Nonato Junior - Capítulo IV - O Comércio

Como já disse, em casa também tinha um Comércio, estilo Mercearia/Quitanda. De lá tirávamos tudo que necessitávamos. Em casa nunca faltou nada. Inclusive bolachas e bombons estão no mesmo pacote.

O comércio tinha um balcão de madeira largo e havia além das prateleiras vários objetos empendurados no forro de placas decompensado. Na área onde ficavam os clientes, estavam os tonéis de querosene, de cachaça, de azeite de oliva. Não tinha nada com ensacamento industrial. Vinha tudo dos povoados. Paneiros de arroz, paneiros de fazinha, sacas de milho, sacas de açúcar etc.. Eram tudo pesado à medida que iam sendo vendidos.

Meu avô: Piau Vovó. Era o seu nome de guerra. Pois quando criança ia pescar no rio e sempre trazia para sua ´vó ver o que havia pego. Pesca de vara, apenas umas piabas e peixes sabão. A vó dele perguntou ao longe: O que a gente tem pra cumê hoje, meu fii? E ele responde: É piau, vovó. E aí o Sr. José, passa a ser Piau-Vovó durante toda a sua existência.

Ele foi o primeiro a comprar um carro com placa de Itapecuru-Mirim. Era uma Rural, o mesmo que uma SW4, claro que mais tupiquim. Servia pra transportar as pessoas para o Tingidor, povoado mais distante e mais importante daquela época. Passava por vários outros povoados, como o Cova, Sobradinho, Campo da Cruz, Quilombolas e muitos outros.

Ele começou comprando e vendendo mercadorias dos povoados, permutando uns com os outros. Seu forte era o carvão, e nós sempre íamos com ele. Chegávamos todos riscados de preto. No povoado comíamos mocotó de 3 dias e muito pescoço e pé de galinha caipira. Meu avô gostava de uma caça e nós também. Ele era um bom homem, apesar de ignorante.

Lembro-me de um fato. Ele trazia um povo em uma caçamba que era emprestada. O povo vinha no basculante. Muita gente de carona. Ele deixou a caçamba na casa do respectivo dono, mas o povo não queria descer. Queriam que meu avô os levasse para o centro da cidade. E ele commo uma pessoa dócil, acionou o sistema da caçamba para bascular e foi aquele show. Gente por cima gente, pulando, gritando, xingando e correndo com medo dele.

Ás vezes, pra compensar aquele stress advindo dele, eu e meu tio-irmão pegávamos "emprestado" alguns trocados e juntos com Piragno e Lilica íamos tomar mingau de milho na praça da Prefeitura. E muitas vezes, após vários copos de mingau, íamos aliviar o ventre na varanda da casa da vizinha.

Não era só eu que pegava uns trocados, na verdade, todos os meus irmãos de criação, tios, tias etc.. Se apropriavam, um pouco, dessa bendita feita.

Algumas vezes, meu avô pegava alguém no flagrante. Uma de minhas tias-irmã, estava fazendo um pequeno empréstimo e surpeendida em meio ao ato, levou uma pequena surra de cerca de duas horas. Foi preciso todos os irmãos se ajoelharem pedindo misericórdia. Surra p´ra todo lado e de corda, diga-se de passagem. Eu também já fui pego uma vez. Não precisa descrever o que aconteceu. Foi terrível!

Gostávamos muito de brincar de esconde-esconde no depósito da mercearia, onde tinha muitos sacos de grãos empilhados. Um certo dia, qüase morri junto com meu primo Alex. Estávamos escondidos atrás de uma pilha de sacos de arroz. E o saco que estava em cima começou a se inclinar sobre nós. Colocamos toda a força que tínhamos e, qüase sem voz, clamamos por socorro. E, adivinha, as crianças mais gordas da rua foi quem nos salvaram: Carlinha (5 Kg) e Cláudio César, mais conhecido como E O Vento Levou. Até hoje sou grato a eles.

Entretanto, a brincadeira mais marcante no comércio foi a do caroço de milho. Disputa esta muito interessante. Ficávamos pleiteando para ver quem conseguia colocar mais caroço de milho no nariz. E pela primeira vez eu venci. O problema é que teve 1 (um) caroço que eu não conseguia tirar.

Fui parar mais uma vez no posto médico da cidade. Foi uma experiência diferente de todas que já passei. Pior se fosse em outra parte do corpo, hein?!

O dinheiro arrecadado do comércio era escondido ou no colchão de minha avó, ou no paletó do meu avô. Todos fingiam não saber de nada. Você sabe como é que é, pessoas inocentes, pais nada desconfiados, agente tem que muitas vezes interpretar a cena.

Confesso que uma única vez peguei um dinheiro considerado grande. No entanto, minha conciência pesou e devolvi para o bolso da camisa bege do meu avô, antes que Dona Mundoquinha visse.

Se eu fosse contar tudo que aconteceu nesse comércio teria que escrever um livro exclusivo.

Nonato Junior
Enviado por Nonato Junior em 19/01/2012
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