Personagem desconhecido
Saiba por que a cidade de Artur Nogueira recebeu esse nome
Pedro e Doraci Fritz nasceram em uma colônia de imigrantes no interior de Artur Nogueira. Ele tem 57 anos e é descendente de alemães, ela 52 e, italiana. O casal, que ainda mora num sítio afastado da cidade e cuida da terra e dos animais, lembra com facilidade das histórias dos avós que vieram da Europa em busca de uma nova pátria. No entanto, não conseguem explicar por que Artur Nogueira, a terra que hoje chamam de lar, tem esse nome.
Assim como o casal Fritz, a maioria da população nogueirense desconhece a história de sua terra. Alguns acreditam que a região recebeu o nome de Artur Nogueira por que esse era o nome do fundador da cidade. Outros simplesmente declaram não saber. Luzia da Silva, residente na cidade há 7 anos, arisca responder: “Eu acho que foi alguém famoso”.
Entre os moradores que andam pelas ruas e praças da cidade é muito fácil ouvir “essa é uma boa pergunta” ou “eu acho que” como resposta a quem foi Artur Nogueira. Entretanto, a aposentada Dora Kiones, 82 anos, é uma exceção em meio a tantos nogueirenses desinformados. A mulher explica que sabe a resposta, pois além dos anos de vida, também já leu bastante sobre a história do município. “Eu conheço Artur Nogueira, não que eu seja tão velha, mas porque já li sobre o major”, brinca. Dora desmente a idéia de que Artur Nogueira fundou a cidade e diz que ele simplesmente dedicou-se ao crescimento da empresa, na qual era gerente e acionista majoritário.
Portanto, o legado de Artur Nogueira para a população pode ser definido como: desenvolvimento e progresso dos arredores da antiga Fazenda do Funil, que hoje compreende as localidades de Cosmópolis, Paulínia, Engenheiro Coelho e Artur Nogueira. No entanto, apesar de não ter sido o fundador da cidade nem ter residido ali, Nogueira ousou investir no povoamento da região. É o que afirma seu sobrinho Paulo Almeida Nogueira: “Pela clarividência de Artur Nogueira, terras foram picadas e loteadas para a criação do que se chamou, na época, de ‘Secção de Artur Nogueira’”.
A preocupação do major, título que recebeu em 1889, em povoar as circunvizinhanças da Fazenda do Funil fazia parte de sua estratégia de rápido crescimento da produção de açúcar e álcool cultivados e elaborados em sua empresa. Para isso, ele precisava de mão-de-obra barata e fácil a acesso ao engenho e aos núcleos coloniais onde a cana era cultivada.
Investindo em mato
Na época em que a região de Cosmópolis, Paulínia, Artur Nogueira e Engenheiro Coelho era um verdadeiro sertão, isolado de Campinas, Limeira e Mogi Mirim, as estrada de chão batido muito mal cuidadas que ligavam os três centros eram as únicas coisas que fazia o lugar conhecido. Nogueira, “homem de visão” como o qualifica Paulo Nogueira, percebeu o potencial e as possibilidades econômicas para a produção de cana-de-açúcar naquelas terras e uniu-se aos seus irmãos, Sidrack e Paulino, seu cunhado, Antônio Carlos da Silva Teles e seu sobrinho Paulo de Almeida, e comprou as terras que existem próximas a uma queda d’água em forma de funil no rio Jaguari. Daí a origem do nome Fazenda do Funil, a atual propriedade da Usina Ester.
O autor do livro Usina Ester, 100 anos de história, Danúzio da Silva, descreve que Nogueira ao contemplar o matagal que cobria as terras da região, planejava substituí-lo por cana-de-açúcar. No entanto, para fazê-lo precisava povoar o lugar e criar um meio de transporte rápido e barato. “Cosmópolis era uma vasta floresta, onde havia espécies como canela, saguari, jequitibá, cedro e outras. Artur Nogueira considerava a ocupação na região estratégica, tanto pela localização, quanto pela qualidade da terra”, fala Silva sobre os primeiros anos em que o major investiu na região do Funil.
No início, avistava-se apenas um pequeno engenho produtor de aguardente e algumas casas esparsas que acompanhavam a única estrada que ligava a Fazenda as cidades da região. Durante os dias de chuva formava-se um barro derrapante que impedia o acesso à localidade.
Diante das dificuldades, não demorou muito para Nogueira conseguir na Câmara Municipal de Campinas um projeto de imigração, em que era oferecido aos colonos suíços alojamentos gratuitos em edifícios coletivos. Outra medida que o major apressou-se em fazer, foi contrair empréstimos para a construção de uma estrada de ferro, a Carril Agrícola Fulinense. Os suíços, no entanto, ao enfrentarem problemas climáticos e de adaptação, rumaram para o sul do Brasil ou retornaram para o seu país de origem, abrindo novas oportunidades para outros povos colonizadores: austríacos, alemães, italianos, russos, espanhóis e árabes.
Assim, a criação da linha férrea Carril Funilense e a chegada de imigrantes europeus, que só queriam uma terra fértil para plantar e um lugar adequado para fincar suas raízes, tornaram-se duas forças que se uniram as intenções de Nogueira: desenvolver a agricultura em toda a região.
O major, contudo, ao aplicar esforços em difundir a produção agrícola da zona rural de suas terras, também exerceu uma administração coletiva e igualitária que o tornou lembrado como o “pai da pobreza de Cosmópolis”. Paulo Nogueira, em seu livro Memória de Paulo Almeida Nogueira, conta que o tio não almejava apenas o lucro, mas distribuía trabalhos, e não dispensava o uso de recursos próprios quando a ação oficial não era suficiente.
Os primeiros trilhos
Os apitos das marias-fumaças que circulava pelos trilhos da recém inaugurada linha férrea Funilense, em 1889, e o som estridente do alto da chaminé da Usina Ester, eram os primeiros sinais de que o desenvolvimento se aproximava da região. Durante os anos em que o major gerenciou as terras e o engenho da Fazenda do Funil os investimentos destinavam-se a formação de canaviais, casas e colônias para moradores e infra-estrutura e modernização agrícola da usina, atualmente conhecida como Indústria Açucareira Ester S/A.
No início, não havia a queima de cana. Os homens normalmente trabalhavam na usina, cuidando do processo de fabricação do açúcar enquanto dezenas de equipes femininas cortavam a cana, retiravam as palhas e as agrupavam em feixes para que posteriormente fossem colocadas sobre carroças puxadas por burros e levadas até a usina ou próximo a linha do trem, para então fossem carregadas.
Assim, os carros de boi e o trem contribuíam com trabalho árduo da safra. Eles agilizavam as tarefas de homens e mulheres do campo, levando a cana até a usina. À medida que os trilhos alcançavam regiões mais distantes e que o sertão era transformado em terra fértil, os povoados começavam a tomar forma. Em 1907, a estrada de ferro Funilense chegou até o centro da “Secção Artur Nogueira”, primitivamente conhecida como Lagoa Seca. Ali, já despontavam 30 casas que futuramente fariam parte do atual centro da cidade. O edifício do primeiro armazém da cidade ainda exista e pode ser visto por todos que passarem pelo cruzamento das ruas Fernando Arens júnior e 1º de janeiro (o atual Bar da Floresta).
O real fundador
As terras do município de Artur Nogueira pertenciam, até o começo do século 20, a várias famílias tradicionais paulistas, entre elas a família Nogueira. No entanto, por força do decreto nº 1.300, a maioria dos proprietários teve que ceder suas terras para o governo do Estado de São Paulo. Diante da exigência, o major doou o território que hoje compreende a sede municipal da cidade.
Os primeiros esforços para povoar a atual cidade, partiram do revolucionário engenheiro civil Fernando Arens Júnior, que reivindicou a construção da estrada de ferro Funilense e a instalação da Estação Ferroviária. Artur Nogueira, entretanto, apenas era o proprietário das terras da região e, por isso, patrocinou a obra que recebeu seu nome. O major sabia que a chegada dos trilhos do trem não apenas fortaleceriam a expansão do povoado na região, mas facilitaria o escoamento dos produtos agrícolas da época: café, cana-de-açúcar, algodão e cereais.
Destarte, um ano depois da instalação da ferrovia surgiam os primeiros moradores da localidade. Os pioneiros e suas famílias chegavam a região para ocupar os lotes distribuídos gratuitamente por Arens. O engenheiro, filho de um político renomado em Campinas, investiu não somente no processo de desenvolvimento e urbanização do recente povoado, mas na fundação de dezenas das cidades da baixada paulista.
O primeiro passo de Arens na elaboração da futura cidade foi comprar terras nas redondezas da Estação Ferroviária Artur Nogueira e uni-las as hectares que recebeu como herança de seu pai. Assim, ele dividiu o terreno em pequenos lotes e os doou para imigrantes ou famílias carentes que vinham do nordeste brasileiro à procura do progresso econômico. O trabalho árduo no campo, ora cultivando a terra, ora criando gado, permitiu que os lavradores pudessem adquirir em pequenas glebas as terras dos primitivos donos, acabando-se, assim, os grandes latifúndios. Depois, com a valorização do café, as glebas transformaram-se em grandes cafezais, tornando o território do povoado, em 1929, num verdadeiro oceano de cafeeiros.
Diante do cenário, Arens iniciou um projeto imobiliário, ou seja, ele planejou e edificou as primeiras construções no centro urbano do atual município. Sérgio Fromberg, um dos autores do livro Artur Nogueira: berço da amizade, conta que o engenheiro construiu diversos prédios como a prefeitura municipal, Paróquia Nossa Senhora das Dores, Grupo Escolar, Cartório e várias outras obras.
Logo, o povoado atingia proporções em que já não era mais possível definir se o lugarejo pertencia a Campinas ou a Mogi Mirim. O centro do povoado e a própria Estação Ferroviária localiza-se exatamente na divisa entre os dois municípios. Por isso, em 1938, houve redemarcação das fronteiras. A ação privilegiou consideravelmente o povoado, que recebeu acréscimo nas áreas de terras.
Na época, Arens reuniu um grande número de moradores da localidade na cidade de Mogi Mirim, a fim de reivindicar a elevação do povoado à categoria de “Districto de Paz Arens Júnior”. No entanto, a influência do major Artur Nogueira na região aliada a tantos outros fatores impediu que o povoado, fundado e idealizado por Arens, recebesse seu nome. As forças políticas impeliram que o lugar fosse denominado de “Districto de Paz Artur Nogueira”, uma seção de terras ainda subordinada à Comarca de Mogi Mirim.
Depois do longo período de esforços e investimentos, o engenheiro se desfez de suas terras e nunca mais voltou à região. “A ausência de Arens foi o principal fator que transformou Artur Nogueira no único benemérito e ‘bom samaritano’ da cidade”, comenta Fromberg. De acordo com o escritor, os investimentos do major na região escondiam diversos interesses, como o prolongamento da ferrovia Funilense.
Desse modo, diferente de tantas outras cidades que nasceram às margens de um rio, mar ou lagoa, Artur Nogueira, cortada apenas pelos Córregos Pirapitingui e Ribeirão da Boa Vista, surgiu a partir de doações de terras, chegada da linha férrea e da expansão agrícola da região do Funil.
Fromberg garante com suas pesquisas e entrevistas com a filha de Arens – 101 anos de idade – que o verdadeiro fundador da cidade de Artur Nogueira foi Fernando Arens Júnior. E que o nome da cidade advém da Estação Ferroviária Artur Nogueira, que passou, naturalmente, a ser referência da localidade que cresceu ao seu redor.
Poucas recordações
Não casou-se, preferia não tirar fotos, gostava de sobremesa banana, admirava a boa música, contribuiu para o crescimento da região onde vivia e nada mais se sabe sobre sua infância e juventude, a não ser que nasceu no dia 11 de dezembro de 1861 em Campinas e aos 28 anos recebeu o título de “major” pela Guarda Nacional. Assim pode ser definida a história do homem que doou seu nome para representar uma população.
Artur Nogueira não deixou descendentes e a família desconhece o que aconteceu durante o período de sua juventude, embora suponham que ele tenha estudado com o mestre campineiro Quirino do Amaral, o mesmo professor de seu irmão José Paulino. Os familiares, entretanto, sabem que em sua fase adulta possuía uma serraria na cidade de Pirassununga onde praticava o que aprendeu na fazenda com o pai.
Apesar de seu Luís e dona Gertrudes Eufrosina Nogueira terem criado 12 filhos, apenas o major e seu irmão José Paulino tornaram o sobrenome do casal lembrado pela história. Ao contrário dos irmãos, Artur não casou-se tampouco teve filhos. A única coisa que a família revela é que ele relacionou-se durante vários anos com Gertrudes Baier. José Fozatti, economista em Cosmópolis e autor do livro Crônicas de uma cidade chamada universo, afirma que é provável que o major, depois de contribuir para a construção da igreja matriz de Cosmópolis, tenha sugerido a denominação de Santa Gertrudes para o prédio em homenagem a sua companheira.
Artur Nogueira morreu em cinco de agosto de 1924, aos 63 anos, e ainda como gerente da Usina Ester.
Cabreira