BIOGRAFIA --- ARTHUR C...CONAN DOYLE.

Biografia

Sir Arthur Conan Doyle

Tirado do Livro A Nova Revelação

Fascinante, por muitos aspectos, a personalidade de Sir Arthur Conan Doyle, o famoso romancista, criador de Sherlock Holmes, há de sempre justificar comentários e considerações elevadas. Ele foi, sem exagero, um grande homem - pelo ca¬ráter, pelo talento, pela imaginação e pelo físico, enfim, um grande homem integral.

Nascido aos 22 de maio de 1859, em Picardy Place, Edim¬burgo, capital da Escócia, de descendência nobre, Arthur Co¬nan Doyle desencarnou precisamente a 7 de julho de 1930. Embora os foros de nobreza, sua família não era abastada, tanto que ele teve de enfrentar enormes dificuldades para estudar e formar-se em Medicina. Seu pai chamou-se Charles Altamont Doyle, e sua mãe, Mary Foley. Ambos católicos severos, sendo que alguns membros da família se extremavam num fanatismo tremendo. Mais adiante teremos ocasião de demonstrar a ati¬tude firme e digna de Conan Doyle em face do pétreo secta¬rismo de seus parentes. Foi-lhe dado o nome de Arthur em homenagem a um tio materno - Arthur Conan Doyle, crítico de arte do Art Journal, célebre pela segurança, profundi¬dade e rijeza de seus comentários.

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Sua mãe foi uma mulher verdadeiramente excepcional, quer pela pureza do caráter, como pela franqueza das atitudes e também pelo respeito que devotava ao ser humano. Conan Doyle foi o ídolo do seu coração. Ambos se amavam enternecida¬mente e se compreendiam melhor, talvez em virtude da afinidade moral entre eles existente.

Não pretendemos descer a pormenores a respeito da edu¬cação recebida por Conan Doyle.

Será suficiente esclarecer que Mary Doyle deu de si o melhor que pode para plasmar a vigorosa personalidade de seu ilustre filho. De como ele correspondeu aos esforços maternos, di-lo a História. Essa mulher admirável transmitiu-lhe estas má¬ximas: Sem temor diante dos fortes e humilde diante dos fracos. Detestava as atitudes de esnobismo, as superfluidades comuns aos descendentes de nobres, mas cultivava com religio¬so respeito às tradições da família. Ela ensinou Conan Doyle, desde menino, a demonstrar sempre cavalheirismo para com todas as mulheres, de alta ou de baixa condição. Podemos dizer que Arthur foi o retrato moral de sua extraordinária geni¬tora. Dela herdou todas as virtudes, assim como a energia, o amor ao trabalho, o destemor nos momentos difíceis ou peri¬gosos, a coragem de dizer o que sentia, fosse qual fosse à situação; a facilidade em se colocar na defesa dos fracos, bem como o respeito indeclinável a seus pontos de vista, enquanto seus argumentos não fossem abalados.

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Nascido, como dissemos, em ambiente rigorosamente cató¬lico, Conan Doyle foi aluno de padres jesuítas, em Stonyhurst, Lancashire, para onde foi depois de se haver preparado no colégio de Hodder House. Ali, teve por à prova a sua personalidade em formação, sustentando opiniões diver¬gentes das dos padres, mesmo quando isto lhe custasse puni¬ções severas. E não se abatia depois dos castigos, olhando de frente aqueles que o puniam por não lhe obterem a passiva anuência. Intimamente, porém, seus professores o admiravam, respeitando-lhe o talento. O famoso escritor inglês Thomas Ba¬bington Macaulay merecera a sua predileção. Conan Doyle se deleitava com suas obras e um dia compreendeu que Macaulay, embora de forma cavalheiresca, não acreditava muito no Papa. Sua condição de católico e admirador de Macaulay lhe impôs o dever de descobrir de que lado estava à razão, até que um dia ouviu um padre irlandês afirmar em público que todo aquele que não era católico iria para o inferno. Aí, nesse pormenor aparentemente insignificante, estava o ponto inicial da sua futu¬ra atitude de abandonar a religião tradicional da família. Conan Doyle ainda não havia pensado nessa situação delicada, que, segundo o padre, conferia um privilégio especial aos católicos. Estava certo, porém, de que a afirmativa do sacerdote continha um erro essencial. Lembrou-se, então, de que sua mãe, há um tempo severa e romântica, considerava banais as asseverações fraudescas desse quilate, dizendo-lhe:

- Usa sempre roupas internas de flanela, querido filho, e jamais acredites no castigo eterno.

Semelhante frase, dita por uma senhora austera, católica e altamente equilibrada, denotava que sua inteligência esclare¬cida não se amoldara a conceitos sectários e irracionais, porque ela também não renunciava às suas opiniões, uma vez con¬vencida de que estava certa.

Mais tarde, Conan Doyle entrou em contacto com velho amigo da família, o Dr. Bryan Charles Waller, sábio, bondoso, agnóstico em matéria de religião e igualmente positivo em seus argumentos.

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O Dr. Bryan Charles Waller exerceu, durante muitos anos, forte influencia na vida intelectual de Conan Doyle, despertan¬do-lhe o espírito para problemas profundos, que, afinal, lhe per¬mitiram desvencilhar-se de vacilações oriundas do colégio de jesuítas, onde estudara. Entretanto, Waller Scott e Macaulay foram os autores que mais participação tiveram nos gostos e preferências de Conan Doyle, chegando mesmo a determinar sua inclinação literária. Mais tarde, Conan Doyle viria a declarar que Edgar Allan Poe, tanto quanto aqueles acentuara a tendência que tomaria dentro da literatura. O primeiro conto de Poe - O Escaravelho Dourado - foi lido por ele com grande sofreguidão.

Defesa da vida interior

Em 1878, Arthur Conan Doyle recebeu uma carta do Doutor Waller, na qual havia este trecho: Esta vida interior viril é o que a Teologia quer destruir, fazendo-nos crer que somos vis, pecaminosos e degradados, o que é uma falsidade pestilenta e corta cerce o melhor que há dentro de nós, pois, se tira o respeito que o homem deve a si mesmo, faz-se muito para transformá-lo num magarefe e num malvado. E acrescentou, incisivamente: Fazer é uma palavra melhor do que crer, e ação é uma ordem mais segura que fé. Pode-se perceber, portanto, o vigoroso instinto anticlerical do Dr. Waller, que, assim, ia demolindo os já frágeis pontos de contacto de Conan Doyle com o Catolicismo.

Nesse ano, Arthur, aproveitando as férias escolares, em¬pregou-se como aprendiz de médico num dispensário dos mais pobres bairros de Sheffield. A princípio, nada ganhava, trabalhando por casa e comida. Isto já representava alguma coisa, porque aliviava os encargos da sua valorosa mãe. Essa experiência durou apenas três semanas, porque ele não possuía sufi¬ciente prática, ou não podia, então, atender às exigências do Dr. Richardson. A verdade era também que os clientes, vendo Conan Doyle tão jovem, não confiavam muito nas suas aptidões para a Medicina. Mais tarde ele comentaria o fato, ao escre¬ver para casa: Esta gente de Sheffield preferiria ser envenena¬da por um homem com barba do que ser salva por um homem imberbe.

Trabalho vão

Sem nenhuma ocupação, Conan Doyle tinha ainda de espe¬rar meses para iniciar o curso de outono da Universidade de Edimburgo. Que fazer durante esse tempo? Resolveu seguir para Londres, para tentar trabalha, e por meio da imprensa médica ofereceu seus serviços. Hospedou-se em casa de seu tia Henry, em Clifton Gardens, onde foi recebido com satisfação. Enquanto não arranjava nada, estudava pela manhã, e à tarde passeava pelas ruas. Mas as coisas não podiam continuar assim. Sem esperança de se empregar em terra, Conan Doyle decidiu entrar para a Marinha, coma ajudante de cirurgião. Nesse ínte¬rim, recebeu uma carta do Dr. Elliot, do povoado de Ruyton, em Shropshire, informando que aceitava seus serviços. Esse Dr. Elliot, porém, não tinha um caráter muito firme e se enrai¬vecia com facilidade. Um dia, zangou-se porque Conan Doyle ponderou que a pena de morte devia ser suprimida. Não tolero que semelhante opinião seja dita em minha casa, entende, senhor? - esbravejou ele, dirigindo-se a Conan Doyle. Sem se alterar, este lhe respondeu na mesma hora: Senhor, cos¬tumo expender minhas opiniões onde e quando queira.

Não tardou, assim, que Arthur voltasse ao colégio, em fins de outubro. Trabalhara de graça para o Dr. Elliot, mesma por¬que não havia sido combinada nenhuma remuneração pelos meses de trabalho que ali tivera. Mas, intimamente, confiava em que o Dr. Elliot lhe desse alguma coisa. Não veio nada. Então, Conan Doyle perguntou-lhe se lhe poderia pagar a via¬gem de volta e teve esta resposta, que define o perfil do Doutor Elliot: - Meu amigo, a lei é assim. Se um assistente tem ordenado combinado, é pessoa reconhecida e com direito a reclamar que suas despesas sejam pagas. Caso contrário, trans¬forma-se num cidadão que viaja para instruir-se. Por conse¬guinte, nada tem a receber...

Convencido de que não dava resultado ser ajudante de médico, pelos calotes que sofria, Conan Doyle voltou a Edim¬burgo, onde, por força das circunstancia, foi ser assistente de um Dr. Reginald Tatcliffe Hoare, de Clifton House, em Birming¬ham, que, como médico dos pobres, ganhava muito dinheiro. Nessa época escreveu mais três contos: O mistério do Vale , A granja encantada de Goresthorpe e 0 conto do Americano.

Estava pensando em ser médico de um navio sul-americano, quando seu amigo Claude Augustus Currie, estando impossibili¬tado de viajar, lhe ofereceu seu camarote e sua função. Iria como cirurgião nominal, ganhando ao todo cinqüenta libras, e estaria durante sete meses percorrendo o Oceano Ártico.

Na baleeira Hope

Em fevereiro de 1880, lá se foi ele na baleeira Hope, deixando o porto de Peterhead no fim desse mês. Improvisaram uma luta de boxe e ele derrotou o mordomo do navio, logo na primeira noite, ganhando prestígio a bordo. O encontro de manadas de focas foi também motivo de alegria para Conan Doyle, que, assim, se refazia das muitas decepções que havia tido em terra. Em setembro de 1881, deixou o navio e regressou a Edimburgo, com a sua estatura completamente desenvolvida.

Diplomado

Nesse mesmo ano de 1881, Arthur Conan Doyle recebeu diploma de médico e durante algum tempo voltou a ser assistente do Dr. Hoare. Vários fatos ocorreram, ameaçando a sua tran¬qüilidade profissional, até que conseguiu realizar seu desejo de fazer nova viagem marítima. Lá se foi ele no navio Mayumba, a caminho da costa ocidental da África. Sua mãe o animava. Um ou dois anos de viagem lhe permitiriam arranjar dinheiro suficiente para instalar um consultório por conta própria. Em outubro desse ano, porém, o navio foi acossado par tremenda tempestade, depois de Tuskar Light. E todos viram um médico gigante permanecer destemerosamente metade da noite sobre o tombadilho lavado pelas águas. Foi essa uma de suas últimas noites de satisfação a bordo, nessa viagem acidentada à Costa do Ouro. Em janeiro de 1882, o Mayumba atracava de novo em Liverpaol. Sentou-se Arthur numa sala onde exalava insu¬portável fétido de madeiras e metais queimados, e escreveu à sua sempre lembrada mãe uma carta, de onde destacamos estas linhas: Escrevo-lhe para dizer que cheguei são e salvo, depois de haver apanhado a febre africana e quase ter sido devorado por um tubarão. Como cena final, o Mayumba se incendiou entre a ilha da Madeira e a Inglaterra. Não penso voltar à África. O que ganho é menos do que poderia ganhar com a minha pena ao mesmo tempo, e o clima é atroz. Espero que não se decepcione por eu haver abandonado o navio, mas isto não é suficiente. Eu seria capaz de fazer qualquer coisa para não decepcioná-la ou causar-lhe desgosto. Podemos conversar a esse respeito. Conversaram e tudo se acomodou. Nessa ocasião, chegou uma carta da tia Anette, chamando-o a Lon¬dres, a fim de falar-lhe de suas probabilidades para o futuro.

Choque inevitável

Foi essa a primeira vez que Arthur Conan Doyle defrontou a primeira crise real de sua existência. Seus parentes cató¬licos poderiam influir muita na sua vida futura. Mas ele fiel à sua maneira de sentir, respondeu à tia Anette, dizendo que era agnóstico e que, diante disto, seria falta de honestidade de sua parte discutir o assunto com eles. Sua mãe, que daria tudo para ver o filho triunfante, deixou que ele fizesse a que pensava e guardou silencio.

Não tardou que chegasse a resposta da tia Anette, insis¬tindo para que ele, mesmo assim, fosse a Londres.

E para lá partiu o jovem o voluntarioso Arthur Conan Doyle.

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Arthur Conan Doyle chegou à casa dos tios disposto a manter sua opinião, mas desejoso de evitar uma ruptura. Pas¬seou os, olhos pela sala de jantar da casa de Cambridge Terrace. Lá estava a grande mesa, em volta da qual já haviam sentado homens preeminentes, como Walter Scott, Disraeli, Thackeray, Coleridge, Wordsworth, Rossetti, Lever e muitos outros, todos eles amigos de seu tio John e que representavam o mundo literário que tanto atraia o jovem Arthur. Intimamente, não de¬sejava crer que seus parentes se aborrecessem tanto por sim¬ples questão religiosa. Mas era justamente neste ponto que ele se enganava. Para seus tios, já envelhecidos, superiores e sem descend8ncia, a única coisa que importava no mundo era a Igreja Católica. Seus antepassados tudo haviam dado por ela e para ela. Os bens materiais eram efêmeros; só a fé era real. No entanto, esse jovem Arthur, para quem eles haviam sido tão bondosos, estava pondo a própria alma em perigo, por causa de um perverso capricho:'

Iniciado o conselho de família, Conan Doyle foi franco: - Se eu exercesse minha profissão como médico católico, teria que receber dinheiro e declarar que acredito em algo em que realmente não creio. Vocês todos teriam o direito de me considerar o maior canalha do mundo, se o fizesse. Vocês não procederiam assim, não é certo?

O tio Dick, que ele conhecera tão sereno, estava furioso, e retrucou:

- Mas nós estamos falando da Igreja Católica. E isso é diferente.

- Eu sei. Mas em que sentido é diferente, tio Dick? - Porque aquilo em que acreditamos é verdadeiro.

A fria simplicidade desta observação chocou-se com o 9nimo de Conan Doyle, quando seu tio acrescentou: .

- Se somente possuísses fé...

O rapaz, com a firmeza que lhe era habitual, contestou: - Sim, é isso o que todos me dizem. Falam de ter fé como se fosse possível obter por um ato voluntário. Poderiam pedir-me também que tenha cabelos negros em vez de casta¬nhos. A razão é a mais alta faculdade que a criatura humana possui. Temos de fazer uso dela.

Esta resposta de Conan Doyle não abalou os tios. E o de nome James indagou:

- Que te diz a razão?

- Diz-me que todos os males da religião, dezenas de religiões destroçando-se umas às outras, provém de serem aceitas coisas que não podem ser provadas. Dizem-me que esse Cristia¬nismo de vocês contém muitas coisas nobres e magníficas, misturadas com uma quantidade de absurdos e (utilidades sem¬-nome. Dizem-me...

Estava concluída a entrevista.

Ao deixar aquela casa, Arthur Conan Doyle sabia que uma porta se havia fechado para ele definitivamente. Ainda que os céus desabassem, jamais recorreria a esses tios - pensou com os seus botões. Um sobrinho a quem tantas vezes haviam agasalhado passou a ser um estranho. Alguém poderia dizer que ele pusera fora a grande oportunidade de sua vida. Mas Arthur Conan Doyle possuía excelente formação moral, tinha um caráter rijo, modelado por uma mãe excepcional. Por isto, reafirmou suas opiniões religiosas e jurou que jamais aceitaria algo que não pudesse comprovar.

Tentando a sorte

Decidido, a vencer, Conan Doyle pôs a procurar colo¬cações a bordo, sem resultado. Recebeu, nessa época, um telegrama de seu amigo Dr. Budd, que lhe oferecia um lugar em seu consultório, pais tinha muito serviço, prometendo a Conan Doyle trezentas libras no primeiro ano de trabalho, desde que ele se encarregasse de todas as visitas, de toda a cirurgia, de todos os partos. Esse Budd, porém, era um charlatão es¬petaculoso, embora médico capaz, e possuidor, realmente, de grande clientela. Numa palavra, um cabotino.

O que se passou, dai por diante, foi penoso para Conan Doyle, que ganhava apenas uma ou duas libras por semana. Enquanto Budd prosperava, ele marcava passo. Seus credores aumentavam, porque Budd não lhe pagava o que havia pro¬metido. De boa-fé, Conan Doyle defendia o amigo, quando sua mãe dizia que Budd não era relação que servisse para ele, criticando duramente o caráter desse médico.

Indiscretos

Um dia, quando Conan Doyle estava ausente, Budd e a mulher remexeram-lhe os móveis e encontraram as cartas em que a mãe de Arthur se externava com franqueza a respeito desse falso amigo. Traiçoeiro, Budd nada disse, esperando que chegasse o mês de junho, quando, da maneira mais suave, de¬clarou a Conan Doyle que este arruinara a sua clientela desde o começo. E explicou: Essa gente da roça tem a cabeça dura. Vêem uma porta com dois nomes de médico e se atrapalham.

Querem o Dr. Budd, mas receiam ser enganados pelo Dr. Doyle. Ficam nervosos e vão embora.

Conan Doyle, que nada sabia do que havia sucedido, foi para o pátio e retirou com um martelo a placa que tinha o seu nome na porta principal. Budd aproveitou o ensejo para alegar que ele estava agindo precipitadamente e de mau humor. E lá se foi ele para Portsmouth, onde abriu um consultório, também sem êxito. Os primeiros tempos de clínica eram bas¬tante difíceis. Como o Dr. Budd lhe havia prometido pagar-lhe uma libra por mês, para que ele desfizesse o acordo estabele¬cido, ele contava com essa libra para ir ajudando as despesas menores. Dois cantos seus, Ossos e A ribanceira de Blue¬mansdyke, publicados pelo editor de London Society, lhe renderam sete libras, e quinze xelins lhe foram pagos como adiantamento por outros trabalhos. Conan Doyle chamara seu irmão Innes, de dez anos, para ajudá-lo como servente.

Comédia

Estava tudo indo assim, Conan Doyle às voltas com o aluguel da casa que ocupava e com outras despesas que não podia solver, quando o Dr. Budd lhe escreveu, dizendo haver encontrado, no quarto que ele ocupara, pedaços de certa carta rasgada. Juntara esses pedaços, depois que Arthur fora, para Portsmouth, e verificara tratar-se de carta da mãe de Conan Doyle, que continha pesados insultos a ele, Dr. Budd, chaman¬do-lhe pouco escrupuloso e tapeador em falência. Ora, isso era uma falsidade, pois a verdadeira carta se achava em poder de Conan Doyle. Mas, com esse estratagema, Budd livrou-se da obrigação assumida de lhe dar uma libra mensal...

Melhoria

Parece que, rompidos os laços que o ligavam a Budd, as coisas começaram a melhorar e os primeiros clientes foram chegando. Seu consultório tinha respeitabilidade e asseio. O tempo correra e um belo dia o correio entrega a Conan Doyle uma carta da firma Smith, Elder & Co., datada de 15 de julho de 1883, que saudava A. C. Doyle, e lhe fazia entrega de um cheque de vinte e nove guinéus em pagamento de uma colabo¬ração que o escritor enviara ao Cornhill Magazine, sob o titulo A Observação de Habakuk Jephson, que ainda não havia sido publicada.

Conan Doyle vibrou de satisfação. Conseguira finalmente entrar na fortaleza inexpugnável que era o Cornhill Magazine. Entretanto. . .

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A alegria de Conan Doyle por ver aceito o seu trabalho A Observação de Habakuk Jephson, pelo Cornhill Magazine, cujo editor havia sido anteriormente Thackeray e estava então prestigiado pelo famoso novelista Robert Louis Stevenson, autor de A Ilha do Tesouro, Dr. Jeckyll e o Sr. Hyde e outros, não foi tão completa como seria de desejar. É bem verdade que o Cornhill Magazine só publicava trabalhos de real valor e seu editor, o eminente James Payn, era muito exigente a esse respeito. Acontece, porém, que omitiram o nome de Conan Doyle e Habakuk apareceu sem a sua assinatura, tendo um critico atribuído sua autoria a Stevenson, comparando-o a Edgar Allan Poe. E fácil imaginar o estado de espírito de Conan Doyle, ao ver um trabalho seu ser tão elogiado e atribuído a outros escritores. Foi preciso que ele se contivesse muito para deixar de dizer a todo o mundo ser seu A Observação de Habakuk Jephson. Lutando como estava, não p8de suprimir a colabo¬ração para revistas más, modestas e baratas, como London Society, All the Year Round ou Boy's Own Paper.

Até 1884, exerceu sem grandes modificações a sua pro¬fissão de médico, sem abandonar, entretanto, a literatura. Ainda arranjava tempo para orientar seu irmão Innes na redação de um diário.

Conan Doyle salva o tio

Desde aquela entrevista em Cambridge Terrace que Conan Doyle sofria de amargura e não havia feito as pazes com os tios. Esteve uma ou duas vezes com o tio Dick, salvando-lhe a vida de um ataque de apoplexia. Este, depois, lhe enviou uma carta de apresentação para o bispo de Portsmouth, ajuntando que não existia médico católico na cidade. Ao ler isto, Conan Doyle ficou irritado. E a carta dizia mais: Volta ao aprisco; aceita a fé e não passarás fome. Num gesto brusco, largou a carta ao fogo. Não era homem de enfraquecer por qualquer coisa. Aquela carta, pelo contrário, lhe dava novas forças para enfrentar a situação delicada em que vinha vivendo.

Simplicidade

Doutra feita, sua mãe, a quem ele adorava, perguntou-lhe por que não usava em seus papéis o escudo de nobreza da família, o escudo dos Foleys, que era o orgulho dela. Conan Doyle esclareceu que os escudos de família em uma folha de papel pareceria um pouco ostentoso. As vezes não dava res¬posta às cartas que recebia, par falta de dinheiro para o porte. Lutando sem desanimo, Conan Doyle começou, por fim, a der¬rubar as primeiras barreiras. Sua clientela foi aumentando, fato que comprovou ao ser saudado por seus conhecidos.

Exímio no futebol

Suas façanhas no críquete e no futebol contribuíam também para isso. Jogava com muita técnica e não menor energia, tornando-se popular no esporte. Fez-se sócio da Sociedade Lite¬rária e Cientifica, dividindo suas horas de lazer entre a litera¬tura e o esporte. Chegou até a ganhar bela caixa de charutos finos em virtude da sua perícia no boliche. De quando em quando, para alegrar-se, recebia a visita de alguma de suas irmãs.

Êxito de Habakuk

Médico da Companhia de Seguros de Vida Gressham, Conan Doyle viu sua renda aumentar. Teve ocasião de fazer a dura experiência que o contacto com a dor e a morte impõe aos médicos. Quanto mais se dedicava à Medicina, mais se apro¬fundava nas letras. Depois do aparecimento de A Observação de Habakuk Jephson - diz seu biógrafo Carr -, em janeiro de 1884, durante algum tempo não teve Conan Doyle oportu¬nidade de ver publicado outro trabalho no Cornhill Magazine. Esse conto, feito com muita imaginação, baseava-se num aban¬donado barco, misterioso, de nome Mary Celeste. Teve re¬percussão muito além dos elogios dos críticos. Ao longe, em Gibraltar, foi lido por um tai Sr. Solly Flood, intercessor de S.M., que ficou petrificado, e, por intermédio da Central News Agency, enviou um telegrama que percorreu a Inglaterra in¬teira.

Esse Flood escreveu também um longo relatório a seu Go¬verna e aos jornais, salientando a ameaça que, para as relações internacionais, representavam as pessoas como esse doutor Jephson, as quais fingiam revelar fatos que oficialmente pode¬riam ser provados como falsos. Antes que a situação ficasse esclarecida, os jornais se divertiram bastante com os temores desse Sr. Flood. Para o Dr. Conan Doyle essa ocorrência foi o princípio de uma revelação. Poderia escrever ficções que muitas pessoas tomariam por ser a verdade mesma.

Assim, o ano de 1884 começava para ele com uma febre por escrever, mas o Cornhill Magazine lhe devolvia todos os trabalhos que ele enviava para publicar. Mas o grande escritor do futuro se alegrou ao receber convite para participar de um almoço que aquela revista oferecia a seus colaboradores, no Barco, em Greenwich. Foi nesse almoço que Conan Doyle co¬nheceu Payn, diretor do Cornhill Magazine.

Injustiça

Ao ser divulgado um concurso literário do Tit-Bits, Conan Doyle para lá mandou um artigo. Mas ficou indignado ao ver que o premio havia sido concedido a um trabalho em todos os aspectos inferior ao seu. O que o irritava é que não havia justiça. Resolveu que os obrigaria a ser justos!

Fez ele, então, uma proposta-desafio, que o editor da citada revista deixou sem resposta, dada à impossibilidade de des¬menti-lo. Indiretamente Conan Doyle vencera...

Primeiro casamento

Em junho de 1885, Conan Doyle, depois de defender tese, recebeu o título de M. D., Doutor em Medicina (Medicai Doutor), e em agosto casou-se com a suave Louise Hawkins, Touie. Sempre lutando para que seus trabalhos literários fossem aceitos e buscando firmar-se na carreira médica, ele chegou ao Ano Novo de 1887.

Atraído pelo psiquismo

Estava então inteiramente preocupado com um novo e de¬licado assunto: o psiquismo. Havendo renunciado ao Catolicismo, que não satisfazia ao seu espírito evoluído, permaneceu materialista, tal como o historiador Gibbon, a quem tanto ad¬mirava. Mas o seu materialismo era mais de superfície, tanto que escreveu: É verdade que se tem de subentender um Cria¬dor, se concebe o mundo como um imenso maquinismo de relógio balançando sobre o vácuo.

Contacto com o Espiritismo

Ao iniciar-se o ano de 1887, Conan Doyle foi visitar um de seus doentes, o General Drayson, que lhe falou de alguma coisa chamada Espiritismo. Esse general era astrônomo e matemático notável. Disse a Conan Doyle de suas conversações com um irmão já desencarnado, razão pela qual se convertera ao Espiritismo. Conan Doyle ouvia, mas nada dizia. O general lhe assegurou que a existência além da morte era um fato provável. Prudente, Conan Doyle respondeu com algumas pala¬vras que o não comprometiam. Desde, porém, que havia a pos¬sibilidade de prova, seu espírito ficou interessado em conhecer melhor isso a que denominavam Espiritismo. Em um caderno de notas intitulado Livros que devo ler, ele anotou certa quantidade de obras sobre o assunto, que, ao cabo de um ano, chegaram ao número de setenta e quatro. Depois de se dedicar ao estudo desses livros, Conan Doyle meditou muito sobre tudo quanto despertara sua atenção e dentro em pouco tempo co¬nhecia profundamente os problemas oferecidos pelo Espiritismo. Duma feita, citou apaixonadamente o Alcorão: Podes crer que o céu e a terra e o que há entre eles há sido feito por pilhéria? Em outra ocasião, mencionou Hellenbach: Há um cepticismo que sobre passa em imbecilidade a obtusidade de um camponês:' Seria ele um céptico dessa espécie? Não, em absoluto. Já havia lido e comentado, escrevendo suas notas, Os Milagres e o Espiritismo Moderno, de Wallace, e o Magnetismo Animal, de Binet e Fere.

Experiências práticas

Chamando seu amigo Ball, arquiteto de Portsmouth, resol¬veu fazer sessões espíritas, que começaram em 24 de janeiro de 1887 e, com pequenos intervalos, se prolongaram até prin¬cípios de julho. Fez um relatório pormenorizado dessas reuniões, no qual se pode perceber a sua compreensão e o seu profundo interesse pelos fenômenos mediúnicos. Seis sessões foram rea¬lizadas com um médium experimentado, de nome Horstead. Numa dessas reuniões, esse médium disse estar vendo o Espí¬rito de um velho de cabelos grisalhos, testa alta, lábios delgados e de fisionomia enérgica, que olhava fixamente para Conan Doyle.

Mensagem confirmada

Novamente, durante a sessão, esse velho se fez notado e um membro da sessão recebeu dele uma mensagem alusiva a Conan Doyle, a qual dizia: Esse cavalheiro é médico. Não deve ler o livro de Leigh Hunt. Ora, Conan Doyle confessou depois que estava vacilante sobre se deveria ou não comprar o livro Os dramaturgos cômicos da Restauração, e que o não adquirira devido à sua linguagem libidinosa. Jamais havia revelado esse fato a quem quer que seja, nem pensava nele nessa ocasião. Portanto, esclarece, não foi um caso de te¬lepatia.

Impaciência

Depois da surpresa dessa noite, Conan Doyle, atormentado pela dúvida e a indecisão, o que se pode notar pela leitura de seu diário, esforçava-se bastante por adquirir conhecimentos cada vez mais profundos a respeito dos assuntos psíquicos. Não era homem para aceitar as coisas facilmente, antes de provas que lhe dessem cabal satisfação. Resolveu, assim, con¬tinuar investigando e lendo, porque, depois de tantas leituras e severas investigações, ainda não havia chegado a uma con¬clusão definitiva. Pensou lá com seus botões: Talvez eu não tenha investigado bem, com a atenção necessária. E resolveu ser ainda mais exigente.

Passemos por cima de outros fatos da dinâmica vida de Arthur Conan Doyle, pois é nosso objetivo relatar preferente¬mente as suas principais atividades no Espiritismo. Muita coisa acontecera com ele, depois daquela primeira sessão espírita realizada em 24 de janeiro de 1887, além do seu crescente êxito literário. Em fins de janeiro de 1889, nasceu-lhe a filha Mary Louise; sua mãe, renunciando ao Catolicismo-Romano, in¬gressara na Igreja Anglicana. A famosa personagem de seus romances policiais, Sherlock Holmes, granjeara imensa popu¬laridade, fato que desconcertava Conan Doyle, que desejava do público maiores atenções para as suas novelas históricas. Tanto assim que, posteriormente, matou Sherlock Holmes. Mas essa criação do seu pensamento foi tão prodigiosa, tão genial, que ele se viu forçado a provocar-lhe a ressurreição, cedendo ao clamor de milhares de leitores, no Reino Unido, na Europa, nos Estados Unidos, no mundo.

Conan Doyle encontra Crookes

Encontrava-se o célebre escritor, em 1901, na vestíbulo de Whitehall Rooms, conversando com alguns amigos, quando do grupo se acercou o notável físico William Crookes, portador de numerosos títulos científicos e famoso também pela extraordi¬nária coragem demonstrada, ao enfrentar os misoneístas da época, na defesa da realidade dos fenômenos espíritas, por ele investigados demorada e exaustivamente.

Negadores desconcertados

Depois de ligeira parada, Crookes continuou seu caminho. Então alguém disse estar surpreso ante o fato de um homem de sua importância, de sua posição no mundo da Ciência, acreditar em Espíritos.

Conan Doyle atalhou, imediatamente:

- Acredito que, por detrás das crenças de Crookes, haja alguma coisa merecedora de...

- Não graceje! - exclamaram alguns amigos.

- Não estou gracejando. Venho estudando cuidadosamen¬te, há muito tempo, as investigações de Crookes, Oliver Lodge e Frederic Myers. Parece que há nesse assunto muita coisa digna de.. .

- Fé? - interrompeu um deles, com ar de mofa.

- Pelo menos - concluiu Conan Doyle, seriamente - de consideração, já que não de uma fé verdadeira.

Ao proferir essas palavras, sacudiu a cabeça, de um modo que lhe era muito característico, e se dirigiu a outros ami¬gos que solicitavam sua presença.

Justamente no momento em que ele se afastava, disse¬ram-Ihe:

- Até você, Arthur? Será que Saul também se encontra entre os profetas?.. .

Em 1902, o Rei Eduardo VII, da Inglaterra, considerando os grandes serviços prestados por Conan Doyle, a propósito da guerra dos boers, cogitava de conceder-lhe o título nobiliárquico de Sir. Fiel a seus rígidos princípios, Conan Doyle não se mostrava disposto a aceitar a honraria. Se havia sido útil a seu país, esclarecendo fatos, restabelecendo a verdade, fazendo crítica construtiva, até mesmo a autoridades inglesas; se havia sido útil enfim, cumprira apenas seu dever. Nada mais. Não aceitaria o que considerava condescendência, nem aceitaria vulgares migalhas de uma mesa qualquer - escreveu um de seus biógrafos.

E asseverava Conan Doyle:

- Todo o meu trabalho em favor do Estado se macularia se eu aceitasse uma dessas recompensas. Pode parecer or¬gulho, pode parecer loucura, mas eu não posso aceitá-la. O título de maior valor que possuo é o de doutor, que devo aos sacrifícios de minha mãe e á sua determinação. Não quero trocar esse título por quaisquer outros.

Apesar de enérgica resistência, Conan Doyle teve que aceitar os pontos de vista de sua mãe, que assim argumentara:

- Arthur: se queres conservar teus princípios, cometerás uma descortesia com o rei.

Embora contrariado, concordou Arthur Conan Doyle que seu nome figurasse na Lista de Honra dos que seriam contem¬plados com o título de Sir.

No Dia da Coroação, festejado alegremente na Grã¬-Bretanha e em tortas as suas colônias, Conan Doyle teve assento reservado junto ao de Oliver Lodge, autor de Raymond e um dos grandes campeões do Espiritismo na Inglaterra, que rece¬beria também nessa data o referido titulo. Quase esquecendo o fim de sua presença naquele locai, começaram ambos a dis¬cutir assuntos do Espiritismo. Foi uma conversação animada, durante a qual pontos importantes foram debatidos com pro¬fundo interesse.

Curioso episódio

No ano de 1906, a 17 de fevereiro, o capitão Innes Doyle, seu irmão, que não o via desde que fizeram juntos a excursão aos Estados Unidos da América, em 1894, foi visitá-lo. A certa altura, enquanto Arthur Conan Doyle escrevia uma carta, pon¬derou Innes:

- Sabes, Arthur? Seria bastante estranho se a tua ver¬dadeira carreira, em vez de estar na literatura, estivesse na política.

O novelista, sem erguer a cabeça, respondeu de imediato, quase automaticamente:

- Minha carreira não será nenhuma dessas. Será a re¬ligião.

- A religião?! - tornou Innes, visivelmente surpreen¬dido.

Foi quando Conan Doyle caiu em si, olhando para o irmão com tal expressão de espanto no rosto, que ambos começaram a rir. Não sabia ele como semelhante resposta lhe saíra dos lábios, e confessou considerá-la idiota.

- A verdade é que minha futura carreira nada terá com a religião.

Nesse momento, ignorava Conan Doyle para ande os fatos o levariam. As palavras irromperam-lhe involuntariamente da boca, como se algum Espírito dela se utilizasse para lhe dar avisa muito antecipado da mudança que sua orientação iria sofrer nesse sentido.

Desde que iniciara os estudos psíquicos, em Southsea, que Conan Doyle nutria grande afeto pelo Espiritismo, porque, na sua opinião, nele poderiam ficar incluídos todos os credos religiosos. Religião sem dogmas, sem liturgia nem intolerâncias, o Espiritismo inspirara-lhe simpatia muito profunda, porque coin¬cidia com o seu espírito altamente humano, extraordinariamente reto e liberal.

Embora não houvesse dado maior importância ao fato ocorrido durante a visita de Innes, a realidade estava evidente: fora, sem dúvida, uma entidade invisível que se utilizara de seus lábios e da excelente oportunidade para dizer o que ele próprio não admitia: sua futura carreira seria a religião, em vez da literatura ou da política.

Ninguém combateu com maior ardor do que ele a fraude e a mistificação. Embora ainda fossem fortes as suas dúvidas, não desistiu das investigações. Não podia compreender o rece¬bimento de mensagens banais em sessões espíritas. Mas o en¬tendeu logo que se familiarizou com a Doutrina. Admirava o Espiritismo por sua elevação moral, porque não é religião sec¬tária, não condena as criaturas humanas ao castigo eterno, não as ameaça de perder a alma por causa de simples pormenores doutrinários, nem possui a intolerância que tanto o irritara quando menino, predispondo-o contra todos os credos domi¬nantes na Europa, como o Catolicismo e o Protestantismo. Com muito maior razão, depois de homem, repeliria estreitos e sombrios preconceitos religiosos. Justamente por motivo de sua experiência no Catolicismo, exigia provas concludentes no Es¬piritismo, apesar do afeto profundo que devotava à Terceira Revelação.

O livro da Myers

A personalidade humana e sua sobrevivência à morte do corpo, de Frederic Myers, publicado após o decesso do autor, em 1901, impressionou-o bastante. Dai à decisão de Conan Doyle, de fazer suas próprias experiências, com mesas e mé¬diuns, sob severo controle e com todas as precauções contra a fraude e a mistificação, pois a campanha que se fazia, então, contra o Espiritismo, era tremenda, principalmente por aqueles que o negavam aprioristicamente e se recusavam a participar de longas e cansativas experiências para poderem chegar a honestas conclusões. Seu progresso era lento, mas seguro.

A enfermidade de sua primeira esposa Touie, entretanto, não lhe permitia dispensar maior tempo às investigações. A 4 de julho de 1906, ela desencarnou, vítima da tuberculose, apesar da carinhosa assistência de Conan Doyle, que lhe proporcio¬nara viagens de cura, os melhores tratamentos conhecidos na época e o máximo conforto.

Em seguida, sobreveio o célebre caso Edalji, que lhe valeu, após intenso trabalho, grande vitória, pois pode provar irrefutavelmente a inocência do acusado.

Evidências de mediunidade

Somos dos que admitem que todas as criaturas humanas são dotadas de mediunidade latente. Algumas se desenvolvem naturalmente ou mediante exercícios adequados, com a assis¬tência do Invisível. Outras nada sentem e por isto se julgam desprovidas desse dom. Tal era o caso de Arthur Conan Doyle. No entanto, ele demonstrou no decurso de sua vida um poder de intuição magnífico, inclusive através de suas novelas policiais e históricas.

Aquele episódio com o seu irmão Innes, as profecias de seu conto Perigo!, publicado em 1913, antecipando práticas até então desconhecidas, que foram utilizadas na Guerra Mun¬dial iniciada em 1914, além de outros fatos, reforçam a nossa suposição de ter sido Conan Doyle um médium intuitivo. Pre¬disse a técnica da primeira conflagração mundial, relatando com fidelidade a guerra submarina, os torpedeamentos de navios neutros, os ataques aéreos, etc. Contou em 1913 o que aconte¬ceria de 1914 a 1918!

Em setembro de 1907, consorciou-se pela segunda vez. Sua nova esposa chamava-se Jean Leckie. Em 1909, nasceu-lhe o primogênito desse matrimônio, Denis Percy Stewart Conan Doy¬le. Em 1910, o segundo, Adrian Malcolm Conan Doyle. Em 1914, visitou de novo os Estados Unidos, agora com sua esposa Jean, e foi ao Canadá, regressando à Inglaterra nos primeiros dias de julho. A 23 desse mês, o Império austro-húngaro enviava o ultimato à Sérvia, dando início à Grande Guerra.

Cresce Conan Doyle diante da dor

Conan Doyle prestava valiosos serviços a seu pais, na frente interna, pois a idade não mais lhe permitia o serviço militar. O primeiro golpe fatal desferida pela guerra em sua família atingiu o cunhado, Malcolm Leckie. O bondoso gigante de Edimburgo tinha, porém, grandes reservas de força moral. Suportava corajosamente os contratempos, mas sofria, vendo o sofrimento das mães que reclamavam os filhos, das esposas que indagavam pela sorte dos maridos, das noivas que chora¬vam pelos noivos... Conan Doyle era forte, mas não era in¬sensível.

Conan Doyle, espírito percuciente, estudou a guerra pelo lado de dentro, isto é, procurou penetrar o mundo íntimo das criaturas que, de um momento para outro, se viam despojadas da felicidade. Aquelas que se punham em contacto com a Es¬piritismo pareciam mais resignadas, porque compreendiam melhor as coisas.

Onde estão nossos mortos?

Jamais o mundo havia passado por tamanha provação. Tal qual está no Evangelho, ouviam-se ,choros e ranger de dentes. Começaram a chegar a seus ouvidos as perguntas dolorosas: Onde estão nossos mortos? onde estão nossos mortos?

Uma desventurada mãe, que havia perdida o filho, procura explicar, meio dementada pela dor: Ele estava ali... ali...

Então, explodiu uma granada. Nada restou dele, nada que pu¬desse ser sepultado. . . - escreveu Conan Doyle, emocionado.

Que faria você?

Em fins de agosto, a Gazeta Psíquica Internacional fez em suas páginas estas perguntas a vários homens e mulheres eminentes: Que faria você para consolar os que estão domina¬dos pela dor? Como procederia para ajudá-los? Houve mais de cinqüenta respostas. A de Conan Doyle foi a mais curta: Parece-me que nada posso dizer que valha a pena. Só 0 tempo pode mitigar a dor. Suas palavras foram divulgadas no número de outubro de 1915. Não é que ele não compreen¬desse o sofrimento dos aflitos. Justamente porque o compre¬endia, não desejava dar esperanças infundadas...

Prova definitiva

Lily Loder-Symonds, amiga dos Doyle, era médium e escre¬via automaticamente. Conan Dayle comentara: Tinha-se a im¬pressão de que alguma força se apoderava de seu braço e ela escrevia coisas que pareciam vir de entre os mortos. Todavia, devemos sempre olhar com suspeita a escritura automática, pois é tão fácil alguém enganar-se a si mesmo... Como pode¬mos saber se o médium está ou não dramatizando certas facetas de sua personalidade?

Essa dúvida demonstrava que, ainda aí, Conan Doyle não havia adquirido a convicção sólida que lhe veio depois.

Lily Loder-Symonds havia perdido três irmãos na guerra, além de um amigo, na pessoa de Malcolm Leckie. Começou a receber mensagens desses quatro jovens e algumas delas foram confirmadas posteriormente. Comentou Conan Doyle:

- As mensagens estavam cheias de pormenores militares que a moça ignorava. Um de seus irmãos informou haver co¬nhecido um belga, e, como deu seu nome, pudemos averiguar que assim acontecera efetivamente. Outros resultados, no en¬tanto, foram falsos ou não puderam ser comprovados.

Conan Doyle ficou impressionado com essas comunicações, mas não prosseguiu. Depois, sucedeu alguma coisa. Ele rece¬bera uma mensagem de Malcolm Leckie, que mencionava fatos de caráter muito pessoal, somente deles conhecidos.

Durante trinta anos, aproximadamente, Conan Doyle havia buscado uma prova objetiva das Comunicações dos Espíritos.

Encontrara-a, finalmente, nessa mensagem de Malcolm, que lhe deixou profunda impressão.

Então, pode afirmar:

- Por fim, deixei de duvidar.

Dois anos mais tarde, em 1918, Conan Doyle publicou A Nova Revelação (ora reeditado pela Federação Espírita Brasi¬leira, Rio) e lá escreveu o seguinte sobre a comunicação de Malcolm Leckie e outros fatos:

Em face de um mundo que agonizava, ouvindo narrar dia¬riamente como morria a flor da nossa raça, nos primeiros alvo¬res da sua juventude, observando, á volta de nós, as esposas e as mães sem fazerem idéia clara do destino que teriam tido os seres a quem amavam, de pronto se me afigurou que o assunto, com que desde tanto tempo eu brincava, não se resumia apenas no estudo de uma força que escapa aos preceitos da ciência, que nele havia alguma coisa verdadeiramente tremen¬da: o desabar de muralhas entre dois mundos, uma mensagem inegável vinda diretamente do Além, um brado de esperança e de encaminhamento para o gênero humano, na hora da sua mais viva aflição. O lado objetivo da questão deixou de me interessar. Convencido, afinal, da sua veracidade, não havia mais por que prosseguir. Seu lado religioso apresentava importância infinitamente maior. A campainhada do telefone é coisa em si mesma pueril, mas pode dar-se que seja a chamada para uma comunicação de vital interesse. Afigurou-me que todos esses fenômenos, grandes e pequenos, eram campainhadas de telefo¬nes que, sem significação em si mesmas, bradavam aos ho¬mens: Levantai-vos! Alerta! Atendei! Estes sinais são para vós outros! Eles vos previnem da mensagem que Deus vos quer enviar! O que tem valor real é a mensagem, não os sinais.

Em inspeção

Em 1916, o Ministério do Exterior da Inglaterra enviou Co¬nan Doyle a uma viagem oficial de inspeção, além do Canal da Mancha. Homem ativo, semelhante convite lhe causou grande contentamento. Tivera a incumbência de visitar a frente italiana e escrever algo para estimular os peninsulares na luta contra a Áustria. Aí, quase foi morto por uma granada, mas gracejou: Não me venham dizer que os austríacos não sabem atirar! Sentia-se leve e bem disposto, porque se achava em ambiente de grande atividade, compatível com o seu temperamento, e também porque estava colhendo dados para apregoar uma gran¬de verdade ao mundo.

Piave... Piave...

Sofrendo muito de insônia, Conan Doyle, certa vez, ouviu incessantemente a palavra Piave, atordoando sua cabeça: Piave. . . Piave . . Piave. . . Lembrava-se de ter ouvido muito vagamente o nome desse rio que ficava atrás das linhas italia¬nas. Não havia, porém, razão para que essa palavra martelasse seus ouvidos, pois nenhum caso particular o ligava a ela. Dada a insistência, resolveu anotar o nome e mostrou-o a alguns amigos. Conan Doyle lembrou-se dessa palavra, quando foi di¬vulgada a notícia da grande vitória italiana na batalha às mar¬gens do referido rio. Tivera, pois, aviso do famoso acontecimento com bastante antecedência.

Nova possibilidade de revelação intuitiva a reforçar a hipó¬tese de sua mediunidade é o que essa ocorrência parece de¬monstrar.

Arthur Conan Doyle resumia sua crença neste heptálogo: 1) A paternidade de Deus; 2) A fraternidade do homem; 3) A sobrevivência da alma; 4) A comunicação entre os vivos e os mortos; 5) A responsabilidade pessoal; 6) Uma justiça divina premiando a cada um segundo seu merecimento e seus esfor¬ços; 7) Uma progressão eterna.

A revelação - disse ele em A Mensagem Vital - anula a idéia dum inferno grotesco e dum céu fantástico, por conce¬ber uma elevação progressiva na escala da vida, sem mudanças monstruosas que num instante nos transformem em anjos ou demônios.

Conferências

Em 1917, Arthur Conan Doyle começou a fazer conferências espíritas, expondo e analisando os fenômenos psíquicos. Nunca mais parou, desde então, essa propaganda importante do Es¬piritismo-Religião. O que ele fez, os esforços que despendeu, os ataques sofridos, a fortaleza de animo revelada e a firmeza com que se sobrepôs aos inimigos do Espiritismo, que também se tornaram, com isso, seus inimigos, puseram em relevo a elevação moral desse homem extraordinário, que não foi apenas um romancista de episódios policiais, mas um escritor de grande erudição, servido por uma inteligência viva e penetrante.

Tamanho é o prestígio de que ainda hoje goza o seu nome que todas as suas obras, ou quase todas, foi há pouco tempo publicadas em nosso pais, não só as de aventuras, nas quais Sherlock Holmes, o precursor da polícia técnica, é o herói, como as de História, onde Conan Doyle põe em relevo grande cultura e peculiar maneira de dizer.

Cooperação

Doía-lhe ver a Humanidade devastada pela primeira confla¬gração bélica mundial. Em abril de 1917 os Estados Unidos en¬traram na guerra. Logo depois, a Revolução Bolchevista au¬mentou as preocupações da Europa. A frente russa, em julho, se desmorona perante o inimigo. Conan Doyle não parava. Fazia conferências espíritas, chamando a atenção do povo para a grandeza do Espiritismo, que constituía a prova cabal de que a morte não significa o anïquilamento da alma; e, como bom patriota, agia, colaborando com o Primeiro-Ministro inglês.

Kingsley

Preparava-se Conan Doyle para iniciar uma palestra espírita, em Nottingham, quando recebeu um telegrama, informando achar-se moribundo seu filho Kingsley. Homem forte, controlou¬-se. Apenas seus olhos se umedeceram. Admitindo que Kingsley desejaria que ele não suspendesse a conferência, iniciou-a em seguida. Sua palavra não denunciou um só instante a emoção que o dominava. Duas semanas depois, era assinado o armis¬tício... Mais tarde, numa fotografia de Conan Doyle, podia-se ver, ao seu lado, o Espírito de seu filho Kingsley, de uma nitidez admirável.

Em 1919, aos sessenta anos, Conan Doyle poderia aposen¬tar-se de todas as atividades, porque sua vida, até ali, já fora bastante fecunda em numerosos sentidos. Ele, porém, não era homem de ficar entregue à ociosidade e continuava empenhado, mais do que nunca, na propaganda do Espiritismo.

Par do Reino

Começou-se a falar em sua ascensão a Par do Reino Unido da Grã-Bretanha, que é a maior distinção a que um homem pode aspirar no império britânico. Era o reconhecimento, mais do que isto, a ratificação oficial do seu grande valor moral e intelectual.

Acontece, porém, que havia uma condição para que ele fosse Par do Reino: renunciar ao Espiritismo! Arthur Conan Doyle não tinha, no entanto, o temperamento dos acomodado¬res. Sabia que a sua fidelidade ao Espiritismo lhe faria perder a grande oportunidade, além de muitos amigos presos a pre¬conceitos sectários. Mas, para ele, nada tinha tanto valor quan¬to a verdade e a verdade era o Espiritismo, que trouxera uma mensagem nova de conhecimento, paz e amor para a Humani¬dade que sofre!

Alguns anos antes, conta um de seus biógrafos, Douglas Sladen escrevera o seguinte a seu respeito: Trata-se de um homem a que se recorreria no caso de crise. Há poucos em Londres que não conheçam essa enorme figura, essa cabeça redonda com pômulos salientes e intrépidos olhos azuis, esse rosto franco e de bom humor. É um conferencista muito popular, agradável e entretido em assuntos leves, mas profundo e con¬vincente nos momentos de crise. De todos os escritores de nossa época, é Arthur Conan Doyle quem mais merece ser chamado um grande homem.

Um escritor norte-americano, no jornal Free Press, de Detroit, se referia à visita de Conan Doyle aos Estados Unidos, em 1894, e dissera: Sábio conselheiro nas resoluções de im¬portância e um refúgio seguro para os amigos que necessitam de seus bons ofícios.

Depois de sua atitude, recusando a distinção de Par do Reino em troca do repúdio ao Espiritismo, esses homens man¬teriam a mesma opinião a respeito dele ou mudariam de ati¬tude, para não perderem o prestígio e as vantagens decorrentes do apoio à intolerância? Preferimos não avançar mais, pois provavelmente optariam pela última dessas hipóteses.

Compreensão

Conan Doyle não se revoltou contra aqueles que o critica¬ram e atacaram por causa disso. Achava que eles não tinham culpa, pois não havia sido alcançados pela revelação que lhe iluminara o espírito, não fizeram as pesquisas e as experiências a que ele se dedicara exaustivamente. Tinham, pois, o direito de ter opiniões contrárias, como ele, Conan Doyle, se julgava também com o direito de sustentar as opiniões que defendia, se bem que o assunto, ele o sabia, não era questão de opiniões, nem de teorias, nem de decisões - acrescenta o seu biógrafo.

Tolerante, superiormente compreensivo, disse à esposa: - Estejamos preparados para o que disserem. Isso tem muita importância? - perguntou ele.

- Nada tem importância, Arthur, se você crê que deve proceder desse modo.

- É a única atitude que posso tomar. Toda a minha vida veio culminar nisto - o Espiritismo. É o mais grandioso fato que existe no mundo.

Sua decisão estava tomada. Que desabasse o mundo sobre ele. Arthur Conan Doyle continuaria de pé, como continuou. Certa feita, quando se encontrava na Austrália, Conan Doyle teve de suportar venenosas considerações de um tal reverendo J. Blacket, a respeito do Espiritismo. Homem leal e decente, incapaz de argumentos capciosos e falsidade, ele se desgostava quando encontrava adversários que não tinham os mesmos escrúpulos. O reverendo, entre muitas das sandices habituais lançadas contra a Terceira Revelação, repisava o tema de que o Espiritismo é obra do demônio e os espíritas com este têm pacto firmado. Encarando seriamente a questão, Conan Doyle escreveu: Digamos que o melhor exemplo é o da Cristo; quando os fariseus lhe fizeram essa imputação, ele respondeu: Conhecé-los-eis, pois, pelos seus frutos. Não posso compreen¬der a mentalidade de quem pensa que é coisa do demônio o querer provar a existência da vida além-túmulo, para poder assim refutar os materialistas. Se isso é obra do demônio, então parece que ele se reformou.

Sua concepção filosófica, tal como a espírita, afirmava que não é crível que Deus ajuda a um grupo da Humanidade contra outro. O ensinamento é que a fé e as crenças tem pouca importância ao lado do comportamento e do caráter. São estes últimos que determinam o lugar que a alma ocupará no Além. Todos os credos religiosos, cristãos e não cristãos, tem seus santos e seus pecadores; se um homem é bondoso e humilde, não há por que temer pelo destino de sua alma, seja ou não membro de uma igreja organizada na Terra.

Mediunidade admitida

Muita gente tem perguntado se Arthur Conan Doyle era médium. Acreditamos que sim. Ele mesmo, aliás, respondendo a leitores que se interessavam por mais contos sobre Sherlock Holmes, respondeu várias vezes:

- Só posso escrever o que me chega do Além.

Advertência

Em 1929, Conan Doyle completou 70 anos. Achava-se em Bignell Wood. Sentia-se capaz ainda de ir à Escandinávia, cum¬prindo sua missão de conferencista. Pretendia depois visitar Roma, Atenas, Constantinopla. Recordava o que escrevera ao fim de sua viagem à África do Sul: Voltarei mais forte de saúde, com as minhas crenças ainda mais sólidas, com mais desejo que nunca de combater pela maior de todas as causas: a re¬generação por meio da religião, por meio do Espiritismo, que é direto e prático e, além disso, é o antídoto único contra o materialismo científico.

Visitou Haia e Copenhague, chegou à Noruega e Suécia. Em Estocolmo, principalmente, fizeram-lhe calorosa acolhida e as ruas se encheram de gente para saudá-lo. Ocupou o micro¬fone de uma das radio emissoras locais, onde sua voz surgiu lenta, clara e vibrante.

Tinha o objetivo de regressar a Londres para falar no Albert Hall, nas comemorações do Dia do Armistício, pela ma¬nhã, e no Queen's Hall, à noite. A neve começara a cair. Então, repentinamente, o bondoso gigante de Edimburgo vacilou e caiu! Era a advertência de que sua vida corria perigo. Transportaram-no de trem para o n° 16 do Buckingham Palace Mansians. Seus médicos o avisaram de que seria um suicídio se ele teimasse em usar da palavra, conforme promete¬ra. Mas, como fizera em toda a sua vida, Conan Doyle não quis ceder, nem mesmo diante da angina peitoral. Cumpriria sua palavra, não só por se haver comprometido a fazé-lo, como porque se tratava da Cerimônia do Armistício em honra dos que - como seus filhos Kingsley e Innes - haviam partido para a guerra ao som da canção Guardemos nossas Preo¬cupações.

Missão cumprida

Falou em Albert Hall pela manhã desse domingo, mas não sem dificuldade e com as pernas trôpegas. A noite, no Queen's Hall, fez o mesmo. E depois, quando a multidão que não pudera entrar, pois o local estava superlotado, pediu que ele falasse de novo, Conan Doyle insistiu em se dirigir a um balcão, sem chapéu, debaixo da neve que cala. Parecia que a sua força de vontade havia superado os males do corpo.

E cumprira sua missão. Estava satisfeito.

Desencarnação

Na véspera do Natal, desceu para a sala de jantar em Windlesham. Estava de bom humor, embora só houvesse chu¬pado algumas uvas. O Dr. John Lamond, pastor presbiteriano, que havia algum tempo era seu companheira de Espiritismo e que tantas vezes o ouvira imitar o professor Challenger, via Conan Doyle rir-se ao contar uma visita que fizera a Barry, em Stanway Courf.

Na primavera de 1930, parecia que sua saúde melhorara. Tudo se passara bem. Chega o verão. Ele continuava trabalhando, continuava escrevendo, ocupando-se com a grande correspondência. Quando passava do seu gabinete para o dormitório, caiu pesadamente ao chão. Ao mordomo que acudira, aflito, para ajudá-lo, ele disse calmamente:

- Não tem importância. Leve-me devagar. Que ninguém saiba disso, ouviu?

Não queria alarmar sua esposa Jean.

Aplicaram-lhe oxigênio. De seu quarto, Conan Doyle viu o amanhecer de um dia esplendoroso. Embora se sentisse muito fraco, quis levantar-se e sentar-se numa poltrona. Falava com dificuldade, mas ainda assim teve estas palavras para a esposa desvelada:

- Devia-se cunhar uma medalha para você, com uma ins¬crição assim: Para a melhor das enfermeiras.

Eram quase oito e meia. Jean e Adrian ladeavam-no, segu¬rando-lhe as mãos com ternura. Mais além se encontravam Denis, Lenl3 Jean e Mumpty.

Às oito e meia, Jean e Adrian sentiram nas mãos uma pressão relativamente forte. Conan Doyle se reanimou um ins¬tante e, embora sem fala, olhou um por um. Depois, com a maior serenidade se reclinou e fechou os alhos para sempre.

Era 7 de julho, quando desencarnava Arthur Conan Doyle, em Crowborough (Sussex).

Havia partido da Terra um dos espíritos mais nobres e va¬lorosos que a Humanidade tem conhecido. A ele se referiu assim um de seus biógrafos, honesto e fiel, apesar de ser contrário ao Espiritismo:

Pela causa da religião espírita, Conan Doyle deu seu coração, sua fortuna e, por último, sua vida. E num sentido espírita, referindo-nos à influencia que ele deixou atrás de si, podemos acrescentar apenas isto:

- Não escrevamos seu epitáfio: ele não morreu:'

História do Espiritismo

Antes de concluirmos este escorço biográfico, sumamente lacunoso, pela impossibilidade de reproduzirmos tudo quanto pudemos colher a respeito desse notável escritor e admirável espírita, desejamos mencionar sua grande obra História do Espiritismo, aparecida pela primeira vez na Inglaterra, em 1926 (1° volume) e 1927 (2° volume). Dela há várias edições, entre as quais uma em castelhano, publicada em Buenos Aires, e, mais recentemente, uma em nosso idioma, aparecida em 1960 (Editora O Pensamento, São Paulo, SP).

Aspecto religioso do Espiritismo

Tem o título acima um dos capítulos desse livro importante. Vamos reproduzir alguns de seus trechos:

O Espiritismo forma um conjunto de idéias e ensinamentos compatíveis com todas as religiões. Seus princípios fundamen¬tais são a continuidade da personalidade humana e o poder de comunicações depois da morte, fatos básicos que têm uma im¬portância primordial no Bramanismo, Maometismo, Parsismo e Cristianismo. Além disso, o Espiritismo se avantaja a essas reli¬giões porque se dirige a todo o mundo. Só existe uma escola com a qual é absolutamente irreconciliável: a escola do materia¬lismo, que tem esgotado o mundo e é causa radical de todos os nossos infortúnios. A compreensão e aceitação do Espiritismo são fatores essenciais para a salvação da Humanidade; do contrário, cada vez cairá ela mais baixo dentro do campo utili¬tário e egoísta do Universo:

Perguntar-se-á por que as antigas religiões não salvam o mundo de sua degradação espiritual. Responderemos: todas intentaram fazê-lo, mas todas têm fracassado. As Igrejas que as representam degeneraram e se (ornaram mundanas e mate¬riais. Perderam todo o contacto com a vida do espírito e se contentaram com o referir-se aos tempos antigos e entregar-se a umas orações e a um culto externo à base de tão arrevesadas e incríveis teologias, que a inteligência honrada sente náuseas só em pensar nelas. Ninguém há se mostrado tão céptico e incrédulo acerca das manifestações do Espiritismo como o clero, não obstante ostentar uma crença que só se funda em fatos análogos aos nossos, ocorridos outrora; sua absoluta negativa em aceitar agora esses fatos dá a medida da sinceridade de suas convicções.

Temos procurado demonstrar a existência dos sinais mate¬riais que os governantes invisíveis da Terra enviam para satis¬fazer a procura de provas materiais exigidas pela mente da Humanidade atual. Temos demonstrado, mesmo assim, que a esses sinais acompanham mensagens espirituais semelhantes às que receberam as grandes figuras religiosas do mundo primitivo, renovando a fogueira de crenças que hoje está quase convertida em cinzas. Os homens haviam perdido o contacto com as vastas forças que os rodeiam, e o Espiritismo, que é o maior movi¬mento registrado desde há dais mil anos, vem salvar-nos dessa situação, dissipar as nuvens que os envolvem e mostrar-lhes novos horizontes. Já brilha o sol da verdade no horizonte. Dentro em pouco o vale também estará iluminado.

BIBLIOGRAFIA

The Life of Sir Arthur Conan Doyle, de John Dickson Carr, tradução de José Donoso Yafiez.

El Espiritismo - Su historia, sus doctrinas, sus hechos, de Arthur Conan Doyle.

A Nova Revelação, de Arthur Conan Doyle, edição da Fe¬deração Espírita Brasileira, contendo A Mensagem Vital.

Conan Doyle - O Homem que eu Conheci, por Harvey Metcalpe, apud Revista Estudos Psíquicos, de Lisboa. Conan Doyle, editorial da Revista Constancia, de Buenos Aires.

Sir Arthur Conan Doyle - Número especial de La Revue Spirite, de setembro-outubro 1959, editorial e artigos de Conan Doyle, Hubert Forestíer e Annie Bríerre.

J. ----- C. ---- DE. ----- MENDONÇA.

14. ---- 03. ----- 2011.

Maroty
Enviado por Maroty em 18/03/2011
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