ANTES QUE A MEMÓRIA VÁ (02 - Cenário e circunstâncias)

Nasci em Areia Branca, uma cidade/ilha do interior do Rio Grande do Norte, famosa por sua produção de sal. A minha mãe tinha uma vida dura, desde cedo trabalhava para ajudar a minha avó na sua subsistência. Minha avó materna era uma pessoa ríspida, egoísta e violenta. Minha mãe sofreu bastante com a sua forma de “educar” e a primeira oportunidade que teve procurou sair de seu controle. Casou com meu pai. Não existia uma motivação amorosa forte por trás. Era o interesse de se livrar do controle da minha avó por um lado e do outro o interesse lascivo do meu pai de ter uma mulher para transar com mais freqüência e liberdade.

Dessa associação eu fui a primeira conseqüência. O primogênito. Nascido em casa, sob os cuidados de uma parteira, passei por minha primeira grande dificuldade na vida. A passagem estreita no canal vaginal e a minha cabeça avantajada formaram o conflito obstétrico. Não existia a possibilidade de cirurgia. Não existiam ferros para ajudar na retirada. Apenas os dedos vigorosos da parteira eram a garra poderosa que procurava me tirar desse sufoco. Minha mãe devia estar sofrendo horrores, imagino, nesse processo. Sem anestesia, sem nenhum outro recurso da medicina. O único recurso nessas circunstâncias era o transcendental. Devia se recorrer a Deus e de preferência através de um pistolão, um santo que intermediasse o pedido. Como estávamos no mês de outubro e tinha acabado de acontecer as festas referente a São Francisco, então foi feito um acordo com o santo, que se tudo acabasse bem a criança teria o seu nome. Não sei com certeza se a intermediação aconteceu, sei apenas que aqueles dedos vigorosos conseguiram puxar a minha cabeça pelo canal estreito deixando as seqüelas das dores do parto em minha mãe e a seqüela das marcas dos dedos da valente parteira em meu crânio ainda tão flexível, mas que até hoje eu guardo a depressão nos ossos do crânio e uma posição torta da cabeça quando eu me posiciono para tirar um retrato. Sempre o fotógrafo vem para corrigir a posição da minha cabeça.

A minha mãe cumpriu a promessa. Registrou o meu nome com o Francisco, o nome do santo, das Chagas, devido a grande sofrimento e chagas que foram provocadas e o Rodrigues do meu pai, como devem ser em nossa cultura. A partir daí eu fui o queridinho da parentela, tias e avós. Depois vieram meus dois irmãos, Rômulo e Bianor.

Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 31/12/2011
Reeditado em 31/12/2011
Código do texto: T3414915
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