa de um dos aspectos mais básicos e profundos da natureza selvagem e aprendemos que a morte é sempre acompanhada de mais morte. Mentira. A morte está sempre criando uma vida nova, mesmo quando nossa vida foi retalhada até os ossos.
Os arquétipos da morte são juntos o lado esquerdo e direito de um único pensamento: enquanto um coração esvazia, o outro enche. Quando uma respiração termina, outra se inicia.
Era assim: cada vez que ele morria, renascia...
Mas "um artista não é nada sem sentimentos que o faz sofrer, um gênio não é gênio sem uma paixão doentia. O poeta quando cessa seu sofrer não é mais poeta. Um músico quando não tem feeling não é um músico." - disse - me ele.
Li, inebriada, os contos, esse aglomerado de coisas mágicas, mergulhei na mente criativa e mítica deste autor, cheguei a ter uma vertigem num conto em que havia muito de premonição.
Existem coincidências ou as coisas podem estar fora de seu tempo e se realizarem em outro?
Iniciou sua vida musical aos 14 anos, quando ouviu pela primeira vez um grupo de rock Pink Floyd. "Lembro-me de ouvir uma música todo dia, o dia todo. Tudo em “Time” é magistral, mas o que mais me encantou foi o solo da canção. O feeling de David Glamour me impactou como um soco no estômago: os bens, as pausas, os vibratos; tudo aquilo contido no solo de “Time” me deixava sem ar.”.
Não sabia tocar nenhum instrumento, Pink Floyd o levou a aprender violão: “Eu tenho que aprender esse solo”.
Os solos de Gary Floyd também impressionam... eles têm um poder eletrizante, quase sempre melancólico e sonoramente abarcador de almas sensíveis e ao ouvi-los senti tudo o que poderia ultrapassar barreiras de leves bolinhas de sabão, aquilo que só nas mais leves camadas da mente se desmancham em alguns e profundos prazeres ... eram notinhas escandalosas.
Aos 15 anos, o violão Michael com cordas de aço — "que me causaram fortes dores no pulso ao fazer uma pestana, mas eu quase nem sentia, tal era o meu encantamento e a avidez em tocar."
Depois do Nirvana, algumas músicas do Oasis e finalmente “Time” e o pulso doendo... aprendeu o que era uma escala cromática e assim iniciou os acordes - as chamadas tríades.
Mais ou menos aos 16 anos, só pensava em tocar uma guitarra e gostava de reverb e delay. Quando tocou o solo de “Time” com delay teve a certeza de que aquilo era um prazer que nunca mais deixaria. Com revistas de guitarra se viu frente a tal escala penta tônica da qual tanto lhes falavam.
Uma guitarra, um amplificador, uma pedaleira e muito tempo livre iniciaram-no numa estrada de composição, de improvisos jamais executados.
Sua primeira composição:
http://www.recantodasletras.com.br/audios/instrumentais/52962
E, desde então, ele vem de mansinho, enchendo o mundo de notinhas suaves como algodão, tirando-nos do gelo endurecido que deixa tudo estupidamente moroso para coisas do mundo de claros movimentos encantadores.
E nos diz coisas que já sabemos de uma forma novidadeira, e nos envolve num monte de lembranças sempre tomadas pela emoção mais intrincada e confusa que guardamos em nossa rede de belos frutos... aqueles que colhemos com cuidado durante a vida, essa vida tão momentânea, tão fugaz, tão cheia de força criadora...
Apenas um segundo de luzes brancas, aquelas luzes claras e ofuscantes que brilham incessantemente em seu quarto, e ele se torna um ser completamente esquisito: vira um escudeiro do sonho, todo aparelhado para pintar tudo com as cores mais desconhecidas e concretas ... uma cor concreta faz milagres: ela desapropria coisas maléficas, coisa de anjos, mesmo e é tão ... mas tão pueril que parece um anjo, daqueles que a gente reza para que eles nos protejam com suas asas feitas de arrepios...
dó maior = azul claro
dó menor = azul escuro
ré maior = amarelo
ré menor = branco
mi maior=cinza
mi menor=preto
fá maior=marrom
fá menor=verde
sol maior=vermelho claro
sol menor= vermelho escuro
lá maior=verde
lá menor=vermelho
E, assim, vai colorindo tudo...
Como em Crisântemos do Sol onde predomina a cor amarela.
http://www.youtube.com/watch?v=vyoR2SsyeAs
Quando é que a gente pode se livrar das amarras dos sentimentos expressivamente assustadores? Quando não houver mais estradas de correr cantigas?
Quando aconteceu o desenlace o mundo ficou mais frio, mais difícil de mergulhar no barulho do sonho indizível ficando tudo oco, tudo incolor, tudo zoado, tudo sem previsão de emoção fervente , tudo só muros altos de transpor.
Mas quando a gente pensa que acabou tudo recomeça num vir a ser de novas e caprichosas medidas de escolher paisagens conformadas em escalas que se espalham como doces frangalhos inventados que aparecem como um lúcido pensamento, que harmonizam a capacidade criadora como na vida de um poeta.
E era assim que ele fazia: transformava sua dor em amorosas músicas...
E ele confessa:
"Minha adolescência, como a de muitos, não estava sendo fácil; eram muitos os problemas. Eu procurei uma fuga além da música, e a encontrei no álcool. E por que estou contando isso? Ora, nenhuma autobiografia — por menor que como esta que vocês estão lendo agora - tem graça se não vier acompanhada de confissões. Mas tenho a dizer que o álcool também me ajudou a compor. As cervejas e cachaças que tomei em bares e bancos de praça intensificaram minha criatividade.
Quando não era o álcool que me inspirava, era o meu sofrimento que trazia uma lúgubre motivação para pegar a guitarra e criar. Há quem diga que as rasteiras da vida servem para se crescer, progredir. Não sei.
Só sei que doía e eu não conseguia evitar me lamentar. No entanto, os problemas vinham e me diziam fortemente: “Não importa o que aconteça, componha, apenas componha”. E lá se vão onze anos nessa estrada, quase 120 músicas compostas e a incerteza se tudo isso valerá a pena. Por enquanto, vou caminhando, sem olhar pra trás e procurando não pensar muito, "viver o momento de agora", como dizem."
Mas, Baudelaire já antecipava que muitos talvez o julguem indulgente demais:
“O senhor está inocentando a bebedeira, está idealizando a crápula”.
Confesso que diante dos benefícios, não tenho coragem de contar os danos - diz-nos esse tradicional escritor.
Posso falar mais? Por acaso, não é razoável pensar que as pessoas que nunca bebem ingênuas ou sistemáticas, são uns imbecis ou uns hipócritas?
Um homem que só bebe água tem algum segredo para esconder dos seus semelhantes."
E Gary sabia disso:
“Não há cura sem dor.” A dor é a melhor amiga do homem, e sabem por quê? Porque a dor alerta. A felicidade anestesia, e geralmente as anestesias não aliviam nossas dores, apenas nos proporcionam uma falsa sensação de alívio. Ledo engano o nosso. Mas o que importava pensar dessa maneira naquele instante, onde eu estava totalmente anestesiado pelo excessivo consumo de álcool? Eu estava começando a gostar de ser enganado, anestesiado.
Agradeci ao garçom pela “anestesia” — ele me olhou perplexo quando pronunciei esse termo, transformando a palavra “anestesia” numa metonímia para a palavra “álcool” — e paguei a conta. Iniciei um passo reto, outro nem tão reto, e fora do bar, meus passos estavam completamente tortos. Apesar do tempo frio, meu corpo estava quente. Eu estava me sentindo estranho; completamente fora de mim. A lua cheia brilhava e me fascinava de tal modo que preferia estar lá, passeando sobre suas crateras e flutuar através de sua baixa gravidade. Mas eu tinha que me contentar e manter meus pés na superfície terrestre, onde nada flutua, apenas cai, matando assim os sonhos de minha humanidade auspiciosa.” - conta-me ele numa de suas histórias míticas.
http://www.recantodasletras.com.br/audios/instrumentais/49356
Ele queria voltar a sentir aquele envolvimento, aquela sensação de cumplicidade tão próxima que parecia um abraço quente e comprometedor...
Aquilo que o fazia rir e cantar todas as notinhas de fazer sussurros ao longe, de provocar um mar de agonia criadora, para desembocar num lugar de cumplicidade mútua e acolhedora...
Então...
Minha mente flutuava
Como ondas que se quebram em rochedos
E meu corpo se encontrava
Em outros mares, outros oceanos, outro tempo
Vamos nadar sem medo
Contra a correnteza
Minha mente não suportava
A ideia de sobreviver num pequeno aquário
Então procurei uma imensidão
Uma ilha onde eu sou o corsário
Minha mente se afogava
Em valores inúteis de uma sociedade
Mas algo mais importante me puxou à superfície
E me mostrou uma beleza que não se encontra na cidade
Minha mente ganhou oxigênio
E aprendi enfim a nadar
Então nadei, me libertei
E voltei a flutuar
Vamos nadar sem medo
Contra a correnteza
GaryFloyd
E aquele homem vinha cabisbaixo, resmungando para si mesmo as coisas do mundo, de repente se fez um clarão: era a aura dele se transformando e foi carregado para um lugar distante: uma praça cheia de luz!
E cada vez mais notinhas chegavam ao seu coração: compunha sem parar, sem ao menos dar tempo ao tempo para respirar.
As músicas vinham ininterruptas a ocuparem aquela fase iluminada!
Chegavam carregadinhas de indolentes harmonias, de coisas que nem ele controlava por ser sua própria essência a escapar de seu coração artista!
Esta bela frase dele talvez reflita seu pessimismo...
Cinzas
Mesmo a Fênix tem sua cota de renovação. Ela pode ressurgir das cinzas várias vezes, mas em algum momento, sem forças, ela será apenas cinzas... talvez para sempre...
GaryFloyd
Porém, cada vez mais se renovava com suas constantes composições mágicas, extremamente vigorosas.
Como neste instrumental:
http://www.recantodasletras.com.br/audios/instrumentais/49168
http://www.youtube.com/watch?v=AtOffO4BGyc
shred