DEPOIMENTO DE ROSE
"Sobe depressa, Miss Brasil", dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangarva e não tinha absorvente. Eram os "40" dias do parto. Na sala do delegado Fleury, num papelão, uma caveira desenhada e, embaixo, as letras EM, de Esquadrão da Morte. Todos deram risadas quando entrei. "Olha aí a MIss Brasil. Pariu noutro dia e já está magra, mas tem um quadril de vaca", disse ele. Um outro: "Só pode ser uma vaca terrorista". mostrou uma página de jornal com a matéria sobre o prêmio da vaca leiteira Miss Brasil numa exposição de gado. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Picou a página do jornal e atirou em mim. Segurei os seios, o leite escorreu. Ele ficou olhando um momento e fechou o vestido. Me virou de costas, me pegando pela cintura e começaram os beliscões nas nádegas, nas costas, com o vestido levantado. Um outro segurava meus braços, minha cabeça, me dobrando sobre a mesa. Eu chorava, gritava, e eles riam muito, gritavam palavrões. Só pararam quando viram o sangue escorrer nas minhas pernas. Aí me deram muitas palmadas e um empurrão. Passaram-se alguns dias e "subi" de novo. Lá estava ele, esfregando as mãos como se me esperasse. Tirou meu vestido e novamente escondi os seios. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. No meio desse terror, levaram-me para a carceragem, onde um enfermeiro preparava uma injeção. Lutei como podia, joguei a latinha da seringa no chão, mas um outro segurou-me e o enfermeiro aplicou a injeção na minha coxa. O torturador zombava: "Esse leitinho o nenê não vai ter mais". E se não melhorar, vai para o barranco porque aqui ninguém fica doente". Esse foi o começo da pior parte. Passaram a ameaçar meu filho. "Vamos quebrar a perna", dizia um. "Queimar com cigarro", dizia outro."
ROSE NOGUEIRA, ex-militante da Ação Libertadora (ALN), era jornalista quando foi presa em 04/novembro/1969, em São Paulo (SP). Hoje, vive na mesma cidade, onde é jornalista e defensora dos direitos humanos.
Do Livro... "Luta, Substantivo Feminino"
(Foto da mesma, peguei no Google).
Ao longo da história do Brasil, a luta de resistência das mulheres é recorrente. Durante a ditadura civil-militar, implantada com o golpe 1964, as mulheres também foram protagonistas, como militantes e como organizadoras da sociedade civil para o retorno do país à democracia.
Ao homenagear mulheres brasileiras que resistiram à tirania do poder e o enfrentaram, resgata-se a memória de acontecimentos singulares e ilumina-se lacunas ainda existentes em nossa história.
O golpe militar, em 1º de abril de 1964, institucionalizou a detenção, a prisão e o sequestro, o banimento, a tortura, o assassinato e o desaparecimento, deixando um legado sinistro: mortos e desaparecidos políticos, uma legião incontável de militantes - homens e mulheres - presos e torturados e histórias de vida truncadas. A política de repressão é praticada quando o poder político, aliado ao poder policial e militar, outorga-se o direito sobre o corpo, a mente, a vida e amorte dos cidadãos. Exercer continuadamente atos que sustentam essa política é um gesto que, aos poucos, torna-se sobre-humanamente desumano, e apaga, devagar, a repugnância inata do crime.
Do Texto do mesmo Livro. (No Brasil, após 1964)