Por que teve que ser assim?

Esbelta, morena com traços de índia, bem definidos - no meu entendimento de criança, ela tinha um semblante triste, mas era uma mulher bonita, cabelos lisos e pretos que trazia sempre presos no alto da cabeça e quando soltos chegava na altura da cintura, se vestia de modo simples e muito discreto. Era muito enigmática, a minha avó - Augusta da Costa Lima.

Morava conosco e ajudava no que podia na nossa educação. Acompanhava nossas tarefas escolares e como era uma fervorosa leitora da Bíblia Sagrada, nos passava belos ensinamentos, que nos encantava, através de histórias, como Esaú e Jacó, José do Egito, Caim e Abel, A Arca de Noé e muitas outras.

O interessante é que ficávamos bem atentas e parecia que vivíamos as cenas por ela contadas de maneira muito peculiar, como somente ela sabia contar. Ah, minha avó, quantas saudades tenho daquele tempo maravilhoso que passamos na sua companhia!

Minha avó Augusta nasceu em 1900, se casou e teve um único filho, meu pai José Ribamar Batista, que criou juntamente com sua irmã Catarina (a nossa Catita), pois o seu esposo, meu avó - Joaquim Batista da Silva, partiu para Porto Velho - Rondônia, em busca de trabalho, chegou a escrever umas duas cartas e nunca mais deu notícias. Muitos anos depois ela soube por terceiros que ele havia morrido (não se sabe quando e como).

Depois que eu soube dessa triste história, pude entender o espírito melancólico da minha avó, a mágoa de ter sido abandonada à sua própria sorte, com um filho para criar, naquela época não era tarefa das mais fáceis. Isso aconteceu quando minha avó tinha apenas 24 anos e meu pai tão somente 2 anos. Foram anos muito difíceis.

Mulher muito prendada. Sabia cozinhar muito bem, costurava, fazia doces como ninguém (ainda sinto o sabor dos doces deliciosos que fazia), quanta saudade! E assim criou meu pai, criança ainda, vendendo suas iguarias. Meu pai começou vendendo pirulitos e dava conta de cada trocado que tivesse, produto da venda.

Minha avó o colocou para estudar e logo, logo também para aprender o ofício de alfaiate (como trabalhava bem!) e também aprendeu um instrumento de sopro: Piston (Trompete).

Assim meu pai foi criado por duas mulheres guerreiras e foi um filho muito obediente, religioso, companheiro e muito caridoso. Tenho lembranças de meu pai dividindo o pouco que tínhamos para quem tinha menos ainda que nós - esse lema ainda trazemos conosco até hoje, sendo esse ensinamento que norteia nossas vidas.

Minha avó morreu morando conosco, aos 68 anos, para a nossa grande tristeza e meu pai morreu dois anos depois, aos 47 anos de idade, deixando seis filhas, todas menor de idade, que minha mãe, guerreira, tanto quanto minha avó foi, mergulhou no trabalho e conseguiu terminar de criar sua prole sem que ninguém se desviasse de seu comando, suas orientações.

Voltando ao assunto, curioso é que minha avó cantava pouco, mas quando cantava, encantava, porque era muito suave e profundamente apaixonada e eu aprendi com ela, essa música, triste, que canto até hoje, mas só canto quando estou muito triste, e me lembro muito dela. Fico pensando: será que ela também só cantava essa música para expressar sua tristeza?

Não sei como uma criança (eu era realmente muito pequena) podia aprender uma letra dessas, bonita...mas sejamos sinceros, por que, afinal uma criança se interessaria aprender a cantar uma música dessas?

Aliás, um dia, reunida com minhas cinco irmãs, é isso mesmo, nos reunimos todos os anos, mas essa é uma outra história que contarei depois, eu perguntei se alguma delas sabia essa música, que nossa avó cantava e ninguém se recordava, fiquei pasma!

"Casa Desmoronada"

Augusto Calheiros

(Letra: Antenor Borges\Pedro Fábio)

"Vocês estão vendo aquela casa desmoronada

Lá no alto da chapada

Dentro daquele sertão?

Ali morava uma cabocla abandonada

Que por Deus foi condenada

A viver na solidão

Esta cabocla escutou num belo dia

No alto da serrania

A voz de um cantador

Deixou a casa e subiu pela montanha

A viagem foi tamanha

Que até hoje não voltou

A voz pra mais perto foi chegando

E a cabocla encantada foi ficando

Era um caboclo violeiro apaixonado

Que também foi condenado

A viver sempre cantando

A noite foi chegando de repente

Sangrando tristemente os olhos meus

E, quando amanheceu, chamei por ela

E ela não deixou nem um adeus!"

Hoje eu sei que minha avó "cantava" a sua história de vida, era a maneira que ela tinha para se desabafar, e quanto ao meu avô, nunca soubemos o que aconteceu com ele, se formou outra família, mas qualquer coisa que tenha acontecido, marcou para sempre a vida da minha avó.

Fathma Oliveira

Fathma Oliveira
Enviado por Fathma Oliveira em 24/11/2012
Reeditado em 08/09/2022
Código do texto: T4003073
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