Uma quase biografia

O nome dela é desconhecido. Nasceu num dia de sol, mas logo no início da tarde caiu uma chuva forte. Sua família era grande, mas em casa só a mãe e os 3 irmãos. O pai foi embora logo que soube da sua gestação. Não se sabia se ele tinha outra família ou do que viveria, mas sumiu sem deixar pistas e sem um 'puto' pros quatro dentro de casa.

Cresceu numa casa de dois espaços, mas ali cabiam todos os cômodos: quarto, cozinha, banheiro e uns fios pendurados que serviam pra emendar uns nos outros e ligar os eletrodomésticos. Os bens que tinham eram poucos, a novela era como em rádionovela, mal se via, apenas se escutava com interferência dos ruídos.

Lavava-se roupa num balde de alumínio e se aproveitava a água pra jogar no quintal. A água era escassa para beber e lavar louça era apenas mergulha-la numa bacia com sabão e noutra com água 'limpa'. Comia-se uma vez por dia, pois comida quase não havia.

Muitos mosquitos e insetos devido à sujeira.

No primeiro aniversário dela, não houve nada. A mãe deixou os três filhos em casa e saiu correndo com ela nos braços. Entrou sem rodar a roleta do ônibus - o motorista era da vizinhança. Entre um balançar e outro e um balbuciar que não se podia entender e fechar os olhos com força, assim como apertava a menina contra seu colo, chegou ao hospital uma hora e quarenta minutos depois. Ela já não respirava e a única forma de vida ali eram as lágrimas da mãe que caíram sobre seu pequeno rosto e sua roupinha surrada. A mãe teve prioridade na fila, entregou sua filha ao médico e esperou, sentada com a mesma feição do ônibus. Mas, agora, rezando pra que sua menina fosse em paz para um lugar onde tivesse um nome, mesmo que fosse de anjo.