História inacabada.

Ela nasceu em Vicentinópolis, interior de Goiás e lá viveu pouco tempo. Alguns membros da família diz que foram três dias, outros três meses. O certo é que ela só voltou lá 35 anos depois.

Sua mãe tinha então 15 anos e não se sabe se foi devido a uma depressão pós-parto ou pela ausência do pai no dia do nascimento, mas o fato é que logo que ela nasceu sua mãe a rejeitou ao ponto de oferecer a menina para o casal, donos do açougue da cidade, pois eles quase idosos, não conseguiam ter filhos. Foi resgatada dos braços do açougueiro pelo avô paterno e após o fracasso do casamento dos seus pais, três meses após ter nascido, foi criada como filha legítima dos avós maternos até os dez anos de idade. Por ter sido o primeiro membro da família, filha de pais separados, foi mimada por tios e tias e até hoje acredita que detém o posto de “Queridinha da família”.

A mãe teve dois relacionamentos que também fracassaram, mas não sem antes produzir dois filhos. O segundo da linhagem foi adotado por uma tia que havia perdido um filho da mesma idade, o terceiro ficou com o pai. Depois do terceiro erro, a mãe sumiu no mundo ficando quase 6 anos sem dar notícias, e quando retornou informou a família que havia se casado e morava em outro estado.

O primeiro filho do casal, uma menina que a família não chegou a conhecer, morreu devido a tétano umbilical, sete dias após o nascimento. A mãe reapareceu se dizendo deprimida e evocando sua autoridade maternal para levar para junto dela a menina que havia abandonado, no intuito de curar suas feridas. E assim sem aviso ela foi roubada dos braços da mãe-avó e transferida para uma terra de estranhos, sem nenhuma referência, longe de tudo que era conhecido e de repente se viu só, sem família e amigos e com uma completa estranha que exigia um amor que ela não se esforçava em conquistar pois o julgava natural, consanguíneo.

E enquanto ela exigia o posto de mãe, sem se preocupar com o bem-estar da filha, distante em outro estado a dona deste amor filial sofria a ausência da filha-neta e diante dos braços vazios sem seu “bebê” para acalentar, a pequena senhora, ia aos poucos desistindo da vida e sem cerimônia gritava aos prantos a falta da sua menina, até o dia em que a morte a resgatou desse sofrimento.

No outro estado a criança roubada, impotente em sua juventude, chorava a orfandade de uma mãe viva, e da sua amada mãe-avó, que ela sabia nunca seria substituída.

E assim cresceu a menina, descrente no amor, órfã de uma mãe viva, tendo que aprender a ser forte e esconder os sentimentos.

Não acreditava em casamento e enquanto as amiguinhas sonhavam com o marido perfeito, ela se esforçava em estudar (era a melhor aluna), sonhava em trabalhar, construir um lar, para que pudesse adotar duas lindas meninas e para elas ser a melhor mãe do mundo.

O tempo foi passando e ela cresceu.

Beijou e se apaixonou pelo vizinho aos treze anos. Mas foi com o primo, que cresceu junto, que conheceu o amor e o sexo aos quatorze anos.

Aos dezesseis, se apaixonou novamente e contrariando todos seus planos, se casou vestida de noiva acreditando que era pra sempre.

Essa união foi plena de felicidade por oito anos e a presenteou com seus dois bens mais preciosos: suas duas lindas filhas.

Mas o destino, ela descobriu, é um ladrão da felicidade. Seu casamento, a despeito de todos os seus esforços, terminou algum tempo depois. Ela sofreu um acidente que quase roubou-lhe a vida, e indiretamente foi o responsável por separá-la, fisicamente, de suas meninas.

Na tentativa de reconstruir sua vida, tornou-se uma profissional competente, e encontrou em sua jornada alguém que ela julgava merecedor do seu amor. Foram mais dez anos de um convívio, nem sempre feliz, mas tinha lá suas compensações. Compensações que ultimamente forma substituída por desgostos e infelicidade.

E agora, a mulher que um dia foi menina, que sofreu, aprendeu a ser forte, se levantar depois da queda, esconder os sentimentos, mas que não se deixou endurecer, está aqui diante de uma página em branco, decidindo qual o melhor rumo pra sua história: ficar ou partir.

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Continua...