O Acaso
Quando a realidade é triste demais, apelamos para nossos sonhos. E para pessoas acima do peso como eu, na verdade gordas (falar assim agride, mas é a verdade), a Internet é perfeita, onde eu podia fugir das exigências e preconceitos desta sociedade tão estranha. Nos chats e no MSN eu podia conversar com diversas pessoas. Podia até brincar de Deus, matando – bloqueando e deletando – as pessoas que não merecem viver no meu mundo.
Apesar de saber disso, nunca gostei de me passar por outra pessoa, entrava nos chats e falava quem eu era de verdade. A conversa, às vezes ficava interessante, às vezes não… Era um passatempo.
Eu já estava ficando cansada de tanta gente enfadonha. Como, num país tão grande pode haver tantas pessoas tão iguais, tão simples, tão… normais? Já não me interessava mais quando começavam a conversa com: “Oi, tudo bem? / O que você faz da vida? / Qual sua idade?”. Chato, chato, chato…
Não posso negar que fiz muitos amigos legais. Havia pessoas com quem gostava de conversar e até sentia falta destas pessoas, mas o que eu realmente queria, porém não procurava, era o que unia minha Barbie e seu Ken quando eu tinha doze anos de idade. Eles ficavam sentados na cama, olhando um para o outro enquanto eu estava na escola, e cresci sonhando com alguém para eu gostar, cuidar, alguém com quem andar de mãos dadas pela pracinha, tomar sorvete juntos, rir de qualquer bobeira e todas as outras babaquices de que toda mulher gosta.
Queria. Muito. Mas não admitia nunca.
Mas nunca vi este amor. Não consegui achar e hoje penso que ele não existe. Não sei o que era, mas deixou de ser sonho e virou utopia.
Um dia normal. Cheguei em casa e não tinha nada para fazer. Liguei o computador, vi alguns e-mails e não tinha nada de bom. Nada novo. Nada interessante.
Mais uma vez entro na sala de gordinhos. Pelo menos lá não havia preconceito. Pelo menos, não muito. Os homens achavam que as mulheres que estavam ali, gordas, seriam todas carentes. Um engano.
Entrei e logo começaram as frases chatas e tão comuns: “Oi”, “Tudo bem?”, “O que faz da vida?”, “Quantos anos?”. Ah, quanta falta de criatividade! Simplesmente não respondia e ficava esperando alguém mais interessante aparecer. Depois de alguns meses entrando em bate-papo eu já estava praticamente desiludida de que fosse encontrar alguém que despertasse meu interesse apenas pelo nick. Era sempre uma decepção.
Milhares de nicks. Olhava a lista mas nenhum me interessava. Um tal de “Homem olhos verdes” começou a puxar assunto. Quase ao mesmo tempo um tal de “CARINHOSO-RJ” (escrito assim, mesmo, em caixa alta, que odeio) começou a falar também.
Papos interessantes, fiz uma analise rápida e dei meu msn aos dois, e lá vamos nós ver rostos, olhos, bocas, jeitos… Tinha sempre minha defesa pronta: se não for legal, deleto, ponto!
“Homem de olhos verdes”, de saída já mostrou o piruzinho, achando-se o máximo. Já estava acostumada com este tipo de gente. “Deletar”. “Deseja também bloquear este contato?” Claro que sim! Pronto, me livrei dele.
Estranhamento o papo com o “Carinhoso”, aquele mesmo, da caixa alta que eu odeio, estava ficando cada vez mais interessante. Um papo legal, com conteúdo, sem apelar para o sexo, que parece ser o único assunto da maioria dos homens que entram em chats.
Com ele era diferente. Percebi que estava à vontade para conversar; o assunto saia fácil, espontâneo. Pensei: “que legal, uma pessoa interessante no chat”. Foram muitas horas de conversa e algumas promessas de que nos falaríamos novamente. E assim foi. Quase todos os dias estávamos lá, batendo papo, falando coisas legais, passando o tempo de uma forma melhor, mais prazerosa.
A cada conversa descobríamos mais afinidades entre nós. E depois de alguns dias ele me disse: “olha, espero que você não fique chateada, mas deixa eu te contar o seguinte: este email é só para pessoas que conheci no chat. Você parece ser legal, então vou adicionar você no meu email oficial. Anota aí.”
Foi ruim, no princípio. Me senti como uma qualquer, mas ao mesmo tempo senti um prazer estranho por ter passado pelo tal ‘filtro’.
E de repente, depois deste elogio torto que ele me fez, passei a ficar mais interessada nele. Eu queria experimentar uma sensação nova: pegar e não me apegar. Praticar o que o homem faz tão bem e a mulher acha que consegue. Só acha, porque na verdade somos todas burras e sempre, sempre, nos envolvemos de alguma forma, nem que seja apenas ficar olhando para a tela, ansiosa para ver a janelinha subir quando a pessoa entra. E quando não sobe vêm a irritação, a tristeza, a frustração… Mas quando sobe, os olhinhos brilham e o coração palpita. Todo o corpo reage de acordo com o que a inocente cabeça feminina pensa: desta vez será diferente.
E a plaquinha subia, eu sentia um frio no estômago, ele me dizia ‘oioi’ e começávamos a conversar. Horas e horas de conversas, sobre todos os assuntos, até que ele começa a falar em um possível encontro: sair para conversar. E eu pensando: “conheço ele faz só alguns dias, por que esta vontade louca de conhecê-lo? Os outros precisaram de meses para despertar vontade em mim, o que está acontecendo, Babi?” Mas a vontade era grande, o medo estava passando longe e adotei a postura “vamos nos ver, sim, e no mínimo seremos amigos”.