CLARA MARTINS PANDOLFO. PERFIL

       Nasceu em Belém, a 12 de junho de 1912, filha do comerciante português ALBANO AUGUSTO MARTINS, fundador da antiga CASA ALBANO (localizada à Avenida Portugal, em frente ao Palácio Antônio Lemos), e de sua esposa, paraense, JUDITH AMARAL MARTINS, sendo a caçula de uma prole de 5 filhos do casal.
        Os primeiros anos de vida passou-os em Lisboa, para onde seu pai viajara com a família, para rever sua terra natal e parentes que lá residiam.
        Regressando ao Brasil fez seus estudos primários no Colégio de Santa Cecília, reputado estabelecimento de ensino da época, dirigido pelo conceituado casal de professores Olegário e Maria José Vela.
        O curso secundário foi feito pelo antigo Regime de Preparatórios, que permitia aos candidatos que estudavam em colégios particulares inscreverem-se, ao final de cada ano, no Ginásio Paes de Carvalho, para prestar, neste estabelecimento, os exames finais referentes às 12 disciplinas que compunham o currículo do 2º grau e assim obter as respectivas Certidões Oficiais de conclusão dessas disciplinas.
        Terminado o curso secundário restava escolher uma carreira, pois sua mãe – de idéias avançadas para a época, uma verdadeira precursora – fazia questão de propiciar às filhas um preparo profissional que lhes assegurasse independência econômica.
        Por essa época, Belém contava apenas com algumas Escolas Superiores isoladas (medicina, farmácia, odontologia), que funcionavam por iniciativa privada, ministrando ensino altamente remunerado.
        Vivia-se então, na capital paraense, uma situação de profunda estagnação econômica, reflexo da “débâcle” da borracha, e seu pai, comerciante da praça, ressentia-se financeiramente das repercussões dessa situação. Arcando já com elevadas despesas para manter os estudos do filho, que cursava medicina na antiga Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, curso, à época, bastante oneroso, com custos agravados pela necessidade de aquisição de livros que, em sua maior parte, tinham de ser importados do estrangeiro, além de manter também as duas filhas mais velhas estudando em Lisboa, tornava-se muito difícil, para ele, assumir novos encargos e, portanto maiores despesas.
        Entretanto, a lei Federal nº 3991, de 5 de janeiro de 1920, criara, no Brasil, as primeiras Escolas de Química, em número de seis, que deveriam funcionar nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife e Belém.
        A recém-criada Escola de Química do Pará, dada a inexistência de uma Universidade em Belém ficou sob a responsabilidade da Associação Comercial do Pará, que já mantinha um Museu Comercial, onde eram estudados, analisados e catalogados os principais produtos naturais da região, visando a sua industrialização e comercialização. Esse Museu era dirigido por PAUL LE COINTE, renomado naturalista francês, grande conhecedor da Amazônia, que se fixara em Belém e que aceitou assumir o encargo de organizar e fazer funcionar a novel Escola, anexa ao referido Museu.
        A alentada dotação orçamentária com que era subvencionada a Escola, permitiu a montagem de laboratórios modernos e a constituição de um Corpo Docente do mais alto nível, composto, na maior parte, de professores contratados na França, na Universidade de Sorbonne, aos quais se integraram dois professores locais, os Drs. Renato Franco, que acumulava as funções de Secretário e Antônio Marçal, reputado Mestre de Física.
        Sua mãe, tomando conhecimento da existência da nova Escola em funcionamento, cujo ensino aliava à alta eficiência a atraente condição de ser ministrado gratuitamente, para lá a encaminhou.
        Deste modo, sua formação profissional foi determinada mais por uma contingência financeira do que propriamente por um apelo vocacional,  mas, ao final, a situação encaminhou-se para uma feliz convergência pois, vencidos os naturais percalços dos primeiros dias, ocasionados principalmente pelas dificuldades no manuseio da língua – as aulas eram, na sua maior parte, ministradas em francês, já que os professores recém-chegados não tinham ainda o domínio da língua portuguesa – acabou ambientando-se e deixando-se envolver pelo encantamento das sensações inéditas experimentadas, a cada dia, nos trabalhos práticos realizados nos laboratórios.
         Essa situação nova, de emoções fortes, fê-la esquecer os ousados sonhos de adolescente, quando aspirava viajar para outros centros mais desenvolvidos, onde pudesse fazer carreira na aviação, de cujos progressos só tinha notícia pelos jornais, pois Belém ainda não dispunha de navegação aérea. Por isso, quando, mais tarde, em março de 1931, a PANAIR DO BRASIL e a PAN AMERICAN AIRWAYS inauguraram, na capital paraense, seu serviço de passageiros, proporcionando, na oportunidade, às autoridades locais, um voo de recreio sobre Belém, seu antigo ideal, latente, despertou, levando-a a participar, entusiasticamente, desse voo, representando uma autoridade que se abstivera da experiência, com o espetáculo inédito atraindo grande número de pessoas que se aglomeravam nas ruas a contemplar o estranho pássaro que percorria os céus.
        À época em que completara o curso secundário, a idade mínima exigida para matrícula em curso superior era de 15 anos e como ainda não os completara foi matriculada na condição de aluna-ouvinte, embora sujeita à obrigatoriedade de cumprir todas as exigências feitas aos alunos regularmente matriculados. Ao final do ano, entretanto, em face do alto rendimento escolar que apresentara, a Congregação da Escola, que então gosava de inteira autonomia, deliberou autorizar sua promoção à 2ª série do Curso.
        Vencidos, com sucesso, os quatro (4) anos de tirocínio escolar, obteve o Diploma, após apresentar tese, com base em pesquisas desenvolvidas sobre algumas espécies vegetais regionais, sob o titulo “CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO QUÍMICO DE PLANTAS MEDICINAIS DA AMAZÔNIA”, defendida publicamente e aprovada, com distinção, pela Congregação da Escola. Uma judiciosa análise desse trabalho , que muito a envaideceu, foi feita pelo próprio Diretor Paul le Cointe e publicada no 1° e único Boletim Oficial da Escola, em 1929.
        No ano seguinte, 1930, o Governo Revolucionário, instaurado no Brasil, cancelou as verbas federais com que eram subvencionadas as seis Escolas de Química criadas no País, o que levou a Escola de Belém a fechar as portas, encerrando suas atividades, dada a impossibilidade de continuar a manter, sem aqueles recursos, o alto nível em que funcionava. Nesse particular, a Escola de Química do Pará teve menos sorte que as demais congêneres, suas co-irmãs, que, na mesma emergência, lograram sobreviver, sem solução de continuidade, anexadas às Universidades dos respectivos Estados.
        No curto período de existência da escola de Belém, nessa primeira fase, foi a primeira e única mulher diplomada em Química, pois duas outras estudantes que se matricularam abandonaram o curso antes de terminar a 1ª série, por não se submeterem aos rigores com que o curso funcionava, inclusive com a obrigatoriedade de permanência de oito horas diárias, distribuídas entre aulas teóricas e trabalhos práticos.
        Após a formatura e mesmo quando a Escola já encerrara suas atividades, continuou trabalhando, como colaboradora do professor le Cointe, nos laboratórios da escola, em pesquisas tecnológicas e análises das matérias primas regionais. Guarda dessa época gratas lembranças, fortes e vivas, pois essa fase influenciou profundamente sua formação técnico-cientifica levando-a a adquirir o gosto pelo estudo dos recursos naturais da Amazônia a que dedicou, desde então, a maior parte de seus esforços no desempenho profissional.

        ATIVIDADES TÉCNICAS
       
        Em 1931, mal saída dos bancos acadêmicos, ingressou no Serviço Público do Estado, como Química dos Laboratórios de Bromatologia e de Hipodermia da Diretoria de Saúde Pública do Pará.

        Durante mais de 20 anos labutou nos laboratórios locais assumindo, cumulativamente, o cargo de Assistente-Químico do laboratório de Biologia da Santa Casa de Misericórdia do Pará, onde organizou e dirigiu, durante vários anos (1948/52), uma Seção de Hipodermia e produtos Injetáveis, que supria as necessidades do Hospital. Esse laboratório era dirigido pelo Dr. Antonio Acatauassu Nunes, renomado médico e professor titular de Microbiologia da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, a cujas aulas assistia, por especial deferência do Mestre. Foi uma fase altamente produtiva, que lhe proporcionou conhecimentos adicionais na área de análises clínicas e biológicas, convivendo com vultos de alta expressão na Medicina Paraense da época, como os Drs. Jaime Aben-Athar, Orlando Lima e outros.
        Ao instalar-se em Belém a SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), em 1953, foi requisitada ao Governo do Estado, pelo 1° Superintendente desse Órgão – Dr. Artur César Ferreira Reis – para a prestação de serviços técnico-científicos, passando a assessorar a Subcomissão de Recursos Naturais da Comissão de Planejamento, cuja presidência assumiu, posteriormente.
        Com a extinção da SPVEA e criação, para substituí-la, da SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), em 1966, foi nomeada Membro do Conselho Técnico da nova Instituição e, mais tarde, com a reestruturação do Órgão, assumiu a Direção Geral do Departamento de Recursos Naturais, recém-instalado, cargo que exerceu até se aposentar em dezembro de 1990.
        No desempenho de suas atividades profissionais participou de numerosos Congressos, Missões Técnicas e Grupos de Trabalho, visitando instituições especializadas do País e do estrangeiro, proferindo palestras e conferências em Cursos, Seminários e Universidades.
        Em 1979, pelo trabalho que desenvolveu no campo dos recursos florestais da Amazônia, foi convidada, pela University John Hopkins, de Washington, EUA, para proferir duas Conferências no Center of Braslian Studies, da School of Advanced International Studies, daquela Universidade.
         Vinda de uma época em que não existiam as facilidades de hoje e tendo vivido sempre na Amazônia, onde eram escassas as oportunidades de aprimoramento de conhecimentos, buscou-as, entretanto, incessantemente, através de esforço pessoal, no manuseio dos livros e na experiência haurida e acumulada no recesso dos laboratórios onde serviu e no trato constante com os problemas da região, nas longas viagens de estudo e observação empreendidas aos mais longínquos recantos do interior amazônico.
        Nos 59 anos ininterruptos de vida profissional (1931/90), sua atividade caracterizou-se, sobretudo, como obra de tenacidade, de paciente obstinação, em face das imensas dificuldades de ordens técnica, financeira e institucional, que teve de enfrentar.
Do trabalho desenvolvido durante o longo período de tempo em que servia ao órgão de desenvolvimento regional destacam-se, como realizações de alta relevância:
       - Coordenação dos Programas de Pesquisa Florestal em execução pelo Centro de Tecnologia Madeireira, da SUDAM, pesquisas que serviram de apoio e sustentação técnica à formulação de uma proposta de Política Florestal regionalizada para a Amazônia;
        - Concepção, implantação e supervisão, em caráter pioneiro, de um Projeto-Piloto de cultura do Dendezeiro (Palma Africana), realizado em convênio da SPVEA com o Institut de Recherches Pour Les Huiles et Oléagineux, na França, como introdução e modelo para o desenvolvimento de culturas de espécies oleíferas na Amazônia;
        - Supervisão e montagem de um centro de Pesquisas Minerais, na SUDAM, com vistas ao estabelecimento de métodos adequados no tratamento de minérios amazônicos.

         ATIVIDADES DE MAGISTÉRIO
      
         Paralelamente às atividades técnicas, exerceu, por 35 anos, o magistério secundário e superior, como professora de Química em vários cursos particulares, no Colégio Moderno (1950/67) e como Professora de Química Inorgânica, Orgânica e Biológica na Escola de Enfermagem do Pará (1949/61).

        Inconformada com o encerramento das atividades da antiga Escola de Química do Pará, por onde se diplomara 25 anos antes, liderou, com um grupo de professores locais, um movimento visando à sua reabertura e funcionamento e, para isso, apresentou à SPVEA, em 1955, uma Exposição de Motivos solicitando desse Órgão patrocínio financeiro para viabilização da iniciativa.
        Autorizada por Portaria daquela Superintendência, procedeu ao levantamento do valioso material de laboratório e equipamentos remanescentes da antiga escola (cuidadosamente conservados pela Associação Comercial do Pará), com a apresentação de relatórios sugerindo as providências que se faziam necessárias à concretização da iniciativa que viu, finalmente, vitoriosa, com a reabertura da escola, em 1956, onde passou a lecionar, na qualidade de Professora Fundadora, a cadeira de Química Inorgânica (1956/67), tendo assumido, por vários anos, a direção do estabelecimento. Posteriormente, a escola foi incorporada à UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, da qual foi, até seu falecimento, em 2009, professora titular aposentada, tendo sido agraciada, em 1989, com o título de Professor Emérito da mesma Universidade.
        A Associação Brasileira de Química por relevantes serviços prestados à Química, na Amazônia, conferiu-lhe uma plaqueta de prata por ocasião do encerramento do XXXII Congresso Brasileiro de Química, realizado em Belém, em 1992. Em decisão de 26/02//2007 o antedito Conselho criou o “Prêmio Profª Clara Pandolfo”, a ser conferido por ocasião dos Encontros dos Profissionais da Química da Amazônia a profissionais de reconhecidos méritos
        Também da Universidade Estadual do Pará recebeu, em 1994, o Diploma de Honra ao Mérito, pelos relevantes serviços prestados ao ensino da Enfermagem do Pará.
E ainda, do Colégio Christhus, de Belém, foi agraciada com o título de Mestre Emérito, pelo muito que contribuiu para o desenvolvimento do processo educativo no Pará.
            Homenageada pela Secretaria  de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (Sedect) do Estado do Pará em 2011 com a Mostra “Clara Pandolfo” de Ciência e Cultura, como parte da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia promovida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia

       
        ATIVIDADES ARTÍSTICAS

       
        Em sua juventude perlustrou também os caminhos da arte, tendo feito o curso completo de piano com sua irmã mais velha, Olímpia Martins, pianista diplomada pelo Conservatório de Lisboa, participando de concertos e audições musicais em Belém.

         Por fim, a Profª Clara Pandolfo, também foi uma cultora das artes literárias, em especial da poesia, que ela degustava nos seus vagares, tendo também exercitado a literatura não-científica por meio de vários artigos que escreveu e fez publicar na imprensa paraense. A destacar, o resultado obtido no “Concurso Internacional de Poesias, Contos e Crônicas ALPAS XXI – 2008” em que obteve Destaque Nacional com o conto Um episódio passional, o qual veio a ser publicado na Coletânea Palavras de Abril.
        Desde fevereiro de 2011 é a Patronesse da Cadeira de número 03 da Real Academia de Letras, com sede em Porto Alegre, RS, de posse vitalícia do Acadêmico Correspondente Sérgio Martins Pandolfo, representante de Belém do Pará.
       
        VIDA FAMILIAR

        
        Em 1936, contraiu casamento com o engenheiro-agrônomo Rocco Rafael Pandolfo, gaúcho, de tradicional família de Porto Alegre, que se radicara na região, tendo ingressado no antigo Banco da Borracha – hoje Banco da Amazônia, à época da 2ª Guerra Mundial, quando os seringais nativos foram reativados para suprir de borracha as tropas aliadas contra o nazismo, dentro do Acordo estabelecido entre os governos brasileiros e americano, embrenhando-se na selva amazônica, como Interventor do banco, na fiscalização das atividades em desenvolvimento.

        Dessa união, que durou cinquenta anos e meio e que só a morte interrompeu, ficaram-lhe três filhos, dos quais muito se orgulha: Vera ,advogada; Sérgio, médico; e Maria Lúcia, socióloga, tendo assistido,  com emocionada satisfação, ao desdobramento da família através das novas gerações, atualmente representadas por oito netos e seis bisnetos.

        TRABALHOS PUBLICADOS
       
        É autora de numerosos trabalhos (artigos, monografias e livros) relatando suas pesquisas, estudos e observações sobre a região amazônica, que podem ser conferidos em texto específico: Clara Pandolfo. Trabalhos Publicados, neste mesmo site.


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Nota: Na fotografia acima, à frente com o Prof. Clóvis Malcher, reitor da UFPA à época, em visita inaugural do presidente Geisel às instalações do Laboratório de Pesquisas Minerais da SUDAM, projeto do departamento que dirigia, edificadas no campus da UFPA, no Guamá, Belém, novembro de 1973

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Nota: Informações e apontamentos fornecidos pela própria perfilada a seu filho, Sérgio Martins Pandolfo, titular deste espaço.
 
 
 
        
 
Sérgio Pandolfo e Clara Martins Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 13/10/2011
Reeditado em 28/03/2012
Código do texto: T3275201
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