CUNHADO PARA A HORA DIFÍCIL
Este texto é sequência do texto 10. ANJO VESTIDO DE MÉDICO.
Cedo da manhã eu sai da companhia de meu amigo vendedor de pipocas em frente a estação rodoviária dizendo que ia procurar a empresa distribuidora de picolés, da qual falavam muito, dizendo que dava caixa, ou carrinho com picolés consignados. Com a nova explicação que ele tinha me dado eu haveria de encontrar a fábrica e se me dessem picolés para vender eu ficaria na cidade, caso contrário, arranjaria uma passagem e tomaria o trem das dezoito e trinta no naquele mesmo dia para Mafra. Um homem dentre uma multidão que aguardava na frente da fábrica me disse que eles não davam picolé consignado e antecipou que a multidão ali estava excedia em muito a capacidade de distribuição da fábrica. Sabedor do valor da passagem do trem, pois fora a estação me informar no dia anterior, custando aproximadamente sete passagens de ônibus urbano, decidi pedir dinheiro para as pessoas na rua até juntar o montante necessário. Já na avenida de pista dupla em direção ao centro, abordei o primeiro transeunte e contei-lhe que tinha vindo de um bairro distante por assuntos importantes à cidade e tinha perdido a carteira, precisando apenas de uma passagem para retornar, solicitando que me ajudasse. Respondendo a solicitação, ele censurou-me, dizendo que eu não tinha que ficar me humilhando a pedir dinheiro na rua, sendo que todos iriam me negar e seriam também ríspidos. Esclareceu que mais certo e mais fácil era dar um “cambão” numa “velha” aposentada, que tinham muitas no Centro, tirando-lhe a bolça e assim conseguiria muito mais. A princípio achei que fosse brincadeira, então comecei a dizer-lhe que não fora isto que eu aprendera fazer para conseguir o que precisava. Todavia, ele me interrompeu ríspido, dizendo que não estava brincando e me explicou com voz alterada como eu devia proceder. Logo pensei em agradecer-lhe a instrução, deixando que entendesse que tinha me ajudado, então seguiria seu destino. Mas ele seguiu a explicar com muito entusiasmo, subindo a avenida juntamente comigo, que começava a me angustiar pensando que ele pudesse ir até o centro dar um “atraque”, como disse, numa velhinha para me ensinar como fazer. Desesperado, comecei a concordar, dizendo que ia fazer exatamente como tinha me ensinado, inclusive suspirei me fingindo satisfeito quando bati-lhe no ombro, comentando que estava aliviado agora que encontrara a solução. Talvez entendendo que tinha me convencido, ele me deu uns tapinhas nas costas e despediu-se, dirigindo-se para a primeira rua transversal a seguir. Do fundo do peito tirei um suspiro de alívio, pois tais conselhos muito me irritaram e pensei que não ia conseguir me livar do sujeito.
Decidido a pedir, porque sempre ouvira que melhor é pedir do que roubar, segui para o centro preparando o espírito para explanar para as pessoas a minha situação, enfrentando-lhes as expressões de repulsa e recusa. Da praça das hortênsias fui em direção a prefeitura e logo cruzei com uma senhora de idade, que me trouxe a memória a imagem e as explicações que o cara tinha me dado. Andei em sua direção, indo logo cumprimenta-la com cordialidade. Expliquei-lhe a situação conforme a história que tinha contado para o cara do mau conselho e, em vez de censurar-me, me afugentando, ela tirou da bolça o valor de uma passagem de ônibus urbano e me deu com sorriso, ao que agradeci muito. Com um suspiro da alívio, comemorei que já faltavam apenas seis passagens para garantir a viagem.
Dali segui caminho contornando a quadra a oeste da praça, chegando na rua oposta a rua da catedral. No percurso entre a rua da catedral e a rua oposta contei a mesma história, pedindo a importância a um homem de uns trinta anos que passava com uma leva-tudo embaixo do braço. Ele protestou que não tinha dinheiro, mas deu-me o equivalente a meia passagem, que peguei agradecido. Fiquei feliz porque reduziu o valor em dinheiro que anda teria que pedir, mas nem tanto feliz porque não diminuíra a quantidade de vezes que ainda teria que passar por aquele constrangimento. Entretanto, era cedo e eu tinha o dia inteiro para pedir. Por certo conseguiria.
Segui rumo a praça pelo lado oposto, escolhendo nos rostos a quem abordar. Quando sai da calçada da quadra a oeste da praça percebi em minha frente, na esquina oposta da praça, um sujeito que caminhava na mesma caçada em minha direção. Até pensei em abordá-lo, mas não estou bem certo de que o teria feito. Cruzei a rua em sua direção pretendendo seguir caminho até cruzar por ele e pensaria se o obordaria ao chegar perto. Ao pôr o primeiro pé na calada da praça, estando o sujeito muito antes da metade do percurso, acenou em minha direção, dizendo: “Ô cunhado!”. Olhei rápido para a trás para ver a quem se dirigia, mas quando voltei-me ele acenou novamente, repetindo a expressão em vós alta. Como jamais fui de me incomodar por me chamarem de cunhado, percebendo que se dirigia a mim, imaginando que pudesse se tratar de brincadeira, acenei correspondendo ao cumprimento, dizendo então: “Aí, cunhadão! Como estás?”, com que pensei estar entrando na folia. E segui em sua direção, pensando que ao aproximar-se ele veria que eu não era quem ele pensava que fosse, então pediria desculpas ou diria que era uma brincadeira. Mas ele foi chegando mais perto e já há uns vinte metros me perguntou por minha irmã. Pensei o quanto ele era atrevido em chegar a tal pondo numa brincadeira com um desconhecido, mas não perdi a pose, seguindo o espirito da brincadeira, dizendo: “A mana está te esperando”.
A esta altura ele já estava bem perto, distância mais que suficiente para dissolver qualquer confusão. Pensei que então ele me daria tapinhas nas costas dizendo que era brincadeirinha, mas ele se desculpou, pedindo que eu me desculpasse por ele com a minha irmão, explicando que ele não tinha mais podido comparecer. Pensei que esta era uma grande oportunidade para conseguir mais uma passagem de ônibus urbano para a viagem de trem, mas pensei que se me atrevesse a pedir ele então revelaria a brincadeira e certamente zombaria de mim me chamando de malandro. Mesmo assim achei que valia a pena tentar. Então contei-lhe que tinha vindo lá de fora, de onde ele bem sabia quão distante era, mas de onde eu não sei que ele pensou, e na cidade tinha perdido a carteira, precisando de um dinheiro para pegar o ônibus de volta. Concordando com a distância de onde eu morava, dando-me um tapa nas costas, ele me tranqüilizou dizendo que não tinha problema, pois eu podia contar com ele para tudo o que precisasse, sendo que era seu grande cunhado, e acrescentou que após tomarmos um café no bar, onde ele trocaria uma nota graúda, me daria um quinto dessa nota, que eu acho que era cinqüenta cruzeiros.
Durante o café ele falou e se desculpou para a minha irmã tudo que pode, sendo que em tudo o que dizia eu concordava. Por todo o tempo esperei o momento em que me bateria nas costas dizendo: “Aí, malandro, querendo me passar na conversa!”. Mas após o café, tendo recebido o troco no caixa, ele separou uma nota de dez e me deu, me abraçando e se despedindo com muitas recomendações para a minha irmão, dizendo que logo haveria de aparecer em nossa casa e se desculparia com minha irmã pessoalmente.
Se ele soubesse que eu era da cidade de São Leopoldo, há mais de trezentos quilômetros ao sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e tinha fugido da casa do meu pai, sendo que não tinha nada a ver com o cunhado que ele pensou ter encontrado. A única coisa que coincidia é que tinha uma irmã com idade para namorar, mas acho que ela não quereria namorar com ele.
Wilson Amaral