Conto real- Festa da padroeira da cidade onde me criei.

Começo a escrever o meu décimo sexto conto real. Juro que já estava com saudades de escrevê-los. É para mim um prazer enorme compartilhar as minhas doces recordações com vocês. No último conto prometi contar sobre a festa de agosto aqui na cidade que moro. No mês passado houve a última festa da padroeira na cidade até agora. Só o ano que vem ela se repetirá. Mas eu não quero descrever sobre as mais recentes, e sim sobre as que aconteceram na minha infância e adolescência, pois as lembranças que registro aqui são dessa época da minha vida.Então vamos lá. Naquele tempo o catolicismo ainda imperava aqui na cidade, não é que tenha nada contra a religião, mas naquela época era católica.Foi a crença que aprendi com meus pais e meus avós, mais os avós paternos. Minha avó paterna chamava Ana Rafael, era devota de Santa Ana. Inclusive a minha mãe colocou no nome das suas filhas (nós) sobrenomes de santas. Mas isso não vem ao caso, pois agradeço o nome que eles me deram. Dizem que quem não gosta do nome não gosta de si mesmo, então para mim isso não vale, pois eu muito me amo.Mas vamos ao fato. A padroeira da cidade que me criei, onde vivo , Itambacuri, é Nossa Senhora dos Anjos. Acho que já fiz muitas promessas para ela mas não lembro se as cumpri. Só tenho a certeza que enquanto meus pais viveram, a festa da Padroeira era esperada com muita alegria e ansiedade. Para o meu papai ainda era melhor, pois ele lucrava bastante. Isso por que ele fazia tipo uma tenda na frente da nossa casa com lona e bambus, arrumava mesas, colocava cadeiras, minha mãe colocava toalhas coloridas ,enfeitadas com ramos de flores, e ali era arrumado pedaços de bolo de fubá, pão com salame,laranjas, biscoito de goma , caldo de cana e muitos outros tipos de alimentos. Era tudo arrumado ali para vender para os romeiros. Estes vinham de toda a zona rural, desciam da roça e grotas a pé, a cavalo,e ao encontrarem a barraca em frente a minha casa eles paravam , sentavam nos banquinhos de madeira, ouviam no rádio as músicas religiosas da época. Eles se regalavam com água fresquinha mas também deixava no cofrinho as suas moedinhas por comprarem um copo de suco, um pedaço de bolo, laranja , biscoito ou outra coisa qualquer. E para inteirar ainda tinha ao lado a mesinha do nosso famoso brogodó .Quem tomava conta da barraca de comidas era a minha mãe e minhas irmãs mais velhas. O meu pai já acordava cedinho durante toda a semana de festa e ia empurrando o seu carrinho com o engenho dentro, ajudado por meus dois irmãos que já conseguiam ajudá-lo, pois os outros ainda eram pequenos e não podiam sair de casa, nem dinheiro conheciam. Era tudo muito engraçado,apesar do trabalho de fazer tantas coisas, mas era uma diversão para mim poder ver e participar de tudo aquilo. Meu pai chegava à noitinha, falando às vezes que lucrou um dinheirinho em um dia, no outro já não tinha sido tão bom. O movimento mesmo , onde ficava a multidão acompanhando o encontro da procissão onde a santa encontrava com Jesus ( imagens) é lógico...falo assim para melhor entendimento do leitor.Nove dias antes do dia dois de Agosto, começava a novena, as idas ao cruzeiro, onde muitas pessoas subiam para fazer penitências. Eu mesma nunca cheguei a ir, ia apenas nas novenas, lembro que minha mãe também ia de madrugada, nós íamos mais a tarde. È belo recordar a minha mãe com aqueles olhos azuis claros, franzininha, estatura média, cabelos claros, sempre curtinhos, pele branca, ela sempre falava que cabelo grande dava muito trabalho, por isso não os deixava crescer nunca. E para completar nem os nossos cabelos ela deixava crescer. Quando começava crescer ela pegava a tesoura, como já contei, ela era costureira também, então ela cortava o cabelo de todas nós.O meu era preto mesmo, bem liso que escorregava entre os meus dedos. Era o que ela mais gostava de cortar, ia com gosto , e ainda por cima fazia uma franjinha de índia em mim. Eu ficava parecendo uma índia Tupi,pena que não tenho nem uma foto para ilustrar de verdade. Mas eu não gostava de cortar meus cabelos. Eu os queria grandes como os das minhas amigas, mas era muito difícil , minha mãe adorava cortar cabelo. Até dos meus irmãozinhos ela inventava e o dela ela mesma cortava, e também o do meu pai. Mas houve uma época que ele cortava com um seu amigo que sempre morou aqui perto da nossa casa, o Senhor Geraldo , que hoje está com 96 anos. Isto quer dizer se meu papai fosse vivo ele teria mais ou menos a mesma idade. Bom , voltando às festividades religiosas, havia as novenas como já disse, show de cantores, MOCUJOI ( Movimento Cultural dos jovens de Itambacuri) havia também festival de shope, que cheguei a participar de um muitos anos depois, quando já tinha uns dezesseis anos de idade. Tinha também o festival da canção, onde cantores amadores iam expor e cantar suas músicas no salão nobre do colégio santa clara, onde anos mais tarde me formei professora. Mas a cada ano que passava a festa de agosto era sempre novidade. Muito som, muitas barracas com roupas, calçados, brinquedos, roupas de cama ,mesa e banho, novidades que chegavam de muitos lugares pra nossa cidade,muitas cores para alegarar as crianças, parquinhos com inúmeros brinquedos, ainda tinha também as barraquinhas de comida , que deixavam o cheiro de gordura que fritava os pastéis e outros tipos de frituras, inclusive os acarajés, que eu sempre queria comer um, custasse o que custasse, todo ano eu queria comer um acarajé. Já ia lá pro movimento procurando pelas baianas vestidas de branco, com seus tachos de gordura bem quente, e os acarajés já prontos para jogarem na gordura. Foi muito bom enquanto meu pai viveu,mas chegou uma época em que cessou todos esses prazeres.Mas aí já vai ser outro conto, que escreverei para vocês. Essa lembrança ficou guardada para sempre dentro da minha mente e do meu coração. Vejo um vulto na minha mente, um vulto masculino, estatura média, cabelos pretos lisos, olhos pretos como jabuticaba, tez morena, braços bem cabeludos, um cigarro no canto da boca, a fumaça saindo da sua boca,(sei que fumar faz mal para saúde) mas infelizmente ele fumava, também o sorriso matreiro naquele rosto iluminado pela sabedoria divina e pela humildade. Não trocaria nunca o meu querido e saudoso pai , humilde homem do campo, lavrador, amante da terra e da natureza, ótimo pai de família, esposo maravilhoso para minha mãe que o amou até o último instante da sua vida, homem grosseiro em suas vestes e pobre de vocabulário, mas rico em simplicidade e honestidade por nenhum outro que por acaso tivesse que escolher para ser meu pai, ,poderia ser o mais rico do mundo , nunca o trocaria por nenhum outro. O meu pai foi um exemplo de pai, modelo para nós, suas filhas e para meus irmãos que nos dias de hoje, já com idades mais avançadas, já se assemelham todos quatro, pois um faleceu há uns anos atrás, os outros já trazem procissoemitambacuri.jpg as características físicas do meu pai.É com muita saudade e emoção que findo mais este conto real. Abraços a todos vocês. Aguardem o meu retorno breve.

Autora: Margareth Rafael


 
margarethrafael
Enviado por margarethrafael em 29/09/2012
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