José António Gonçalves (de seu nome completo José António de Freitas Gonçalves), natural de S. Martinho, Funchal, 13.06.54, pertence aos órgãos directivos da Associação Portuguesa de Escritores (APE) e é presidente da Associação de Escritores da Madeira (AEM), da qual foi co-fundador (1989). Desde muito jovem que publica textos na imprensa e tornou-se Jornalista profissional em 1971 (Jornal da Madeira), tendo sido co-fundador e dirigente da secção regional do Sindicato dos Jornalistas na Região e da Associação dos Jornalistas da Madeira. Preside também, desde 1991, à Associação de Desportos da Madeira. Revelou-se em «O Poeta Faz-se aos Dez Anos», de Maria Alberta Menéres (que lhe dedicou um capítulo do seu livro), em 1973 (Assírio & Alvim). Nesse ano integrou o Caderno de Poesia & Crítica «Movimento (número único, org. A. J. Vieira de Freitas), com António Ramos Rosa, Eugénio de Andrade, Pedro Támen, José Bento, A. J. Vieira de Freitas, José Agostinho Baptista e Gualdino Avelino Rodrigues. Dirigiu nos anos setenta a página literária «Poesia 2000» no «Jornal da Madeira e, em 1993, o «Suplemento Cultura», no «Notícias da Madeira».

Fundou e dirige várias colecções literárias, com realce para o Movimento «ILHA», com quatro espicilégios editados (1975, 1979, 1991 e 1994, CMF, onde revelou cerca de uma vintena de novos autores madeirenses), os «Cadernos Ilha» (doze números publicados desde 1988), «Prosas da Ilha» (dois números), «A Memória das Palavras» (dois números: «Única», de Dórdio de Guimarães e «A Ilha de Circe», de Natália Correia»), «Livros de Cordel» (dez números, CMF, incluindo poetas da ilha e do Continente português, com realce para Ernesto Rodrigues, Vergílio Alberto Vieira, João Rui de Sousa, José Viale Moutinho, David Pinto Correia e António Ramos Rosa) e criou, recentemente, outra, «Terra à Vista», na Editora Regionalista da Madeira «Arguim» (cinco números, incluindo Francisco Fernandes, São Moniz Gouveia e Lília Mata).

Enquanto agente cultural organizou uma vasta diversidade de eventos, desde espectáculos musicais, (trouxe à Madeira a Casa da Comédia, de Filipe Lá Féria, com «A Bela Portuguesa», de Agustina Bessa-Luís), recitais, conferências, Feiras do Livro, com autores como José Saramago, José Manuel Mendes e Fernando Campos, entre outros, «Os Olhares Atlânticos» (um mês de cultura madeirense em Lisboa, Biblioteca Nacional, 1991, com exposições, debates, mostras de pintura, livreiras, musicais, etc.), exposições de poesia ilustrada, assim como acções de divulgação de obras e escritores em escolas e bibliotecas, municipais e da Fundação Calouste Gulbenkian. Escreveu diversos prefácios para livros de autores locais (de A.J.Vieira de Freitas, Dalila Teles Veras, São Moniz Gouveia, Carlos Nogueira Fino, João Luís Aguiar, Francisco Fernandes, João Carlos Abreu, João Dionísio, por exemplo), fez a apresentação pública de inúmeros outros e desenvolveu diversa produção ensaística sobre obras e escritores da Madeira, assim como nacionais e estrangeiros, ao longo dos últimos trinta anos, para além de assinar dezenas de letras para canções gravadas por artistas portugueses, folhetos e catálogos de artistas plásticos e de encartes em discos, assim como produziu, realizou e apresentou variado tipo de programas de rádio de índole cultural nas diferentes estações públicas e privadas da Madeira.

Com Ivo Caldeira seleccionou e concretizou o projecto «O Canto dos Poetas Madeirenses» que assinalou, em 1999, o primeiro aniversário da Rádio TSF na Madeira, reunindo uma dezena de poetas em registo de voz, com o apoio da DRAC-M, num CD amplamente divulgado dentro e fora da Região.

A sua obra, num total de quase duas dezenas de livros (sem contar com as antologias) foi comentada, analisada e criticada por autores como Manuel Frias Martins («Dez Anos de Poesia em Portugal – Leitura de uma Década 1974-1984», Editorial Caminho, 1986), Ernesto Rodrigues («Verso e Prosa de Novecentos», Instituto Piaget, 2000), Ramiro Teixeira, Natália Correia, Dórdio Guimarães, Albano Martins, Vergílio Alberto Vieira, João Rui de Sousa, António Fournier, Giampaolo Tonini, Massimo Bussone, Maria Aurora Homem, Francisco Sousa Neves, João David Pinto Correia, Horácio Bento de Gouveia, Alberto Figueira Gomes, Dalila Teles Veras, J. Henrique Santos Barros, Ana Margarida Falcão, José Viale Moutinho, José Laurindo Goes, entre muitos outros. Traduzido em russo, italiano e espanhol, irá ser incluído numa nova antologia do Conto de autores madeirenses a publicar em língua italiana em Pisa, numa organização de António Fournier, na sequência da obra laudatória em poesia que divulgou sobre Giacomo Leopardi, na passagem do seu bi-centenário de nascimento, dedicada ao seu poema «Infinito».

JAG foi agraciado com o título de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, pelo Presidente Dr Sampaio a 10 de Junho de 2005.

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PRINCIPAIS OBRAS

Prosa:

Réstea de Qualquer Coisa (Crónicas, ed. de A., 1973); Uma Entrevista com Adelino Amaro da Costa (JM, 1976); O Sol na Gaveta – Registo de um Percurso Humano de João Carlos Abreu (Arguim, 2002)

Poesia:

É Madrugada e Sinto (ed. de A., 1974); O Esconderijo do Caruncho (Poesia 2000, JM, 1975); Pedra-Revolta (Ed. de A., 1975); A Crista de Neptuno (Ilha 2, CMF, prefácio de Natália Correia, 1975); 20 Textos para Falar de Mim (Cadernos Ilha, nº. 1, 1988); Antologia Verde (Cadernos Ilha, nº.5, 1991); Arte Mágica (Ilha 3, CMF, 1991); Bar Cheirando a Rosas (Ilha 4, CMF, prefácio de Ernesto Rodrigues,1994 ); Os Pássaros Breves (Átrio, Lisboa, Col. Pirâmide, posfácio de João Rui de Sousa, 1995); Tem o Poder da Água (Editorial Éter, Lisboa, prefácio de Ernesto Rodrigues, 1996); Noites de Insónia (CMF, Colecção Livros de Cordel nº. 1, 1998); Giacomo Leopardi e o Suave Desprendimento do Infinito (Ed. Correio da Madeira, prefácio de António Fournier, 1999); À Espera dos Deuses (Ed. Correio da Madeira, 1999); Lembro-me desses Natais (ilustrações de Maurício Fernandes, textos introdutórios de João Rui de Sousa e Vergílio Alberto Vieira, Ed. Correio da Madeira, 2000); Aventura na Casa dos Livros (Col. Cadernos Ilha nº. 10, Ed. Correio da Madeira, 2000); Esquivas são as Aves (Col. Cadernos Ilha, nº. 11, Ed. Correio da Madeira); Memórias da Casa de Pedra (Col. Terra à Vista, nº. 1, Arguim, 2002); As Sombras no Arvoredo (Col. Pilar de Banger, nº. 1, 2004)

Antologias
(que organizou e integrou)

Ilha (sete autores, Poesia 2000, JM, Funchal, 1975); Ilha 2 (seis autores, CMF, 1979); Ilha 3 (dez autores, CMF, 1991); O Natal na Voz dos Poetas Madeirenses (v., Secretaria R.T. Cultura e Emigração, 1989); Poet'Arte 90 (v., Associação de Escritores da Madeira, 1990); Poetas da Ilha (v., Biblioteca Nacional/Associação e Escritores da Madeira, 1991); Vers'Arte 91 (v., CMF/Associação de Escritores da Madeira, 1991); Ilha 4 (treze autores, prefácio de Ernesto Rodrigues, ed. CMF, 1994).

e ainda organizou a edição:

«Crónicas do Norte» de Horácio Bento de Gouveia (1901-1983, prefácio e notas, CM S. Vicente, 1994)

(as mais recentes, em que está representado)

100 Anos de Frederico Garcia Lorca – Homenagem dos Poetas Portugueses (Universitária Editora, 1998); Antologia de Poesia Erótica (Universitária Editora, 1999); O Escritor (APE, nº. 13/14, Lisboa, 1999); Mealibra (nº. 6, Centro Cultural do Minho, 2000); Lisboa com seus Poetas (Adosinda Torgal e Clotilde Correia Botelho, D. Quixote, 2000); "Poeti Contemporanei dell'Isola di Madera"(org. e trad. de Giampaolo Tonini, ed. Centro Internazionale della Gráfica de Veneza, 2001); Antologia Escritas ( Direcção, edição e capa de José Félix, Lisboa, 2004.); Crónica Jornalística do Século XX (Edição do Círculo de Leitores, organizada por Fernando Venâncio, Lisboa, 2004); NEO 4 (Literary magazine, editor John Starkey, Summer 2004); A poesia é tudo - Antologia I (Edição da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, com coordenação de Francisco Guedes, 2004).

Televisão
(autoria e guionista)

Ora…O Mar (teledramático da RTP-Madeira, realização de Paulo Valente, Prémio Açor de Bronze da IV Mostra Internacional da Televisão do Atlântico, 1988)

Retratos da Madeira (série biográfica, seis episódios, produção de Hoffman & Jardim, realização de Eduardo Geada, RTP-Madeira, 1989/1990)

O Morto (teatro, peça em 1 acto, Teatro Experimental do Funchal, direcção de Eduardo Luís, RTP-Madeira, 1994)

Cinema
(guiões para documentários)

Açores Outono (produção de José Luís Cabrita, realização de Acácio Almeida, 1978)

Madeira – Bordado de Sonho (produção do IBTAM, realização e António de Sousa, 1980)

http://members.netmadeira.com/jagoncalves/

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Minhas Escritas



PARA FALAR DE MIM

1

vieram de mim os longos sóis e os longos dias.

vieram de mim o arrastar dos bancos, os cânticos das igrejas,

e vim eu, senhor do meu nariz, nobre sem títulos nem castelos

nem divisas,

duma ilha pequena, perdida numa concha

de mar, onde nasci. era a primeira vez

que eu abria os olhos, e senti-me rei e marinheiro. estava

embrulhado numa alga, e adormecia numa gruta, adornada

por búzios quietos. os peixes visitavam-me e afastavam

os murmúrios, os gritos, os monstros pelados,

e o eco da minha voz, que habitavam os meus sonhos. é por

isso que me revesti da luz cintilante das suas escamas

e tenho, dizem-no as mulheres que desconheço, um suor

sem perfume, um suor sem matéria, enquanto que o meu corpo

tem o encanto do cheiro a maresia.



2

trouxe comigo

do país onde vi as mãos me crescerem,

um barco de madeira carcomida, amaldiçoada

pelo vento marinho,

numa viagem de calados suspiros.



3

cheguei, depois de muito navegar, a

uma terra verde,

bordada a pérolas no mar. abandonei a viagem

e passei a conviver com sereias e ninfas

silenciosas, que perdiam o seu tempo plantando

palmeiras, cuidando de animais selvagens, soltando

aves em sorrisos lentos,

pelos buracos vermelhos das suas bocas, infantis e sensuais,

em rotas roxas.



4

após longos meses, longos sóis e longos dias

que criei, escrevo: estrangeiro meu espírito em meu

corpo,

ou perdido meu sentido dento de mim –

a ilha é pequena. a minha voz perde-se no seu verde incansável.



5

trago nos meus dedos sabor

amargo e estranho. as naus se foram e rebocaram o meu barco,

deixando sulcos no meu peito. trago sabor amargo

nos meus dedos. quem mos devolve iguais aos da minha

infância? quem mos torna pequenos? está a fonte

da minha saciação longe da minha sede e o meu fulgor sem alento

é transporte impróprio para me levar à satisfação. meus

dedos, agora reparo porque estou cansado, não chegam para a

minha ausência,

nem esta minha insuportável sede para o meu regresso.



6

vieram de mim longos, longos dias,

vieram de mim os cânticos das igrejas, as orações de desespero,

o arrastar dos bancos, o gosto a salsa. de madeira

é esta ilha órfã de nascença, minha irmã e minha amante, minha

candeia anunciada em minha voz, reflectida em meu grito,

reproduzida dentro de mim. terra verde e talvez virgem, há muito

tempo, no meu regaço antigo,

por que me perdi.



José António Gonçalves

(in «É Madrugada e Sinto», Funchal, 1974)



POEMA PARA OS QUE COMPREENDEM

malvada sede a do guerreiro insaciável do sangue

sangue preto igual ao branco mais branco mais branco


insuportável arma que se vende se vende e trespassa

a fronteira da razão o corpo indivisível da liberdade


ninguém pede misericórdia ou uma palavra de consolo

tudo se limita ao construir de novos impérios


ali não há tempo de fugir tudo é o fim e o princípio

caminho cruel que termina sempre numa cova

no impacto de uma bala ou duma bandeira


ao longe longe muito longe e agasalhados

gigantes vermelhos vermelhos vermelhos que nunca mais acabam

esfregam as mãos de contentes até arderem de gozo


mais abaixo no despir do seu calor e da dúvida

outro fogo consome irmãos devora esperanças


faz morrer a luz nos olhos das crianças.





José António Gonçalves

(in "20 Textos Para Falar de Mim ", Colecção Cadernos Ilha, nº.1,

Prémio Literatura/Leacock/1988, Funchal, 1988)



A CHAMADA

Sempre soube que as pedras
rolam pelas encostas dos montes
se não tiverem nada que as segure
como os teus olhos contrariando
a chamada
do outro lado da casa.

Há uma cadeia de sons
apelando para os odores das águas límpidas,
desses cheiros sem cheiro
oculto na terra viçosa e aberta às chuvas.
Por ela - sem que me perguntem - respondo
mesmo à distância
como se estivesse prisioneiro do seu chamado
no ruído do eco longínquo
que só se escuta no interior dos búzios.

E lá vou
evitando afogar-me nas agudezas das ondas
com a transparência do papel branco
onde decidi deixar para sempre escrito
o amor
com te imagino no centro do mar
apesar
de no teu dorso de ilha
alguém per pintando a paisagem absorvente
do apego eterno
e nele respirar um inconfessável medo.

Sucumbo aos chamados surdos
como se nos teus trinados uma canção
se repetisse
nas promessas celestiais.

Sabes porém que não precisas
de artifícios.
Se me dessem o céu recusaria.
Prefiro o teu destino de pecado,
cedo a todos os vícios
e neles ergo os alicerces
de todos os meus princípios.
Na tua boca escondem-se as razões
finais.
Mas não digas a ninguém.
É segredo.


(inédito.04.09.04)



Achas novas: vou lançá-las na fogueira das rimas invisíveis...

ACHAS NOVAS

o barómetro fiável do amor
é a tua obsessão com a palavra
indelevelmente escrita

burilaste-a ainda mal nascera
e aplaudiste o seu efeito sonoro
quando ganhou lugar no papel

guardião do sonho fechei os olhos
e deixei entrar os versos no cofre-forte
da combustão gerada na pele

e só de paixão falavas sem escutar
o eco das ondas do mar nas montanhas
nem acender a luz dos abismos

pus mãos à obra e fui aos alicerces
do edifício branco do poema ainda quente
acabado de receber o sol da manhã

ali descobri as raízes úteis aos druídas
umas moedas carcomidas e o alívio das pedras
quando acordadas do sono intemporal

trago nas mãos um braçado de achas novas
e vou lançá-las na fogueira das rimas invisíveis
na esperança de que expludam em tochas amarelas

esperarei depois que se transformem em carvão
e que o dia claro se alcandore ao foco da tarde
onde escreverei as palavras que ardem com elas



segue-me em silêncio
como as mulheres amadas
dos desertos

em redor dos nossos corpos
há uma plumagem muito branca
como as nuvens de Verão

olha para as pedras do caminho
e sorri baixinho para que eu sinta sempre
a tua presença junto de mim

mas segue-me
como se fosses a brisa da tarde
a consolar-me do cansaço
da jornada

e verás como não importam as distâncias
porque me segues e eu ouço-te os passos
como se em redor do teu andar
nada mais houvesse
como se eu estivesse
proibido por Zeus
de ouvir mais nada


(inédito.23.5.04)
Consulta aos números anteriores:
http://www.terravista.pt/mussulo/1701/indice.html



Sou o Corpo

sou o corpo que se movimenta
devagar liquidamente onde uma voz
me pertence
no espaço materno de um gesto
um esgar onde o amor
muito raramente não acontece
sou uma pétala
uma ave ferida esperando
no chão
por uma ajuda breve sublime
algo que só dificilmente
recupera a vida dura de dobrar
como o bronze o aço o vime

sou algures o cangalheiro
pronto para todo o serviço
o lavrador
esperançado na boa colheita
o jovem perdido do caminho
o velho já sem viço em busca
do livrar-se de qualquer maleita

sou o anjo da guarda a música
melodiosa talvez um pouco
de benção
a gargalhada o dizer não
o calar do sim
na palavra silenciosa
ao nascer e ao morrer
de qualquer madrugada
no orvalho de uma rosa

sou um pedaço
do todo
o pó a sina o navio a vapor
assombrando o verso
a pena o sol dum porto
sou o tudo que ao longe
se reclina ao de leve
no sonho da lua grande
que se vê pequenina
na gota límpida
do suor

(inédito)

(in "a poesia dos Calendários", Prenda do dia 5 de Fevereiro de 2004)

POEMA DA VIAGEM AINDA POR FAZER

Devia ir por aí, na frente do sol,
levar-te uma mensagem, um rebuçado
de funcho, um livro com poemas de viajantes,
de marinheiros ou de eremitas urbanos,
contando o silêncio das pedras das ruas,
dos tempos esquecidos das cidades de bruma,
construídas bem juntinho à espuma cansada
do mar, ao calhau preto do vulcão adormecido.

Precisaria de coragem para ir, agarrado
à madeira rija dos barcos antigos, nas mãos
do vento agreste, orientado pelas estrelas
saltitantes dos navegadores de outrora,
obrigatoriamente proibido de olhar para trás,
para o lugar onde construiram as pontes,
abriram estradas, montaram as paredes
das casas rumorejantes, onde as noites
se acolhem, nos abraços dos amantes.


Mas não tenho. Não posso partir. Ainda.
A terra prende-me aos seus sulcos, ao cheiro
das ervas, ao canto dos ribeiros, às sombras
das encostas, ao apelo das montanhas,
aos desenhos coloridos da infância, aos luares
que me bateram à janela, ao roçar dos galhos
das anoneiras nas vidraças. E então sento-me
no muro com vista para as falésias distantes,
com as bandeiras da tarde crepuscular
a decorar o azul das escarpas e da babugem,
a me prender para sempre a pele ao esqueleto
da ilha, no cume exacto onde se encontram
as aves que me conhecem desde os primeiros
olhares que lhes dei, sobre a penedia, lendo
a poesia dos canaviais, com a sua música
verdejante. E adormeço, de novo, calmamente,
por aqui, onde o mundo olvidou a necessidade
prosaica de um dia me procurar, em busca de novas.



(inédito. 16.5.04) (in "A Poesia dos Calendários")

RENTE AOS OLHOS

rente aos olhos a lágrima a
manhã o orvalho a mão
sobre o arado e o sol nascendo
(...)
rente ao homem os dedos cansados
o sono infinito os canteiros vazios
dois palmos de novo dia e um poema
branco sem palavras




José António Gonçalves

(excerto, in "Movimento", nº.1,
Funchal, 1973)


FONTE: WWW.JOAQUIMEVONIO.COM "VARANDA DAS ESTERLÍCIAS"
e http://members.netmadeira.com/jagoncalves/


Ao Poeta José António Gonçalves

Som de morna
tarde branda
na rua velhinha
passam estrangeiros...
Estou no Funchal, meu amigo,
mas a sorte não quis que estivesse contigo!
O sol ficou escondido
o mar sussurra baixinho
a saudade que dói tanto!

Maria Petronilho
Funchal, 10/2/2007