A informação mais antiga sobre a cidade de nascimento é de Gama (2000, p.44): a primeira edição deste livro de Ramiro Gama foi em 1955.
João Cândido Xavier, de formação católica e da cidade de Santa Luzia do Rio das Velhas, casou duas vezes (primeira mulher, Maria João de Deus; segunda mulher, Cidália Batista Xavier).
Com as duas esposas, João Cândido foi pai de quinze filhos nativivos. Do casamento com Maria João de Deus nasceram: Maria Cândida Xavier (Bita), Maria Luiza Xavier, Maria de Lurdes Xavier, Carmozina Xavier (Zina), José Cândido Xavier, Maria da Conceição Xavier (Tiquinha), Francisco de Paula Cândido (Chico Xavier), Raimundo Cândido Xavier (Mundico) e Geralda Xavier. Do casamento com Cidália Batista Xavier nasceram: André Luiz Xavier, Lucília Xavier, Neusa Xavier, Cidália Xavier (Dália), Doralice Xavier (Dóris ou Dorinha), João Cândido Xavier Filho (Joãozinho).
Ex-operário de ferrovia e de fábrica de tecidos, vendedor de bilhetes de loteria, João Cândido chegou a possuir, por seis meses, um pequeno armazém (naquele tempo denominado venda) num local chamado Lapinha da Serra para onde levou toda a família. Nesses seis meses com a família fora de Pedro Leopoldo, João Cândido foi festeiro do mês de Maria. (RANIERI, 1978)
Para Jorge (1972), em 1910 João Cândido já havia sido demitido da Fábrica de Tecidos, tornando-se vendedor de bilhetes de loterias; em Harley (2010), a sua demissão deu-se por volta de 1925.
João Cândido foi operário da Fábrica de Tecidos da Vida Marzagão, em Sabará – Minas Gerais, e, também, da Companhia Fabril da Cachoeira Grande (a Fábrica de Tecidos de Pedro Leopoldo): a inauguração da Fábrica de Pedro Leopoldo, localizada às margens do Ribeirão da Mata, foi em 13 de março de 1896.
Antes da Fábrica de Tecidos de Pedro Leopoldo, na região da Fazenda da Cachoeira Grande, foi inaugurada a Estação Ferroviária da Estrada de Ferro Central do Brasil, em 17 de junho de 1895,.
João Cândido esteve operário na construção da Estação Ferroviária, tanto da Vila Marzagão quanto na de Pedro Leopoldo; portanto, foi também ferroviário. Esta afirmação decorre das palavras do próprio Chico Xavier, em discurso proferido em 19 de fevereiro de 1972: "meu pai, João Cândido Xavier, [...] esteve durante um mês na antiga Vila de São Sebastião do Ribeiro Preto, no ano de 1894 [...], acompanhando como ferroviário humilde alguns engenheiros que se dedicavam a estudos da estação da Mogiana, trazida para Ribeirão Preto em 1883. [...Era zelador dos] pertences de funcionários categorizados da Estrada de Ferro Central do Brasil, da qual foi ele pequenino servidor durante alguns meses no ano referido." (HARLEY, 2010, p.69)
Sob a responsabilidade de Maria João de Deus, o casal organizou ou pensou em organizar a abertura de uma tinturaria: não há registros ou indícios de que tal tinturaria tenha sido aberta ou funcionado em Santa Luzia ou em Pedro Leopoldo.
O comendador Antônio Alves da Silva, um dos fundadores de Pedro Leopoldo, doou ao casal Xavier "uma pequena taba". (HARLEY, 2010, ps.69-70) A "pequena taba" ficava na Rua Quebra-Nariz (posteriormente, e sob a indicação de João Cândido, passou a denominar-se Rua de São Sebastião).
João Cândido foi um homem em busca do próprio caminho, em várias direções: não há registros sobre a sua inserção no mundo das letras; possivelmente não frequentou sequer o ensino fundamental.
Um iletrado, um operário, um vendeiro, um tintureiro, um ambulante com curso superior no mundo do trabalho: talvez por isso e posteriormente não compreendia o universo cultural do seu filho Chico.
Absolutamente estranho ao mundo cultural e religioso de um filho, João Cândido saiu da terra natal, morou em vários endereços ao longo da vida, esteve em várias ocupações buscando o próprio sustento e o da família, cujas mãos seguravam o lápis apenas para cumprir tarefas específicas do seu trabalho.
As lembranças de Chico Xavier esclarecem alguns pontos sobre João Cândido Xavier:
- em 1894 foi, por alguns meses, zelador de pertences de funcionários da Estrada de Ferro Central do Brasil, vinculados a futura estação de Pedro Leopoldo (inaugurada em junho de 1895). A estação ferroviária de Marzagão foi inaugurada em 1902; em meados de 1950 denominou-se estação Carvalho Brito e foi demolida em 1980.
- de junho de 1895 ao final de fevereiro de 1896 trabalhou na estação ferroviária de Pedro Leopoldo.
- trabalhou na Fábrica de Marzagão até o final de 1897;
- na Fábrica de Tecidos de Pedro Leopoldo iniciou seu trabalho em março de 1898, como chefe do turno da noite.
- provavelmente, exercia as duas ocupações paralelas em Pedro Leopoldo: ferroviário durante o dia e operário da Fábrica de Tecidos a noite.
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Fotografias existem de João Cândido Xavier com idade avançada, revelando a figura simples e bem cuidada de um homem do interior mineiro, no final do século XIX: chapéu, o indispensável paletó, às vezes uma gravata borboleta ou um colete, barba feita, olhar penetrante, sóbrio e severo.
De Chico Xavier vem a informação sobre traços da personalidade de João Cândido Xavier: "meu pai era um homem muito severo, convivi pouco com ele, mas ele me marcou muito. [...] Tínhamos muito medo do meu pai. A gente andava miudinho. [...] Ele me combatia, mas, por outro lado, não me consentia a irresponsabilidade; ele não ia ao centro, mas queria saber se eu tinha ido.... Apenas nos seus últimos tempos é que houve uma maior aproximação entre nós. Ele não dizia, no entanto eu lia nos olhos dele o seu desejo de se desculpar comigo"... (BACCELLI, 2001, p.88)
Uma informação historicamente relevante foi dada por Chico Xavier: aos cinco anos de idade "meu pai não vivia em casa" e este foi o motivo porque Maria João de Deus, às vésperas da própria morte, entregou seis dos seus nove filhos a amigas. (BACCELLI, 2001, p.106)
Os seis filhos entregues, na época ainda solteiros, obviamente eram os menores. Dos três outros filhos, todas mulheres, duas estavam casadas em 1915 (Maria Cândida Xavier e Maria Luiza Xavier) e Geralda Xavier era a menor.
Alguns registros biográficos e relatos de Chico Xavier fornecem a preocupação de João de Cândido Xavier com o sustento da família e a incógnita sobre a significação da vida mediúnica de seu filho:
-após a morte de sua segunda esposa surgiu-lhe uma situação grave de reumatismo; em 1939, João Cândido não tinha dinheiro para comprar as "injeções de ouro" indicadas pelo médico; perguntou ao filho médium porque não receber um livro dos espíritos e adquirir dinheiro suficiente para o seu tratamento e para o bem-estar econômico da família. Pela negação serena do filho, decepção e incompreensão foram as respostas do pai. (GOMES, 2010)
-com impostos da casa atrasados, o pai reuniu toda a família e expôs a situação aflitiva: não tinham recursos para saldar a dívida; Chico, nessa época, recebeu uma pequena fortuna do imigrante tcheco de origem judaica Frederico Figner (1866-1947), em forma de cheque. Devolveu o cheque pelo correio, o cheque retornou; até que entregou-o à Federação Espírita Brasileira, recusando-se a aceitar aquele dinheiro. O pai, diante do ato do filho, resolveu sair de casa e entregar a responsabilidade aos filhos, afirmando sua incompreensão sobre tanta necessidade e a absoluta recusa de Chico a receber qualquer quantia de dinheiro. (RANIERI, s/d)
-perante a multidão de gentes procurando o jovem filho, porque não construir um galinheiro, pedir a cada um para levar uma galinha? Se assim fosse feito, ovos e carnes seriam vendidos, além de proverem o sustento da pobre família Xavier. (RANIERI, 2003)
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Um traço de personalidade marcante de João Cândido Xavier é o respeito silencioso e para ele incompreensível da personalidade de seu filho Francisco Cândido Xavier.
Com tantas necessidades materiais e família extensa, o pai não compreendia a vocação literária para o livro espírita do jovem Chico e muito menos o Mandato Mediúnico do homem Chico Xavier: não frequentava o "Centro do Chico", o Luís Gonzaga, mas permitia a frequência dos filhos às reuniões e exigia de Chico o cumprimento das responsabilidades espíritas assumidas com o povo e com os espíritos. (BACCELLI, 2001, p.88)
A amizade entre pai e filho, o sentimento de saudade pela desencarnação do pai, a contrariedade imensa de João Cândido sobre as informações espíritas do filho vem expressas pelo próprio Chico: "conquanto meu pai fosse para mim o meu melhor amigo e cuja memória tendo ainda no coração como sendo o melhor companheiro dos meus dias, ele não se conformava com a minha condição de criatura que vivia em dois mundos, de modo que meu pai se contrariava muitíssimo com as informações e com as visões que eu dava notícia, e procurava obstar por todos os meios, o meu desenvolvimento no campo que nós, em Pedro Leopoldo, uma cidade interiorana, naquele tempo ainda no início, plenamente desconhecíamos." (XAVIER, DIVERSOS e ARANTES, 1982, p.65)
Baccelli (2001, p.88) registra a afirmação de Chico Xavier: "Apenas nos seus últimos tempos é que houve uma maior aproximação entre nós. Ele não dizia, no entanto eu lia nos olhos dele o seu desejo de se desculpar comigo... Nunca tivemos a conversa que, com certeza, um dia ainda haveremos de ter!..."
O respeito silencioso e incompreensível do pai com relação ao filho, desvelado ao longo de seus 92 anos, vem explícito no dia 4 de dezembro de 1960 – dois dias antes do seu falecimento; ele vê o espírito de Maria João de Deus ao redor de sua cama e diz ao homem Chico Xavier (então com 50 anos de idade): "Agora meu filho compreendo a verdade de tudo quanto você me disse sempre... A gente poderia ter conversado tanto sobre isso!... Mas agora é tarde demais!" (BACCELLI, 2010, p.89)
João Cândido Xavier pertencia ao universo espiritual de Maria João de Deus sem, no entanto, compreender integralmente, na posição atual de homem-pai-esposo, o universo espiritual do seu filho Chico Xavier.
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REFERÊNCIAS
BACCELLI, Carlos A. O Evangelho de Chico Xavier. 3. ed. Votuporanga: Didier, 2001
BACCELLI, Carlos A. 100 anos de Chico Xavier: fenômeno humano e mediúnico. Uberaba: LEEP. 2010
GOMES, Saulo. Pinga-Fogo com Chico Xavier. Catanduva: InterVidas. 2010
HARLEY, Jhon. O Vôo da garça: Chico Xavier em Pedro Leopoldo 1910 – 1959. Belo Horizonte: Vinha de Luz. 2010
JORGE, Fred. Chico Xavier: sua verdadeira história. São Paulo: Saber. 1972
GAMA, Ramiro. Lindos casos de Chico Xavier. 19. ed. São Paulo. LAKE. 2000
RANIERI, Rafael Américo. Recordações de Chico Xavier. 5. ed. Guaratinguetá: Fraternidade. 2003
XAVIER, Francisco Cândido; Espíritos diversos; ARANTES, Hércio Marcos C. Encontros no tempo. 3. ed. Araras: Ide. 1982