DOIS SENHORES: HOLMES E O ESPIRITISMO

“Tenho pensado em matar Holmes... e livrar-me dele para sempre. Ele mantém minha mente afastada de coisas melhores.”

Não é fácil tornar-se imortal sendo um artista, mas sem sombra de dúvida é muito mais difícil - impossível até - livrar-se da arte uma vez consagrado imortal.

A arte é grande e indefinível, é complexa e atraente, é ímpar e dominadora. A arte não é criada pelo artista, ela já nasce com ele, e vai crescendo e amadurecendo, devagar... e se transforma em arte para o mundo apartir daquele embrião humano. A arte, uma vez arte, independe do artista, mas um artista jamais viverá sem ela. É uma típica escravidão indubitavelmente necessária. E sempre a arte é maior que seu “criador”.

Tal coisa ocorre com Arthur Ignatius Conan Doyle, autor do mais famoso detetive: Sherlock Holmes.

Nosso autor nasceu em Edimburgo, na Escócia, em 1859, filho de Charles e Mary Doyle, ambos de ascendência irlandesa.

Em seu início de vida, Doyle não demonstrava interesse à literatura. Ingressou ainda muito jovem na Universidade de Edimburgo para estudar medicina, foi nesse período que conheceu o cirurgião e também professor da Universidade Dr. Joseph Bell, indivíduo que com brilhantes métodos de dedução dava o diagnóstico e até comentava sobre a vida dos pacientes, sem que estes pronunciassem uma sequer palavra. Sem dúvida, este dedutivo professor serviu de grande inspiração para o futuro Sherlock Holmes.

Com o tempo, incentivado pelos conselhos de um amigo que se comunicava com Doyle através de cartas [muito expressivas - dizia o amigo], e também pela instabilidade financeira, Doyle resolve escrever e publica O Mistério de Sassasa Valley em 1879, que antecedeu inúmeros outros contos.

Um dos requisitos para a arte é não fazer proporção de obras para comércio, Doyle quem sabe não sabia disso, talvez por isso seus primeiros contos não tiveram êxito, eram pobres de propósito.

Doyle formou-se e estabeleceu uma clínica lá mesmo na ilha britânica. E foi nas horas vagas em seu consultório que passaria de uma dimensão para outra, isto é, tornar-se-ia um verdadeiro artista - digo isso pelo fato de que ali Sherlock Holmes nascia em Estudo em Vermelho, que estava sendo por ele [Doyle] esboçado. Seguiam assim nesse ritmo uns 30 contos, todos publicados entre 1879 e 87.

Surgia apartir dali uma obra de arte, Holmes, o mais famoso detetive de toda a história. Dono de um olhar que observava com extrema exatidão, nos contos, demonstrava ser o mais esperto e inteligente de todas as criaturas imaginárias ou não. Era dominante, astuto... brilhante. Talvez os leitores liam Holmes porque admiravam o que lhes faltavam, e assim iam se fazendo multidões apaixonadas por aquele homem que nunca saiu do imaginário. Seu nome rodeou o planeta em pleno século XIX. Até a polícia passou a se basear nas aventuras de Holmes contra o crime. É realmente incrível!

Mas o mais interessante de tudo foi como o personagem de Holmes dominou a pessoa de Doyle, e não vice-versa. Se perguntassem: “Quem é Sherlock Holmes”, em menos de dois segundos qualquer pessoa responderia com plena consciência. Mas se perguntassem: “Quem é Conan Doyle”, demorariam um tempo superior a responder, uns nem soubessem, e o que alguns diriam era somente: “o autor de Sherlock Holmes”, daí começariam a falar de Holmes!

Era a revolução da arte “contra” o artista!

E quem era o então observador, Holmes ou Doyle [seu criador]? Holmes, diria eu... e acredito que todas as pessoas responderiam assim, mesmo sendo uma criatura de Doyle! Como é incompreensível a arte! E assim a arte ia escravizando com facilidade o artista... onde já se viu, querer voltar-se a obras clássicas e um personagem do Naturalismo não permitir? Assim como não conceder tempo para coisas melhores decorrentes ao próprio autor?

A revista The Strand Magazine, onde os contos sobre Holmes eram publicados conseguiu um auge financeiro invejável, isso somente porque o público queria ler mais e mais sobre aquele detetive, e quando demorava surgir um conto, pressionavam com a maior naturalidade do mundo. É Doyle... quem mandou pôr na mente do público uma visão ampla de cientificismo e observação apartir de uma eloqüência e atitudes de um personagem? As pessoas são fracas, como são!

A essa altura, vários contos como O Signo dos Quatro, Escândalo na Boêmia, Liga dos Cabeças Vermelhas e O Escândalo das Fadas já haviam sido publicados. Doyle sentia-se na hora de cessar com tudo aquilo, foi aí que enviou à sua mãe uma carta onde destacou a frase que está no cabeçalho deste ensaio, era um pensamento falho - pensou logo sua mãe, e era mesmo!

Em 1893, na Suíça, conhecendo as cataratas de Reichenbach, Doyle escolhe aquele cenário para matar Holmes no conto O Problema Final, publicado o mesmo ano.

Esse acontecimento chocou milhares de pessoas em todo o mundo, e puseram luto desfilando nas ruas de Londres protestando contra a morte de Holmes, queriam seu retorno. O editor da Strand qualificou o episódio como “o terrível evento”, mais de 20 mil pessoas cancelaram suas assinaturas num mesmo instante. Um jovem leitor escreveu a Doyle: “O senhor é cruel”. O que deveria ter passado na cabeça de Doyle àquele instante? O certo é que ficou pasmado.

“A arte nunca morre”, levando pelo lado literal da frase, Holmes não morreu mesmo. Num conto de 1903, em A Casa Vazia, Doyle confessa que Holmes apenas estava se escondendo longos anos da quadrilha do professor Mariarty. O certo é que ele o ressuscitou!

Outros contos sobre Holmes foram publicados no novo século, dentre eles: O Cão dos Baskerville e O Vale do Medo, que segundo alguns críticos, já não traziam o Holmes de outrora.

Mas outras obras foram produzidas por Doyle e diversos assuntos. Podemos destacar sobre a Guerra na África do Sul e sobre o Espiritismo, que já havia demonstrado interesse desde sua saída da escola secundária Jesuítica em sua adolescência.

Naquele período, já havia Doyle perdido suas duas esposas [em períodos distintos] e seu filho mais velho. Resolveu refugiar-se em estudos profundos sobre a seita espírita, e considerou-se um espírita devoto, se entregando completamente, chegou a palestrar a respeito em países como a África do Sul e Austrália. E até sua morte escreveu sobre o espiritismo.

Em sua carreira literária, Doyle chegou a publicar mais de 60 obras. Faleceu em 1930 devido a um ataque cardíaco.

Em todo caso, Doyle foi um artista perfeito, era incrível a sua forma de expressão escrita, tão simples, mais tão fascinante. Até porque Doyle não escrevia para o leitor, ele conversava com o leitor, e ainda conversa cada vez que lemos suas obras. Era de fato perceptível a riqueza de seu talento, havia uma engenhosidade em cada frase narrada, em clareza límpida do estilo da época... era um perfeito contador de história. E por mais que os críticos buscassem erros, não encontravam, e talvez por isso rebatiam contra sua crendice espírita, com razão ou sem razão, mas essa...! bem, já é outra história.

Francisco Wilson Dias Miranda

FW DIAS MIRANDA
Enviado por FW DIAS MIRANDA em 08/07/2010
Código do texto: T2365840
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