QUANDO OLHO-ME NO ESPELHO..

A lembrança do meu passado remonta lá pelos anos 60, quando criança em que meu pai o Sr. Antônio e minha mãe dona Regina, se mudaram para o bairro da Mooca, lá em São Paulo.

Um bairro muito gostoso de morar, pois tinha vários campos de futebol para se jogar uma pelada, ruas arborizadas para se andar de bicicleta, e algumas ladeiras que eu gostava muito de descer de carrinhos de rolimã.

No meu bairro moravam muitos, italianos, portugueses, japoneses, todos ligados á área do comercio, padaria, lavanderia, feirantes e carroceiros de bois que traziam frutas do mercado municipal.

Nesta ocasião eu já então com oito anos de idade, vindo de uma família de quatro irmãos, sendo que eu era gêmeo do Eduardo, que apesar de termos nascido de placentas diferentes eram muito parecidos.

A ponto de nossos país, ao nos chamarem para falarem alguma coisa, diziam primeiro, você é o Zé ou Eduardo.

Bem é aqui que nossas histórias começam a ficarem complicadas, sim porque, se os nossos próprios familiares não nos distinguiam, imaginem vocês o que dizer das outras pessoas.

Ser gêmeo tem um lado bom que são os presentes, quando um ganha, o outro também ganha, pois sempre, até o final das nossas vidas iremos fazer aniversário no mesmo dia, obvio.

Tinha as festas de Cosme e Damião, que por sermos um gêmeo conhecido no bairro, éramos convidados a participar em varias casas, sempre comendo muitos doces nestas ocasiões.

O que eu e meu irmão nunca gostamos muito, quando éramos obrigados pelos nossos pais, a nos vestirmos com roupas iguais, e isso nos irritavam um pouco, pois tínhamos que estar sempre repetindo a famosa pergunta, você é o Zé ou o Eduardo. Mais por outro lado, nos sentíamos recompensados, pois nossos pais nos tratavam em igualdades de condições.

Uma coisa que eu e nem os meus pais conseguiam explicar bem, o porquê, quando um ficava doente, logo em seguida o outro ficava acamado com a mesma doença, é uma incógnita, pois acontece até na fase adulta, mesmo morando distancia.

O gêmeo tem uma particularidade impressionante, normalmente gostam das mesmas coisas, das mesmas cores, dos mesmos brinquedos, das mesmas pessoas, tem opiniões muito parecidas, quase todos se falam pelo olhar.

Então é fácil imaginar, porque que o irmão gêmeo é o seu melhor amigo, seu cumplice, esta todo tempo ao seu lado, descobrindo e te fazendo descobrir os percalços da vida.

Lembramos-me de varias vezes, nós nos protegendo um ao outro, nas brigas na escola, tipo mexeu com um, mexeu com os dois. Mas também as novas amizades que fazíamos, tinham que agradar os dois, se não, não acontecia.

Foram muitas as situações em que pela nossa semelhança nos dávamos bem, a namoradinha no colégio que beijou primeiro e nem percebeu, a troca de sala de aula para fazermos a sabatina um do outro.

Algumas coisas, claro somos completamente diferentes, eu são-paulino, ele corintiano, ele gosta de loiras e eu de morenas, ele bebe eu não e por aí vai.

Nossa infância sempre caminhou na normalidade, como toda criança daquela época, de ditadura, o juizado de menores sempre patrulhando após as vinte e duas horas, e foram muitas as vezes que eu e meu irmão na carreira corríamos para dentro de nossa casa.

Os programas de televisão era a nossa diversão, como esquecer a Lasse, o Rin Tin Tin, os desenhos animados do Pão Pullman Jr.

Como naquela rua em que morávamos, só existia televisão em nossa casa, era comuns os vizinhos lá comparecerem para compartilhar com a gente, e várias outras famílias reunidas, aquele lindo momento, e que hoje sinto muita falta, do que significa realmente solidariedade.

Naquela época quando se caminhava pela rua, eram comuns as famílias reunidas conversando nas calçadas, sem a preocupação dos dias de hoje, que parece que vivemos prisioneiros em nossa própria casa.

No muro do lado de minha casa, moravam os meus amigos Manoel, Sergio e Rosa, que estudavam no mesmo grupo escolar que eu, sendo que a Rosa tinha minha idade, e os outros dois, eram amigos do meu irmão mais velho.

Todo final de mês trazíamos para nossa casa o boletim escolar, que deveria ser visto e assinado pelos nossos pais. Era uma ocasião que eu e meu irmão Eduardo não tínhamos pesadelos, mais os meus vizinhos, coitados. O senhor Aderbal pai dos meus amigos, que era bem gordo, usava aquelas camisetas regatas e quando saia à noite, aqueles ternos parecidos com os mafiosos, quando da assinatura do boletim, em que ele via as notas baixas, tirava a sinta e açoitava os meus amigos, eu ficava muito triste e morrendo de medo ouvindo os gritos, daquele homem tão perverso e cruel.

No dia seguinte, os meus amigos muito envergonhados, não tinham coragem se quer de levantar o rosto para dizer um bom dia, a Rosa que estudava na minha sala, ainda se notava o pranto que rolou em seu rosto, com os olhos inchados de tanto chorar.

Bem próximo a nossa casa, tinha uma fabrica de bicicletas, chamada Brinquedos Bandeirantes, muito foram às vezes que víamos o exército dando cacetadas nos trabalhadores por tentarem fazer greves, os coitados dos operários até corriam para o quintal de nossa casa para se protegerem.

Meu pai um velho comerciante que se perdeu financeiramente lá no Jóquei Clube da Mooca, atrás das velhas corridas de cavalo. Era também um sonhador, pois Governo Federal lançou uma campanha para doar ouro para o Brasil, através de aviões que jogavam panfletos do céu pedindo essa doação, e o mesmo sem pensar, doou sua própria aliança.

Na fase de nossa adolescência começamos a ir para o cinema, aquelas sessões da tarde de filas infinitas, para ver, Marcelino Pão e Vinho, Sansão e Dalila, Os Dez Mandamentos, Benhur, El Cid, Cantiflas, e tantos outros filmes que marcaram época.

Foi nessa época também, no escurinho do cinema, que levávamos as meninas da escola, para o primeiro pegar nas mãos, com o tempo colocar o braço nos ombros, e muito tempo depois, arriscar a dar o primeiro beijo.

Neste período o meu irmão gêmeo foi muito importante, pois ele acabou sendo o meu consultor, ele me dava ideias, me incentivava e até me ajudava a marcar encontro com as meninas, e vice versa.

Quando você descobre o cinema a sua mente se abre para a imaginação, com um novo corte de cabelo, um novo modelo de roupa e porque não, também um novo linguajar. Lembro-me quando disse a mesa do jantar que já estava de saco cheio daquele tipo de comida, imediatamente foi reprendido pelo meu pai, como seu estivesse dito um sonoro palavrão.

Mais como foram bons os anos sessenta, Elvis Presley, Beatles, Roberto Carlos, nascendo a Jovem Guarda, que contrariou os personagens da Bossa Nova, Tom Jobim, João Gilberto; sei hoje o quanto foi importante a Bossa Nova, mais eu queria viver a minha juventude experimentar o novo, e confesso foi tudo de bom.

Nesse período é que eu realmente me vi apaixonado pela música, nacional e internacional, pois aconteciam vários festivais de canções, revelando talentos extraordinários, na musica, na dança, na moda, no teatro, enfim em todas as áreas culturais.

Os anos sessenta vêm de uma geração vencedora de tantos talentos que é até difícil enumera-los, mesmo ainda com toda aquela repressão dos militares que se fazia presente, em todas as áreas culturais.

No inicio dos anos setenta, o Brasil se torna tri campeão mundial de futebol, eu então com quatorze anos de idade, soltei balões como era costume na época, nos divertíamos com á musica “Noventa milhões em ação pra frente Brasil, salve a seleção”, um aglomeração de pessoas no centro da cidade, que até então pela minha idade nunca tinha visto, e com um detalhe, tudo autorizado pelo governo Médici.

Quero terminar este primeiro capitulo da minha história, dizendo o porquê de olhar no meu espelho e não me ver, simplesmente, só pode realmente responder esta pergunta, quem viveu a ditadura.

José do Carmo
Enviado por José do Carmo em 19/06/2012
Reeditado em 16/09/2012
Código do texto: T3733356
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