HISTÓRIA DE VIDA : ELAINE CRISTINA MARCELINA GOMES

Sou uma mulher negra de 39 anos, mãe e chefe de família. A primogênita de cinco irmãos nasci, na Vila Aliança, uma comunidade localizada em Senador Camará, um bairro localizado na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, fui criada pela minha avó Natalina (in memorian), até os meus 10 anos de idade juntamente com meus irmãos Wilson e Luciene, mas minha prima Silvia, no mesmo bairro, porém no lado oposto a estação de trem, ao completar os 10 anos voltei para a Vila Aliança desta vez para morar com minha mãe, foi quando nasceu meu quarto irmão o Eudes, mesmo pequena ajudei a cria-lo, pois minha mãe bebia muito, quatro anos depois veio a Priscila, é a caçula dos cinco e minha infância foi conturbada, porém eu fui movida por um sonho o de estudar, ganhei meu primeiro livro na escola, porque minha mãe não tinha condições de comprar, muitas vezes era difícil para ter dinheiro de uma Xerox, mas com toda dificuldade terminei os estudos com 18 anos conclui o Curso Normal (Formação de Professores), no ano de 1991 e logo no ano seguinte em 2 de janeiro de 1992, assinei contrato com a extinta SUCAM, o contrato era pela FAMERJ e a partir daí pude ajudar minha mãe, meus irmãos e tentei entrar na Universidade, não passei para nenhuma Universidade pública, só consegui passar para a Gama Filho, no curso de Psicologia, foi quando cheguei em casa toda boba e minha mãe, disse “filha eu não tenho como te ajudar”, e ali eu percebi o quanto era difícil para estudar. No ano seguinte eu sai de casa para morar com uma pessoa e o plano dos estudos foram adiados mais uma vez, fiquei “casada” por cinco anos e não deu certo, pois certo dia durante uma briga ele me bateu e decidi sair de casa, porque vi minha mãe apanhar a vida toda do meu padrasto, embora ele fosse bom pra gente eles brigavam muito, desta forma me separei e voltei a morar com minha avó Natalina, nas horas vagas do trabalho na área de saúde, o Combate a Dengue eu vendia sorvete. No ano de 1998 eu iniciei a obra num terreno que havia comprado com o rapaz que morei e na divisão dos bens ficou pra mim, e lá comecei a construir uma quitinete, iria trilhar minha vida sozinha, sair da casa de minha avó, e assim o fiz, construi um quarto, com banheiro, coloquei laje e como o terreno era numa subida, precisava aterrar e colocar encanamento e instalação elétrica para eu me mudar, foi quando meu mundo caiu no ano de 1999, em 30 de junho o contrato dos Mata Mosquitos do Rio de Janeiro não foi renovado e começou uma luta pela sobrevivência muito dura, por alguns problemas com a família eu sai da casa de minha avó, vendi tudo da sorveteria e também alguns móveis e fui morar com minha comadre Jô, neste período fui trabalhar em salão de cabeleireiro, tinha feito um curso a muito tempo e como não conseguia emprego como professora em escola particular por não ter uma faculdade, resolvi ir trabalhar em salão, depois de ter vendido boia na praia, salgadinho no CEASA, frango empanado em praças, vi que tinha que ter um dinheiro fixo para terminar minha casa e sair da casa dos outros e assim eu fiz, primeiro trabalhei em um salão de beleza em Copacabana, na Djalma Uric, e lá eu fazia tranças, mega hair e fui aprendendo a cortar cabelo, olhando como fazia, fiquei lá quase um ano, não assinavam carteira, de lá fui para um salão de beleza na Rua do Rezende, Centro do Rio de Janeiro, fiquei bem uns seis meses, lá eu aprendi a alisar cabelo com pasta, neste período fiz um concurso para Professor da Prefeitura do Rio de Janeiro, passei, porém não fui muito bem colocada fiquei triste e segui adiante, sai deste salão e fui trabalhar em um salão em Ipanema, agora com carteira assinada e ali fiquei acho que um ano mais ou menos, foi quando abriu novamente contrato no Combate a Dengue, para ficar durante um ano esperando o retorno e foi quando pedi demissão do salão de beleza para voltar a sonhar com o serviço público, sai do salão lá deixei muitos amigos, até o patrão era gente fina, o chamávamos de Gê. Voltei a trabalhar no Combate a Dengue, no Município de Duque de Caxias e nesta época com o dinheiro que recebia no salão e os clientes que eu atendia em casa, terminei a quitinete e já estava morando em minha casa, não ficou completamente pronta, mas já tinha parte de minha dignidade de volta. O contrato durou seis meses e não um ano, continuei fazendo cabelos em casa, indo à casa dos clientes e a partir daí resolvi acompanhar o sindicato e comecei a viajar para Brasília, virei uma militante sindical, fazia greves, participava de atos políticos, muita coisa mesmo, se for contar tudo da um livro, houve um período bem próximo de voltarmos ao trabalho, eu e alguns amigos ficamos em Brasília clandestinos, pois não aguentávamos mais voltar pra casa e a família perguntar “e aí quando voltam ao trabalho? Desiste, parte pra

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outra”, ficamos lá bem uns 3 meses, isso foi em 2003, no fim deste mesmo ano após 4 anos e 6 meses de demissão o governo Lula convoca os Cinco mil Matas Mosquitos de volta ao trabalho, só quando saiu este diário Oficial não voltamos de Brasília, fomos reintegrados em setembro de 2003, numa cerimônia linda no Maracanã, foi mágico e inexplicável ter meu emprego de volta. No fim deste mesmo ano prestei vestibular para o curso de Direito, na Universidade Estácio de Sá, passei e no ano de 2004 ingressei no curso de Direito, feliz da vida e disse pra mim mesma desta vez nada vai me impedir de estudar, foi quando a vida me mostrou que tem seus desígnios, que por vezes nós chamamos de destino, enfim no terceiro mês do curso descobri que estava grávida, minha gravidez era de risco por ser hipertensa, além disso, meu útero estava aberto, tive que ficar os três primeiros meses de repouso, foi quando decidi que tinha que trancar a faculdade, tranquei e disse a mim mesma, volto quando meu bebe nascer e estiver com uma ano de idade. No dia 10 de novembro de 2004, nasceu Anna Clara minha filha linda, e ali vi o que é ser mulher, quando um ser sai de suas entranhas, é inexplicável, um amor incondicional, nasceu junto com Anna, uma nova mulher, agora uma leoa pronta para criar e proteger sua cria. Quando Anna tinha uns cinco meses fui chamada para o concurso de professora que havia feito há anos atrás, fui lá e assumi a matricula, a partir daí fiquei com dois empregos, Agente de Saúde durante o dia Professora a noite, e como estava lecionando precisava voltar a estudar, agora não mais fazendo Direito, ingressei num curso de História a distância, só estudava aos sábados, e claro com toda dificuldade de uma mãe com filho pequeno, mas consegui, terminei o curso no fim de 2008, e aí a vida começou a me presentear mais e mais, recebi um convite para escrever um livro, foi quando lancei meu primeiro livro “Mulheres incríveis”, foi uma batalha escrever e publicar, mais tive apoio do Movimento Negro na confecção dos primeiros exemplares. No ano seguinte descobri um problema de saúde, Hipertensão e coração, foi um ano difícil e ao final dele por esses e por outros motivos resolvi pedir exoneração do cargo de Professora da rede pública, pois precisa além de tudo me cuidar e não esquecer que tenho uma cria, minha pequena Anna Clara. Depois da exoneração fiquei muito triste por gostar de lecionar, eu comecei a escrever mais, pois tinha um pouco mais de tempo, foi quando criei um blog, um site e também passei no concurso para o Mestrado, foram dois longos anos fazendo a pesquisa, sendo mãe, chefe de família e tudo mais, porém no ano passado conclui o curso de Mestrado e alcancei mais esta vitória, hoje sou Mestre em História Social, e já ia me esquecendo de que no fim do ano retrasado lancei meu segundo livro “Emoções reveladas”. Bom minha história de vida é permeada por muitas dificuldades, porém todas elas me fizeram crescer e não desistir nunca, e pra mim é um prazer enorme escrever parte de minha vida, confesso que bem resumida, mas para que sirva a outras mulheres, como forma de não desistir de seus sonhos, custe eles o que custar, tem que busca-los estejam eles onde estiverem, então o meu conselho a todas as mulheres é arregaçar as mangas, ir a luta sem pestanejar, não perder as oportunidades que a vida te dá, e se por algum motivo ela não der, cave a oportunidade, crie ela, de uma forma ou de outra, se for com honestidade e com dignidade, vale tudo. Essa é um pouco da Elaine Marcelina.

Elaine Marcelina
Enviado por Elaine Marcelina em 26/02/2013
Reeditado em 29/11/2019
Código do texto: T4160265
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