11) A graduação

Quando me lembro da minha infância e adolescência, a maioria dos pensamentos é sobre as dificuldades que enfrentei naquela época. Não foram de fato dias felizes. Não tenho saudade de tantas adversidades, tenho gratidão por tê-las superado.

A época em que fiz faculdade foi da mesma forma permeada por angústias. Recentemente, reencontrei meu orientador do Projeto Final da graduação e contei como está minha vida hoje. O comentário dele foi: “Que bom saber que você encontrou o seu caminho. Lembro que naquela época você vivia uma crise de identidade, não era?”

Fiquei surpreso ao ver que ele se lembrava até dos sentimentos que eu tinha dez anos atrás. Demonstra que ele gosta de mim. A tal crise de identidade que ele se referiu é porque eu não gostava do curso que eu fazia e vivia em busca de novos caminhos. Mal sabia ele que minha angústia vinha de questões mais profundas da minha vida.

Ele era para mim um ótimo conselheiro: experiente, atencioso, prático e franco. Foi uma pena ter contado com o seu apoio apenas no último ano da graduação. Entre seus vários conselhos, disse que eu deveria fazer pós-graduação em Engenharia de Produção. Mas guardei bem guardado, lá no fundo da minha cabeça, mais este conselho, porque de imediato, não entendi ou talvez não enxerguei direito o caminho.

Passei no vestibular sem precisar fazer cursinho e ingressei na Universidade antes de completar os 18 anos. Assim, com 21 anos já estava formado. A tenra idade tem suas vantagens, mas também nos obriga enfrentar as situações da vida sem a maturidade necessária.

Prestei Ciência da Computação porque gostava de matemática. O curso era também promissor em relação à carreira e salário. Antes do vestibular, eu não tinha a quem recorrer para pedir conselhos sobre faculdade. Ninguém na minha família era graduado.

Nos primeiros anos, enquanto cursava as disciplinas básicas – relacionadas a Matemática e Física –, senti sim dificuldade mas eu enfrentava tranquilamente, diferentemente dos meus colegas, que não gostavam de Cálculo e não viam a hora de chegar as disciplinas específicas de computação. A partir do terceiro ano, a coisa se inverteu. Eu os via felizes e realizados, virando a noite no computador fazendo os trabalhos, e eu, mal conseguia entender o que era para ser feito. Falta de afinidade total com a área. Sofrível demais.

Havia descoberto então do que eu não gostava. Porém, ainda não havia encontrado o que eu gostava. Uma busca incessante e desgastante. Frequentei disciplinas extracurriculares nos cursos de Matemática e Engenharia de Alimentos. Chegava a ter repúdio das matérias de computação.

Depois de muito refletir, decidi não jogar fora o que já havia estudado. Decidi terminar o curso, mesmo aos trancos e barrancos, e encontrar uma pós-graduação que me agradasse. Mesmo com toda essa dificuldade, consegui terminar o curso no tempo regular de quatro anos.

Nesta época, eu enfrentava também diversas outras dificuldades – pessoais e circunstanciais. O meu complexo de inferioridade estava no auge, aliado à insegurança, timidez e neuroses. Me sentia fora de contexto. Não gostava de sair, não me enturmava com os colegas. Em termos sociais, não vivi a faculdade, apenas passei por ela.

Eu dedicava todo o meu tempo e minhas preocupações às atividades da Gakkai. Chegava a levar os livros do Gosho comigo à faculdade e também os impressos Brasil Seikyo e Terceira Civilização. Eu adorava participar das reuniões. Preferia mil vezes estudar o Budismo à computação. Se eu pudesse, não faria mais nada, a não ser atuar na Soka Gakkai. Ainda bem que hoje tenho mais clara a forma como devo cumprir a minha missão.

Porém, por ser tão ocupado com a Gakkai, não tinha tempo nem ânimo para me dedicar às atividades da Universidade, seja em comissões de eventos, congressos, pesquisas de iniciação científica, ou mesmo às festas e diversões.

Lembro-me que dos quatro anos, fui apenas a uma única festa: a tradicional “chopada” que acontecia todos os anos. Fui apenas no último, por desencargo de consciência e pela insistência de uns poucos colegas mais próximos. Da mesma forma, apenas “fui”, não vivi, não curti.

Nos primeiros anos da faculdade, eu ia de ônibus. Depois, meu pai comprou um carro pra mim – um Fiat 147, muito velho, danificado, com problemas na lataria e no motor. Uma verdadeira lástima. Sobre carros, vou deixar para detalhar em outra ocasião, porque dá o que falar. Só sei que na faculdade, eu tinha muita vergonha desse carro...

Se eu tinha vergonha de tudo – do meu carro, do meu desgosto pelo curso, da minha falta de vontade de ir a festas, da minha casa, de mim mesmo –, como eu conseguiria arrumar uma namorada? Outro ponto de angústia. O sentimento era de que ninguém me queria, de que eu não era nada.

Eu havia tido apenas a experiência de um namorico de dois meses aos 16 anos. E em todas as épocas em que estive sozinho, ficava muito mal, sentia-me rejeitado.

Com quase 19 anos, uma garota pôs suas garras de fora para ficar comigo. Ela era dois anos mais velha, era independente, já trabalhava. No início, não acreditei porque, ora, se ninguém me queria, por que ela, que era tudo aquilo e muito bonita, ia me querer? E quis. Ficamos, namoramos, me apaixonei, me perdi, sofri. Segui todo o processo natural.

Vivi momentos muito bons ao seu lado. Mas também aprendi muito, a duras penas. Passei pelo que tinha que passar. Vivi todas as lições, como todo mundo, errando e acertando.

Como meus amigos sempre namoravam meninas da faculdade, a pergunta “que curso ela faz?” exigia uma resposta que pra mim era incômoda: “ela ainda não faz faculdade, ela trabalha”. Hoje sei que é bobeira. Mas antigamente muito mais bobeiras me faziam sofrer. Também o fato dela ser mais velha, quando estávamos entre os colegas da faculdade, eu tinha a impressão que ela também não se encaixava no contexto.

Quando terminamos o namoro, depois de mais de um ano e meio, foi traumático. Tudo bem que o relacionamento já não estava mais tão empolgante. Mas ocorreram episódios muito desagradáveis, inenarráveis até.

Além de tudo isso, o fato do curso ser em período integral, me impedia de trabalhar, ter meu dinheiro. Minha família passava por severas dificuldades financeiras. Ainda por cima, muita gente criticava: “é pobre, mas quer dar uma de rico só estudando”. Mas o que me importava era que meus pais, somente eles, me apoiavam e me compreendiam em relação a isso.

Nas férias, eu pegava serviços temporários: em papelaria, mercearia, digitação e outros. E fazia uma poupança, para eventuais despesas necessárias em épocas de aula.

Hoje vejo que todas aquelas adversidades foram uma escola, um treinamento necessário para chegar onde cheguei, para ser o que me tornei e para valorizar cada alegria da minha vida. Como disse no início, não tenho saudade, tenho gratidão e orgulho pelo caminho que construí a partir de uma origem tão humilde.

(Rio Preto, 12/12/2010)

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 29/12/2010
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