Nasci em 22 de Fevereiro de 1947, embora tenha sido registado a 5 de Março do mesmo ano, numa localidade do concelho de Penalva do Castelo. Completei o Curso Geral dos Liceus e estudei enfermagem. Colaborei entre os 20 e os 22 anos em alguns jornais, salientando-se um dos vespertinos mais reputados da época, O Diário de Lisboa, na sua Página Juvenil, então dirigida pelos escritores Mário Castrim e Alice Vassalo Pereira. Cumpri o Serviço Militar em Angola, onde normalmente resido.
Não fui capaz de escapar à corrente da época, onde éramos obrigados a viver num sistema ditatorial. Por isso escrevíamos e cantávamos canções de intervenção, que em nada agradavam aos imutáveis governantes da época.
Por razões que não cabe aqui apresentar, atravessei uma longa fase sem
escrever, recomeçando precisamente há cerca de um ano. Dos trabalhos
anteriores pouco me sobrou, a não ser alguns poemas que recuperei nos
arquivos do Diário de Lisboa, já extinto.
Quanto aos poemas, parece-me que deves ter a selecção contigo; aliás tenho toda a honra que sejas tua escolher.
Um grande xi-coração do teu amigo,
Fernando Rodrigues-Almeida
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Minhas Escritas
Com palavras…
(a guerra do poeta)
FRA
24/07/05
Do peito as margens.
Do ócio do rio transborda.
Secura que se avizinha
Breve
Bicada de estorninho
Na frieza das frestas.
Águas desertas
E o tálamo vazio
Do rio que ferve…
Na lembrança do seu leito
No murmúrio remoto das águas
Na secura das palavras
No pretérito perfeito
Na alvura de tantas mágoas
No emudecer revoluto
No preito pandas lágrimas
Cobre-se o corpo de luto
Quem nos amaina a secura
Quem nos protege os açudes
Quem nos compila a bravura
Quem nos devolve homens rudes
Com laivos de ternura
Que se revolvam de pranto
Que encham de novo os rios
Que nos libertem da angústia
De olhar os campos vazios
Quem nos apaga a cegueira
Que incendeia a floresta
E nos enleia na teia
De aceitar o que não presta
Quem afinal nos liberta
Bouquet de Budapeste
Não deixes de colher rosas
Mesmo que tenham espinhos
As rosas precisam de falar
E nós, tão distraídos...
Espinhos, nas tuas mãos de seda
São espinhos virtuais
Que as tuas mãos
Em gestos rituais
Na sua forma leda
Acariciam
As tuas mãos sem rosas
Já não são de seda
Já nem são iguais
E
Sem as tuas mãos
As rosas
São banais
FRA
2005-07-11
Rosa Mística
Feito no Seixal, a 2 de Junho de 2005
Andando um dia vagueando pelo éden
por entre a sublime fragrância
encontrei refulgente
no meio de tantas rosas
uma rosa vermelha
Era uma rosa prenhe de segredos
sugados por indelével abelha
numa inocência de mel
...era apenas uma rosa
como todas as rosas do mundo
(como gosto de rosas vermelhas!
lembram-me as chagas de cristo
purificando o mundo
lembram-me tanto...
estranha beleza
MÍSTICA
onde me detenho no profundo
onde vagueio
onde vou a bordo
onde ora repouso e me enleio
onde ora acordo
e repenso donde venho
...sonho eterno)
no meio dum verde
do verde que amo
a rosa vermelha
a mística
a suprema
a resplandescente
a secular intensa
a sempre presente
à fímbria da aura
ao eterno onde me ancoro
e escapo ao mundo insano
é este místico da rosa que guardo
no meu íntimo quotidiano
Queimadas...
No seu salpico de asas
A borboleta indelével
Vai espalhando o seu pólen
Como abelha obreira
No tecto das nossas casas
Dessa sua sementeira
Germina das nossas veias
Fervilha e rodopia
Transformando as ideias
.E acontece poesia
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QUEIMADAS 1
Queima-se o silêncio verde que a janela cinge
Em côncavos punhados de olhos, ávidos de lágrimas
Negra esfinge de terra queimada, cravada
Nos ecrãs do mundo
Indelével vazio de natureza viúva
Fastio de assistir ano após ano ao desnudar da alma
Penugem de andorinhas e corvos foragidos.
Ai tanta gente que chora na imensidão calada
Ai a miséria mirrada pela míngua do pão
Ai a promessa política, que de novo aí vem
Ai a safada mentira que irrita
Que todos os anos é a mesma fita
E não tem solução
QUEIMADAS 2
Queimou-se o rosto verde neste mês de Agosto
Breve, das uvas chamuscadas, o cheiro a mosto.
Das cinzas lavradas,
Uma levada de piromaníacos
E a nossa ternura germinante, nesta imensidão árida
.assistiremos complacentes ao renovar da espécie
Passo a passo, cumpre-se a continuada tragédia
QUEIMADAS 3
Como será a Primavera daqui a mais uns anos?
Já nem verde terá e só no arco-íris
E no acervo de cores das telas dos pintores
Se evocará o verde fogoso das florestas
Lambido na agudeza verde da quimera.
Daqui a mais uns anos nem mimos mimosas ou giestas
Nascem das chagas abertas da terra.
Ai que saudade das amarelas rosas, flores silvestres
Silvados com amoras bravas
Do íntimo das frestas gomosas da terra
Apenas os odores das lavas agrestes
E o mar, que esperamos seja eterno
Fernando Rodrigues-Almeida
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Vagas remotas, que o tempo segue na razão inversa...
Vagas remotas
Recuo no tempo e fico por aí.
Num rasgo de ave solitária
Adejando na penumbra remota
Relevo a imagem distante
E deixo-me navegar.
Breve momento de onda
Me enleva me envolve
E volve a saudade
Dum tempo que foi.
Ai, como este voo e enredo,
Ledo me faz e me dói!
Momento de solidão:
Fito pasmado a ilusão
Entre passado e presente;
Fito naquele porto
O barco encalhado,
O barco que apodrece...
Hoje apenas as memórias cálidas
Duma certa ausência doce e breve aportam
E meu peito é o plasma dum feito
Preso à pomba taciturna
No vértice da memória.
Hoje, por entre as rochas e dunas,
Sopro de ventos nas entranhas.
Escarpa de marés.
Amores que nunca aconteceram
À míngua de palavras.
Hoje, o frenesi do tempo escasseia
Nas imagens e caminhos que ficaram,
Na rosa-dos-ventos de ilusões.
É já demasiado tarde para sonhar
É já demasiado tarde para quedar
É já demasiado tarde para sarar
As feridas que o tempo abre
É já demasiado tarde para apagar
O fogo que arde.
As pernas entorpecem
Vai-se o pranto
No esvair do tempo
O encanto de sonhar
Vai-se amainando a veia
Que a força para navegar escasseia.
Fernando Rodrigues-Almeida
Luanda, 2007-03-24