As janelas

Dizem que os olhos são as janelas da alma. Foi então por estas janelas que minha alma contemplou a vista da querida cidade de São Carlos hoje de manhã, do décimo segundo andar do prédio onde mora o meu amigo, no centro da cidade.

Contemplei as ruas, os prédios, a Catedral, o obelisco, a Avenida São Carlos, uma espessa neblina ao longe. Vi pessoas transitando, umas mais agasalhadas do que as outras às vésperas do inverno na Capital do Clima. Cada visão me remete a uma recordação. Como já escrevi, sinto que os oito anos que aqui vivi foram mais intensos do que os outros 22 anteriores. Aqui mudei várias vezes e em muitos sentidos.

Hoje foi meu último dia de vínculo formal com a USP. Entreguei a versão definitiva da tese. Foram longos anos de pesquisas e descobertas, caminhos trilhados que jamais se repetirão.

Uma vez ouvi de uma líder que quando vamos para uma cidade estudar, criamos um débito com a localidade. Porque vamos para lá para absorver conhecimento, para nos tornarmos melhores e mais capacitados e muitas vezes, depois disso, nos mudamos novamente. Voltamos à nossa terra de origem ou rumamos para um novo lugar. A mesma líder completou que a melhor forma de saldar este débito, é empenharmo-nos pela felicidade das pessoas da localidade.

Foi o que fiz. Desde o primeiro dia até o último instante, dediquei-me, fazendo o melhor que pude, para atuar em prol da paz e felicidade da terra que tão bem me acolheu e de forma tão emocionante me desejou “boa viagem”. Claro que eu poderia ter feito mais. Obviamente tive muitas falhas. Mas isso não tira a tranquilidade da minha consciência de ter me dedicado integralmente à minha missão.

Voltando a falar das janelas, quando eu morava em Rio Preto, uma das minhas maiores vontades era ter um quarto com uma janela que desse para fora, por onde entrasse sol e ar puro. Até então, meu quarto era escuro, quente e com pouquíssima ventilação. São Carlos me proporcionou muitas janelas por onde entraram novos ares e iluminação.

Conheci diversas janelas mostrando novos mundos de oportunidades e paisagens nunca antes imaginadas, que fizeram minha mente se expandir, meu coração se transformar e minha vida tomar rumos muito diferentes da trajetória linear projetada. Quanta gratidão...

Hoje pude mais uma vez contemplar a vista da janela do laboratório da USP, onde trabalhei por anos a fio e até altas horas. Foi esta janela que tantas vezes me ofereceu brisas refrescantes quando minha mente estava sufocada, espremida.

Quantas vezes, no segundo semestre de 2002, não apreciei aquela paisagem urbana, esperançoso por uma vaga no mestrado? Porque mesmo antes de ingressar na USP, eu já ia lá estudar e cursei uma disciplina sem estar matriculado.

Quantas vezes, no início do mestrado, não olhei por aquela janela, almejando conseguir uma bolsa para poder me dedicar integralmente à pós-graduação? Quantas vezes não recorri à mesma janela em busca de uma solução para o problema que eu estava tratando na pesquisa? Porque quando meus olhos cansavam da matéria ou da tela do computador, era por essa janela que eles fitavam o horizonte e me faziam desenhar em minha mente um futuro grandioso.

Sim, é uma janela que me traz recordações reconfortantes tanto quanto o alento que me ofereceu nos momentos em que meu coração estava apertado.

Todas as janelas da minha vida me fizeram ver o quanto o mundo é grandioso e o quanto a vida é preciosa para ser desperdiçada mantendo-a trancada sob os cadeados do medo, da insegurança, da timidez e falta de autoconfiança. Foram as janelas que mostraram como se usa a chave das portas. Porque, tal como as janelas, uns vêem “portas fechadas”, outros “portas esperando serem abertas”.

As janelas vislumbram a imagem para onde nos conduzirão as portas que serão abertas.

(São Carlos, 11/06/2010)

ps: geralmente não publico o texto no mesmo dia em que escrevo para poder revisá-lo, mas este é diferente...

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 11/06/2010
Reeditado em 11/06/2010
Código do texto: T2314628
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