12) O ano mais feliz da minha vida
O ano 2001 foi o mais feliz da minha vida. Como já contei, eu havia sofrido demais no período da faculdade. Eram muitas adversidades: o curso que eu não gostava, extremamente difícil e em período integral; a dificuldade financeira da minha família; os problemas de relacionamento com amigos e familiares; e as minhas incômodas insatisfações pessoais.
Desde meados da década de 1980, eu pertencia ao Grupo 2001 na Gakkai, a atual Divisão do Futuro e da Esperança, composto por estudantes de 6 a 13 anos. Éramos incentivados a acalentar o ano 2001 como um grande objetivo a ser alcançado. Deveríamos lançar nossas metas pessoais, imaginar como estaríamos neste ano. Rapidamente fiz as contas e vi que em 2001, se tudo corresse bem, eu estaria formado na faculdade. E foi o que aconteceu. Então, finalmente havia chegado aquele ano tão aguardado.
Ultrapassadas com muito custo todas as dificuldades que me assolaram durante a graduação, e mesmo tendo sido reprovado em três disciplinas, consegui me formar aos 20 anos de idade, no período regular do curso de quatro anos. Os eventos da formatura (colação de grau, jantar, baile, cerimônia religiosa) aconteceram no mês de janeiro de 2001 e foram muito emocionantes. Representaram muito para mim e para minha família. Fui o primeiro graduado em minha família, de origem tão humilde. E a vitória se torna ainda maior ao se considerar que cursei uma excelente universidade estadual.
Como eu não queria trabalhar na área em que estudei, foi difícil encontrar um emprego. Fiquei dois meses procurando na minha cidade mesmo – S.J.Rio Preto. No final de fevereiro, recebi o telefonema de uma empresa de consultoria de São Carlos, em que um colega de faculdade estava trabalhando. Ele havia me indicado.
Fiquei super interessado na vaga e eles queriam que eu fosse imediatamente para São Carlos fazer a entrevista. Era uma quinta-feira. Respondi ao telefone que infelizmente eu não poderia, pois viajaria dentro de algumas horas para São Paulo, para participar de um Curso de Aprimoramento da BSGI e só retornaria na segunda-feira. Eles aceitaram me esperar e na volta de São Paulo, parei em São Carlos para a entrevista. Cheguei à empresa no final do expediente, pouco antes das 18h.
Somente na entrevista entreguei o meu currículo. Os entrevistadores quiseram saber como foi o curso. Não tinha como contar sobre a parte de estudo de budismo e dos incentivos recebidos dos líderes, porém pude sim enfatizar a parte cultural e os objetivos da ONG. Falei da peça de teatro “O avarento” a que assistimos, da palestra proferida pelo poeta amazonense Thiago de Mello, das instalações e funcionamento do Centro Cultural Campestre e das dinâmicas de grupo em que participamos. Eu estava com a bagagem de energia vital revigorada e eles perceberam isso claramente. Ouviam atentamente e ao final perguntaram: “por que você não colocou tudo isso no currículo?”
Deram-me a resposta da minha admissão na própria entrevista. Só depois de algum tempo que trabalhava lá é que percebi que o meu caso foi diferente. Em todos os outros, eles primeiro solicitavam o currículo, mesmo sendo caso de indicação pessoal, depois faziam várias entrevistas. Em seguida, se reuniam para discutir o perfil do candidato. E muitos dias depois entravam em contato para comunicar a admissão.
Trabalhei nesta empresa como analista de sistemas para gestão de agronegócios durante quase dois anos. Foi minha primeira experiência profissional formal. O trabalho era desafiador mas empolgante. Não havia rotina; a cada dia, surgia uma situação nova. Fazíamos muitas viagens para visitar os clientes da consultoria – usinas de açúcar e álcool, localizados no interior de São Paulo, Goiás e até no Maranhão.
Eu gostava do trabalho, apesar de ser com computação. Percebi que na prática, as coisas são diferentes, mais instigantes. A faculdade é um período de treinamento mesmo.
Foi por esta empresa que fiz minha primeira viagem de avião, para a cidade de Imperatriz, no Maranhão. Trabalhar com roupa social, usando uma pasta de couro de consultor, participar de reuniões com gerentes e diretores das usinas, ministrar treinamento para os funcionários – eram atividades muito diferentes do meu mundo de origem e que me fizeram crescer muito.
Também naquele ano tive a oportunidade de participar da Expo Management, no Transamérica Expo Center, em São Paulo, um evento internacional considerado como o maior encontro de executivos do mundo.
Comecei trabalhar em São Carlos no dia 8 de março de 2001. Tive a sorte de conseguir alugar uma kitinet muito próxima à empresa. Não tinha nada. Aos poucos fui comprando tudo e levando meus pertences de Rio Preto. Era um local muito pequeno e simples, mas fui muito feliz ali. Era a minha casa. Finalmente, eu tinha um quarto com uma janela que dava para fora da casa, ou seja, que permitia a entrada de sol e ar puro.
Não é exagero dizer que este foi o ano mais feliz da minha vida. Eu me lembro bem que a cada dia, eu acordava feliz por saber que tinha um bom trabalho. O salário era para mim uma fortuna! Eu conseguia poupar a cada mês quase um terço do que eu ganhava, mesmo comprando tudo que eu tinha vontade. Ah, como me lembrei das minhas épocas de privações, em que passei tanta vontade de comer algumas coisas que custavam muito caro...
Eu me sentia feliz, potente, dono da minha própria vida. Estava satisfeito em não precisar mais depender da minha família. Mantinha sempre a gratidão por tudo que fizeram por mim para que eu chegasse até ali.
Lembro-me claramente que esse sentimento de satisfação durou um ano. E quando estamos bem, mesmo que os problemas continuem surgindo, a gente nem liga. Felizes, somos mais fortes que quaisquer dificuldades. Dava saudade da minha família. Eu me cansava muito pelas viagens a trabalho. Eu tinha sim que fazer coisas que eu não gostava. Mas nada disso me incomodava. Eu sabia que tudo fazia parte daquela vitória que eu estava desfrutando.
E a satisfação atrai mais alegrias ainda. Foi neste ano de 2001 que consegui comprar meu carro zero. Quando tirei minha carteira de habilitação aos 18 anos, minha família tinha um Fietão, um Fiat 147 ultra velho. Mais falhava do que funcionava. A cada problema que dava, prometia a mim mesmo que um dia, mesmo que demorasse 30 anos, eu teria um carro zero. Queria apenas conforto. Tal dia chegou muito antes do que imaginei: apenas 3 anos depois, aos 21, eu já estava dirigindo meu Clio zero.
Em toda a minha vida, eu nunca deixei de estudar com afinco. E nisso, aquele ano também não poderia ter sido diferente. Já graduado e antes de ingressar no mestrado, procurei um curso de curta duração e fiz “Economia, Finanças e Marketing para Empresas” na USP.
Na parte afetiva, meu ano 2001 também foi completo. Eu namorava uma garota super meiga, carinhosa, inteligente, esforçada, fiel, bonita e de uma família que gostava de mim. A minha família também gostava dela. Ela morava numa cidade a 150 km de São Carlos. Era um namoro perfeitinho.
Na Gakkai, fui muito bem recebido pelos companheiros do então Distrito São Carlos, formado por duas comunidades. Eu fui “acolhido” por eles, ganhei várias famílias que gentilmente me tratavam como um filho de verdade. Participava até das festas de família, de passeios, de viagens.
Ao chegar, rapidamente fui nomeado responsável de bloco e um mês depois, responsável de comunidade da organização fundada naquele ano: a Comunidade 3 de Maio. Lutei com muita gratidão junto de companheiros muito valorosos. Naquele ano, concretizamos 14 Chakubuku na comunidade. Depois de um ano, a Comunidade 3 de Maio já se dividia, dando origem à Comunidade Azulville.
Como pude relembrar aqui, é mais do que certo que o ano 2001 foi um ano muito especial na minha vida, em todos os aspectos. Foi um ano que simbolizou a conquista e o ponto de chegada de tudo que fiz até então e ao mesmo tempo uma nova grande partida rumo aos novos desafios dos anos seguintes.