Nísia Floresta
A escritora potiguar Nísia Floresta nasceu a 12 de outubro de 1810, em Papari, RN. Batizada como Dionísia Gonçalves Pinto, adotou o pseudônimo de Nísia (apelido) Floresta (homenagem ao sítio onde nasceu) Brasileira Augusta, ou simplesmente Nísia Floresta.
Muito cedo, aos 13 anos de idade, casou com Manuel Melo, união mal feita e que não chegou a completar o primeiro aniversário, desfeita pela separação. Nísia, menina ainda, não se deixou abater e retornou à casa dos pais. A situação política da década de 1820, piorada pelo clima generalizado de revolta, obrigou seu pai a deixar o Rio Grande do Norte e procurar abrigo para si e a família em Pernambuco, primeiramente na cidade de Goiana, transferindo-se oportunamente para Olinda e posteriormente para a cidade irmã, Recife. Após residir quatro anos entre os pernambucanos, seu pai, Dionísio Lisboa, foi assassinado a 17 de agosto de 1828, no entorno da capital. Três meses depois, Nísia Floresta volta a casar. O consorte foi Manuel Rocha, acadêmico de direito, com o qual teve a filha Lívia Augusta em janeiro de 1830. No início de 1831, Adolphe Garin, tipógrafo e editor do jornal Espelho das Brasileiras, conhece e acolhe Nísia Floresta como colaboradora, e publica suas notas em trinta edições, tendo o tema feminino como mote específico, através do qual, com clareza, exprime seu conhecimento das culturas e das condições de vida e de estar das mulheres d’além-mar e outras Américas. No ano seguinte, publica seu primeiro livro, Direito das mulheres e injustiça dos homens, e transfere-se com a filha, a mãe e o segundo marido para o Rio Grande do Sul, onde firma endereço em Porto Alegre, capital daquele estado. Instalada, dirige com sucesso um colégio feminino. Nísia viajou grávida para a capital gaúcha e, numa feliz coincidência de datas, pariu no mesmo dia em que a filha Lívia completava três anos de idade, 12 de janeiro de 1833, a Augusto Américo. Nesse ano, publica a segunda edição de Direitos das mulheres e injustiça dos homens. O ano não termina bem para a família: Nísia enviuvou em 29 de agosto, quando Manuel Rocha falecia aos 25 anos de idade, deixando órfão o casal de filhos pequenos. Transcorre o ano de 1837, quando Nísia Floresta arriba com os filhos de Porto Alegre em direção ao Rio de Janeiro, em meio à Revolução Farroupilha. No ano seguinte, já instalada e ambientada na cidade do Rio de Janeiro, anuncia nos jornais publicados na Corte, pondo à disposição da sociedade o estabelecimento escolar de sua propriedade, o Colégio Augusto, homenagem póstuma ao falecido segundo marido. O primeiro livro tem sua terceira edição publicada em 1839, no Rio de Janeiro. Sua próxima publicação, do segundo livro, Conselhos a minha filha, ocorreu também no Rio de Janeiro, com dedicação a Lívia, por ocasião do seu décimo-segundo aniversário de nascimento. Esse trabalho foi considerado o melhor da sua obra e resultou o mais editado e traduzido em vários países. Em 1845, publica a segunda edição de Conselhos a minha filha, onde acrescenta quarenta pensamentos em versos. O ano de 1847 é fértil em publicações. Os ares da Cidade Maravilhosa, com seus encantos mil, e um ano de recheio inspirador dão-lhe tino para produzir três novos livros: Daciz ou A jovem completa, curta história moralista que é dirigida e oferecida às alunas do colégio; Fany ou o Modelo das donzelas, mote moralista semelhante ao primeiro; e, por fim, Discurso que às suas educandas dirigiu Nísia Floresta. 1849 produziu A lágrima de um Caeté, sob um novo pseudônimo: Telesila. O livro declina 712 versos, que tratam da derrocada do silvícola tupiniquim e abre espaço evocador da situação caótica dos liberais pernambucanos, reprimidos pelo governo central em fevereiro desse ano na luta denominada Revolução Praieira. Nísia Floresta, a dois de novembro, nos Finados, acompanhada dos dois filhos, Lívia e Augusto, parte para Paris, na Europa. A viagem foi motivada para tratamento de Lívia, vitimada por um grave acidente. Antes de partir, deixou escrito no prelo, em Niterói, Rio de Janeiro, dois volumes de um romance historiado: Dedicação de uma amiga. Em janeiro de 1852, Nísia embarca com a prole, em Lisboa, de volta ao Brasil, onde permanecerá por quatro anos. Ao chegar, vende parcelas de alguns pedaços de terra que herdara no Nordeste. No ano seguinte, publica o Opúsculo humanitário, seleta de artigos sobre a emancipação feminina, tenaz contestador da formação da mulher no mundo de então. Na Europa, onde foi bastante traduzido, Augusto Comte, pai do positivismo, apreciou satisfatoriamente a publicação, recomendando-a. Ao fim do primeiro trimestre de 1855, Nísia Floresta publica nas páginas do jornal O Brasil Ilustrado o texto em oito capítulos denominado Páginas de uma vida obscura, reflexões sobre a história de um negro escravizado e a crua exposição do seu pensamento, verdadeiro combate à escravidão. Ainda nesse ano publica no mesmo veículo Passeio ao Aqueduto da Carioca, onde protagoniza, ciceroneando um passeio com um turista pela cidade do Rio de Janeiro. O Brasil Ilustrado, em 31 de março, publica outra obra de sua autoria, O Pranto Filial, expositório da dor pela perda da mãe, e do sentimento de órfão como carrasco afônico, mas vigoroso, de um umbilical que sempre se recria. Também publica um livro de versos: Pensamentos. Em 10 de abril de 1856 Nísia volta para a Europa, deixando aqui o filho Augusto Américo, que ficou estudando. A escritora recebe em sua casa Augusto Comte. É desse mesmo ano a correspondência trocada por eles, num total de catorze missivas. Em cinco de setembro de 1857, Augusto Comte falecia. Nísia Floresta foi uma das quatro mulheres que acompanharam o cortejo fúnebre até o cemitério Pére Lachaise. Por alguns anos, ela permaneceu longe dos holofotes; pouco ou quase nada se falou de sua vida nesse lapso. Voltou ao Brasil em 1872. Joaquim Nabuco estava em plena campanha do exercício pela Abolição. Nessas bandas, um tanto incógnita, Nísia permaneceu até 1875, quando envidou viagem de retorno para a Europa, desembarcando na Inglaterra, onde sua filha a esperava. Após alguns meses de permanência inglesa, seguiu para Lisboa, onde estava residindo. Nísia, em pouco tempo, transferiu sua residência para Rouen, e em seguida para Bonsecours, interior da França. Em 1878, publica seu último trabalho: Fragments d’um ouvrage inédit: notes biographiques. Nísia Floresta permaneceu na França até o dia de sua morte, por pneumonia, às nove horas da noite do dia 24 de abril de 1885, em Rouen. Foi sepultada no cemitério de Bonsecours, onde seu corpo repousou desconhecida e anonimamente por 69 anos. Em 1954, o Rio Grande do Norte clamava o descobrimento de seu paradeiro, sempre querendo trazer seus restos à terra natal, Papari, atual município de Nísia Floresta, ao sul de Natal. Coube ao jornalista Orlando Dantas, diretor do Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, descobrir o paradeiro de Nísia, após esforço hercúleo de pesquisa laborado por ele próprio. A revista Cadernos do Rio Grande do Norte, nº 3, de 1972, estampa uma fotografia de Orlando Dantas junto ao túmulo de Nísia, em Bonsecours, na França. A descoberta era realmente um achado. Logo se tratou da repatriação dos restos mortais da escritora, e o Estado de Pernambuco se fez representado pela Academia Pernambucana de Letras, ao lado de sua congênere do Rio Grande do Norte, juntas nesse esforço coletivo. Chegam às Docas do porto do Recife os restos mortais de Nísia Floresta. O desembarque foi demorado, empacou na burocracia desmedida, que, em parte, não estava cumprida. Presumia-se faltar algum memorando, daqueles do tipo que não servem de nada, a não ser para o lixeiro. De Natal parte para Recife Paulo Pinheiro de Viveiros para tratar do assunto, na qualidade de presidente da Academia Norte-Rio-grandense de Letras, onde dirigia a Casa de Henrique Castriciano com grande eficiência e brilho intelectual. As dificuldades alfandegárias só aumentavam. Era mister telegrafar para o Presidente Café Filho, na capital brasileira, o Rio de Janeiro, para desatar o nó público que entravava o desembarque do corpo de Nísia. Nesse sentido, foi dirigido ao presidente um telegrama redigido pelo escritor pernambucano Nilo Pereira, imediatamente respondido. As providências imediatamente foram tomadas. O desembarque se deu tranquilamente, mas o que desceu do navio não foi uma urna funerária, como se esperava. Desceu, sob guarda de honra, um ataúde. Fazia sessenta e nove anos do passamento de Nísia, falecida em 1885. Quase setenta anos, portanto. Era estranho, muito estranho, tudo aquilo. O caixão foi levado diretamente para a Academia Pernambucana de Letras. O velório foi aberto à visitação pública. A imprensa, operosa, destacou o acontecimento. Conta Nilo Pereira: “No nosso salão lá estava o ataúde de ébano, com as velas crepitantes, como se o enterro estivesse prestes a sair. Numa noite – da meia-noite que “apavora”, como no poema “O Corvo“, de Edgar Allan Poe, na tradução de Machado de Assis – resolvemos, Paulo Pinheiro de Viveiros e eu, abrir o caixão. A sala estava fechada. Com a ajuda de Nestor de Lima, funcionário da Academia e do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, levantamos a tampa do caixão; havia outra de chumbo, que também abrimos. Lá estava ela, a escritora, que decerto fora embalsamada, um tanto reclinada, os cabelos longos, a cor macerada. Um cheiro de mofo – o cheiro das múmias – evolava daquele segredo quase centenário. Estava ali a mulher que tanto brilho havia dado ao seu século. A Academia Pernambucana de Letras, que recebia a escritora de volta à terra de origem, designou-me para acompanhar seu corpo e falar em nome da ilustre Casa de Carneiro Vilela nas homenagens que estavam sendo organizadas em Natal. Ao mesmo tempo que o presidente Café Filho ordenava que o corpo de Nísia Floresta fosse entregue à Academia Pernambucana de Letras, providenciava que uma corveta, surta no porto, a conduzisse até Natal, onde chegou no dia 11 de setembro de 1954. Ao descer o corpo no porto de Natal, onde me encontrava desde cedo, a multidão exclamava: – Um caixão! Na cidade de Nísia Floresta, o corpo foi para a igreja, pois o mausoléu havia sido preparado para uma urna funerária… Só depois a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, por iniciativa do seu presidente, o escritor Manuel Rodrigues de Melo, que é um Quixote na luta pela causa a que vem servindo com tanto denodo e tanta visão, mandou construir pela Academia o mausoléu onde repousa a escritora, depois de tanto peregrinar”.