Otto Lara Resende

Otto de Oliveira Lara Resende nasceu no dia 1°. de maio de 1922, numa casa na Rua da Matola, 9, em São João del Rei, Minas Gerais, e faleceu em 28 de Dezembro de 1992.

Seu pai, Antônio de Lara Resende, era professor, gramático e memorialista, além de legítimo representante da Tradicional Família Mineira (TFM). Casado com D. Maria Julieta de Oliveira teve 20 filhos, dos quais Otto era o quarto.

O longevo professor — morreu em 1988, com 94 anos de idade — fundou seu próprio colégio em São João del Rei, o Instituto Padre Machado, que teve como aluno, entre outros, o futuro escritor João Guimarães Rosa. O Instituto foi transferido para Belo Horizonte quando a família para lá se mudou, em 1938. Tempos depois, foi entregue ao controle dos padres barnabitas.

Foi em 1938, através de Benone Guimarães, um dos professores do colégio, que Otto fez contato com alguns autores cujos livros o acompanharam por toda sua vida. No colégio estreou como jornalista, tendo desempenhado as funções de "gerente", eleito por voto secreto, do jornalzinho feito pelos alunos.

O professor Benone dirigia o jornal, orientava os colaboradores e exercia as funções de copidesque, pois não permitia de forma alguma a publicação de algo que julgasse impróprio. Com ele, tiveram início as agruras de Otto Lara na imprensa. Não se vendo nos textos publicados, após terem sido alterados pelo rígido professor, o autor chegou a inventar um pseudônimo, que mais era um trocadilho do que qualquer outra coisa:

Oh Tu!

Foi através do professor e orientador que teve contato com o Boletim de Ariel, a revista literária dos anos 30, e com a obra de Agripino Grieco, do qual se tornou admirador.

Segundo Otto, foi aí que resolveu ser escritor. "Eu estava convencido de que tinha vindo ao mundo para escrever, para lutar com as palavras, por mais vã que fosse essa luta".

Também por influência de Benone, tornou-se um leitor voraz de Machado de Assis. "A descoberta de Machado de Assis, de sua visão cética, amarga, de sua ironia, de seu sense of humour, desvendou um mundo para mim. Aos catorze, quinze anos, eu talvez fosse mais amargo e mais pessimista do que Machado...".

Nessa época, para deslumbramento do jovem escritor, Alceu Amoroso Lima, ou Tristão de Athayde, famoso autor e pensador católico, vai até São João del Rei para proferir uma conferência no Centro Dom Vital, organização de direita católica da qual seu pai fazia parte, e faz uma visita à sua casa. Vê-lo de perto, engalanado com seu fardão da Academia Brasileira de Letras, levou Otto a constatar que é possível ter duas caras: "Uma convencional, acadêmica e fardada; outra, jovial, humana e simpática".

Seguindo os passos de seu pai, aos 14 anos o biografado já era professor de Francês, que aprendeu por conta própria.

Vale lembrar que, com a Revolução de 30, Minas assumiu o poder cultural do país. Getúlio Vargas nomeou Gustavo Capanema para dirigir sua política educacional e cultural, colocando-o à frente do Ministério da Educação e Saúde Pública. Com carta branca do governo, o Ministro fez sua própria revolução no empoeirado meio cultural da época. Cercou-se de mineiros, nomeando Carlos Drummond de Andrade como seu chefe de gabinete. Tido como comunista, o poeta não era muito benquisto pela nata da sociedade conservadora, incluindo-se aí os velhos mandarins dos círculos literários oficiais e os representantes da direita católica. Outro mineiro levado por Capanema ao Ministério foi o escritor e jornalista Rodrigo Melo Franco de Andrade, que foi o criador, em 1937, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Ajudou-o nessa tarefa o escritor paulista Mário de Andrade, que se tornou uma espécie de mentor e orientador intelectual do grupo de jovens mineiros de que Otto fazia parte.

Em 1938 Otto, no esplendor de seus 16 anos, muda-se com a família para Belo Horizonte, onde morou por sete anos.

"Na carreira literária a glória está no começo. O restante da vida é aprendizado intensivo para o anonimato, o olvido", disse Paulo Mendes Campos, que já era conhecido do biografado desde os tempos de São João del Rei. Numa Belo Horizonte pequena, com menos de 200.000 habitantes, cuja população era oriunda de outras cidades mineiras que para lá — como a família Lara Resende — havia se mudado em busca de novas oportunidades, o biografado inicia sua carreira literária.

Naquela época, o poema "No meio do caminho", de Drummond, ainda provocava escândalo. A Tradicional Família Mineira (TFM) e a Igreja, esta representada pelo poderoso arcebispo dom Antônio dos Santos Cabral, exerciam forte patrulha sobre a população.

Otto, que havia nascido com vocação para a galhofa, era um jovem esperto e aplicado. Lecionava Português e Francês no Instituto Padre Machado, do qual era um dos herdeiros, o que levava a crer que seguiria a carreira de professor.

Conhece Fernando Sabino e juntos aderem à causa do escotismo, face ao incentivo da respeitada educadora Helena Antipoff. Nascida na Rússia, a fundadora dos institutos Pestalozzi, após algum tempo no Rio de Janeiro mudou-se para Minas, em 1920, e acabou por transformar-se em uma autêntica mineira.

Freqüenta, com Paulo Mendes Campos, velho conhecido, o curso de inglês. Juntou-se ao grupo Hélio Pellegrino, futuro psicanalista de renome. Os quatro, amigos por toda a vida, formaram o mais célebre quarteto que o Brasil já conheceu. Nas palavras de Otto, os "adolescentes definitivos". Amantes ardorosos da literatura, eram também portadores de feroz sentimento antifascista.

Passando do campo das idéias para o campo das ações, Otto e Hélio, com o suporte financeiro de alguns políticos, entre eles Afrânio de Melo Franco, publicam e distribuem clandestinamente o jornal "Liberdade", contra o Estado Novo. Além de Wilson Figueiredo, outros jovens se juntaram à dupla, cabendo citar Sábato Magaldi, Autran Dourado e João Etiene Filho. Este último teve grande influência na formação intelectual dos "Quatro Mineiros".

Além de professor, a partir de 1939 o autor aceita um convite para trabalhar no Serviço do Imposto Territorial da Secretaria de Finanças de Minas. "Sempre fui funcionário, que fatalidade" — diria ele anos depois. Dessa época vem a amizade com o jornalista Carlos Castello Branco, o "Castellinho", vindo do Piauí para estudar Direito na capital mineira e que trabalhava no jornal "Estado de Minas".

Aos dezoito anos, começa a trabalhar como jornalista no periódico "O Diário", de Belo Horizonte, ao mesmo tempo em que é professor, funcionário público e estudante de Direito. Sua estréia na imprensa, em 1940, se dá com o artigo "Panelinhas literárias". Dai por diante nunca mais deixou de ser jornalista, tendo chegado a editar o suplemento literário do "Diário de Minas". No Rio, anos depois, trabalhou no "Diário de Notícias", "O Globo", "Diário Carioca", "Correio da Manhã", "Última Hora", "Manchete", "Jornal do Brasil" e "TV Globo". Morreu como cronista do jornal "Folha de São Paulo".

O biografado dizia ter tido sorte de ter virado jornalista num momento em que as mudanças começavam a acontecer na "lerda e acolhedora" capital mineira. Já com Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação e Saúde Pública, outro mineiro se sobressai no âmbito regional: Juscelino Kubitschek de Oliveira, nomeado prefeito de Belo Horizonte pelo interventor Benedito Valadares. Com menos de 40 anos, Juscelino era o único alvo visível quando se queria atingir o Estado Novo, e assim "Os quatro mineiros" agiram. Surpreendidos com a visita do prefeito à mesa onde, entre cafezinhos, discutiam sobre política e literatura, na leiteria "Nova Celeste", fizeram questão de demonstrar a Juscelino não era bem-vindo. Hélio Pellegrino, em especial, aproveitou a oportunidade para um ajuste de contas com o Estado Novo. Juscelino ouviu, com tranqüilidade, o inflamado Hélio e, vendo que ali não teria espaço para expor suas idéias, levantou-se de repente dizendo: "Entrego os pontos", e foi-se embora.

Entre outras realizações, Juscelino promoveu uma espécie de feira cultural — conhecida como "semaninha" — que pretendia ser um reprodução, em tamanho menor, da Semana de Arte Moderna de 1922. Nela, Otto e amigos tiveram oportunidade de conhecer Oswald de Andrade. Seu irmão, Mário, já mantinha, nessa época, correspondência com Fernando Sabino, tendo conhecido, depois, os outros membros do grupo.

Em 1945, já formado em Direito, Otto muda-se para o Rio de Janeiro, onde já moravam seus amigos Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Vai trabalhar como repórter no "Diário de Notícias". Ao mesmo tempo, permanecia em seu emprego público, tendo em vista que, não se sabe como, havia conseguido a transferência de sua matrícula para o Rio. Depois de servir em diversas secretarias, é nomeado, em 1960, procurador do Estado da Guanabara.

Otto tinha o talento de colecionar e cultivar amizades. Além dos velhos amigos mineiros de infância, logo conquistou Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Rubem Braga, João Cabral de Melo Neto, Carlos Lacerda, Samuel Wainer e muitos outros mais.

Em 1946, começa a namorar Helena, filha de Israel e neta do ex-governador de Minas, João Pinheiro. Casa-se em 1948, na Igreja do Mosteiro de São Bento, no Rio. Ficaram casados por 44 anos e tiveram quatro filhos: André, Bruno, Cristiana e Heleninha.

Considerava-se "casadíssimo" e não se cansava nem se envergonhava de alardear seu amor pela família. "Como pai, me considero, modéstia à parte, uma mãe exemplar", dizia ele. Levava os filhos à missa dominical, cortava-lhes as unhas, acompanhava o andamento de seus estudos na escola.

Helena leu, antes dos amigos, seus primeiros trabalhos literários. Seu primeiro livro de contos, "Lado Humano", é lançado em 1952 pela "Editora A Noite".

Cinco anos depois, em 1957, a "Editora José Olympio" publica seu segundo livro de contos, "Boca do Inferno". Consta que, logo após seu lançamento, o autor saiu, de livraria em livraria, recolhendo os exemplares, insatisfeito com sua publicação. Se ele ficou insatisfeito, seu pai ficou mais ainda. Em carta, deu um puxão de orelhas no filho, embora já estivesse com 35 anos. Outra reclamação veio de Heráclito Sobral Pinto, militante católico.

Trabalhava na revista "Manchete" nessa ocasião, já há três anos, tendo iniciado como redator-chefe e depois como diretor. Otto cativou Adolpho Bloch, dono da publicação, com sua conversa e, segunda consta, teria Adolpho proposto a ele que construíssem um mausoléu comum, para que ele pudesse continuar ouvindo as histórias do biografado pela eternidade afora. A revista, nas mãos de Otto, melhorou. Levou para lá o artista plástico mineiro Amílcar de Castro, para cuidar da parte gráfica, e colaboravam Rubem Braga, Lúcio Rangel, Flávio de Aquino, Darwin Brandão e Irineu Guimarães, entre outros.

Alegando estar à beira da estafa, e ainda sob o impacto do lançamento do livro "Boca do Inferno", se demite da "Manchete" e parte com a família para a Bélgica, onde vai exercer as funções de adido cultural brasileiro junto à Embaixada em Bruxelas. Com isso, não teve o desprazer de ver o fim do escândalo: segundo Autran Dourado, a porta do apartamento de Otto aparece coberta de fezes, obra, talvez, da "filial" carioca da TFM.

Terminado, em 1960, o mandato de Juscelino, o escritor, contra a vontade, volta ao Brasil. Sua mulher, Helena, o convence a cancelar contrato já assinado com a UNESCO e a retornar ao Rio de Janeiro. Cheio de dúvidas quanto a seu futuro e a profissão que iria exercer, sente-se completamente perdido. Disse: "Caí em depressão. Fui para a Procuradoria como advogado substituto". O destino acaba levando-o para o Banco Mineiro da Produção, onde exerceu, por curto período, o cargo de diretor, nomeado pelo amigo Magalhães Pinto, à época governador de Minas Gerais.

José Aparecido de Oliveira, secretário de imprensa do recém empossado Presidente Jânio Quadros, convence-o a fazer do escritor um membro de sua equipe. Mesmo contra sua vontade foi nomeado, à revelia, coordenador da Assessoria Técnica da Presidência. Não chegou a tomar posse, pois logo Jânio renunciou.

Os dias tumultuados que se seguiram fizeram com que Otto fosse chamado pelo amigo Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, para redigir uma declaração que esclarecesse a posição do governador em relação à posse do vice-presidente João Goulart, o Jango. Consta desse documento uma pérola de exemplo da posição "em cima do muro" escrita por Otto: "Minas está onde sempre esteve".

Anos depois, Otto declarou ser, à época, a favor da posse de Jango, tanto que, nada tendo contra ele, a pedido do amigo Jorge Serpa, havia montado uma entrevista (as perguntas e respostas) publicada pela revista "Manchete" pouco antes da deposição do presidente pelos militares. Carvalho Pinto, ministro da Fazenda, não concordou com as declarações de Jango (que na verdade eram de Otto) e demitiu-se.

Seria chamado novamente, em 1964, pelo governador mineiro, para escrever uma carta a João Goulart alertando-o dos riscos da agitação no campo. Dias depois, no Rio, sem saber de nada, João Pinheiro Neto, ministro de Jango, solicita a Otto o favor de escrever uma carta em resposta àquela que Jango havia recebido do governador de Minas Gerais.

Assume a função de editorialista do Jornal do Brasil. Funda, com Rubem Braga e Fernando Sabino, entre outros amigos, a Editora do Autor. Por ela são publicados "O retrato na gaveta" (1962), "O braço direito" (1963). Em 1964 escreveu "A cilada", um conto sobre a avareza no livro "Os sete pecados capitais", publicado pela Civilização Brasileira, em companhia de Guimarães Rosa (soberba), Carlos Heitor Cony (luxúria), Mário Donato (ira), Guilherme Figueiredo (gula), José Condé (inveja) e Lygia Fagundes Telles (preguiça).

Disse Nelson Rodrigues: "A grande obra de Otto Lara Resende é a conversa. Deviam pôr um taquígrafo atrás dele e vender suas anotações em uma loja de frases". O relacionamento dos dois merece um capítulo especial. Conheceram-se na redação de "O Globo" e a todos espantava o fato de terem se tornado amigos, pois eram pessoas completamente diferentes. Nelson tinha uma vida sentimental tumultuada, enquanto Otto era o exemplo do bom cristão, voltado para a família, um intelectual cuja literatura mesclava prazer, dever e até tortura. Um escritor medido, perfeccionista. Nelson era um vulcão. Escrevia aos borbotões, sem que aparentemente houvesse por trás um projeto literário ou um método.

Nelson adorava pôr amigos (e inimigos também) como personagens em suas peças, crônicas e romances. Aproveitava a oportunidade que seus livros lhe davam para pôr casualmente na boca de personagens, inventados ou não, o que gostaria de dizer por própria conta.

Otto tornou-se um dos personagens da predileção do dramaturgo. Citado em "Asfalto selvagem" (que tem como subtítulo "Engraçadinha, seus amores e seus pecados") e em crônicas, culminou por ser "homenageado" e ter uma peça com seu nome: "Bonitinha mas ordinária ou Otto Lara Resende". O biografado, para sua surpresa e desgosto, figurou escandalosamente em cartazes e no letreiro do Teatro Maison de France, no Rio de Janeiro, em 1962, quando a peça estreou e ficou em cartaz por cinco meses. O nome do escritor é citado 47 vezes pelos atores.

O homenageado detestou a brincadeira. Em represália, não foi assistir ao espetáculo. Com o tempo, o caso foi esquecido e os dois continuaram bons amigos até o fim.

Em 1967, estréia seu programa "O pequeno mundo de Otto Lara Resende" na "TV Globo". Uma participação diária de 60 segundos, onde falaria sobre os acontecimento do dia. Sua maior dificuldade foi a de adaptar-se ao tempo disponível, já que adorava falar pelos cotovelos.

Ainda naquele ano, Otto despede-se temporariamente do "Jornal do Brasil" e da "TV Globo" e muda-se com a família para Portugal, onde residiria por dois anos, exercendo as funções de adido cultural junto à nossa Embaixada naquele país, em pleno governo Costa e Silva. Lá nasceu sua filha mais nova, Heleninha, a temporã que deixou o escritor, então com 45 anos, deslumbrado. Dizia que ter filhos após os 40 era uma beleza. "Consegui ser avô de minha filha e pai de minha neta, eliminando a intermediação antipática do genro".

Quando retornou ao Brasil, em 1969, não trazia consigo nenhuma crise profissional. Só a alegria de um pai extemporâneo. Voltou a trabalhar no "Jornal do Brasil", agora como diretor. Foi de extrema importância sua atuação junto à autoridades que detinham o poder, pois era obrigado a lidar com a censura, atos institucionais, desmandos e tudo o mais que compunham o ambiente da época.

Saiu do "Jornal do Brasil" em 1974 e, logo depois ingressou nas organizações "Globo".

Em 1975, publica o livro de contos "As pompas do mundo".

Em 03 de julho de 1979 é eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Toma posse em 02 de outubro do mesmo ano, na cadeira 39, vaga com a morte de Elmano Cardim, em solenidade concorridíssima onde estiveram presentes — fato inédito — seus pais. Apesar de não ter sido um acadêmico exemplar, pois comparecia muito pouco às reuniões, segundo colegas, Otto levou um pouco de graça e brilho à vetusta Academia Brasileira de Letras.

Após ter trabalhado por dez anos nas organizações "Globo" (1974/1984), foi demitido sem saber porquê. A verdade é que tal fato o deixou abaladíssimo. Durante seis anos remoeu essa mágoa e, em 1991, voltou a brilhar em nova fase profissional, quando foi contratado pelo jornal "Folha de São Paulo" como colunista.

Seu retorno põe fim a um período difícil em sua vida. Angustiado, queixava-se da falta de dinheiro e dizia não estar satisfeito com a vida que viveu até então. Deixou a barba crescer, começou a beber além de seu normal e, profundamente deprimido, chegou a se trancar em seu escritório e não participar da passagem de ano com sua família.

Em maio de 1985, um grupo de amigos liderados por José Aparecido de Oliveira, então governador de Brasília, movimentou-se para tirar o escritor da reclusão em que se encontrava, mediante sua nomeação para o cargo de Ministro da Cultura do governo José Sarney. Tudo parecia acertado. Sarney ligou para Otto e formulou o convite. Ele não disse nem que sim e nem que não. Viajou para Petrópolis e depois para Tiradentes (MG) e nunca mais tocou no assunto.

Como se não bastasse, no início de 1989, Otto atropelou uma criança na movimentada Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, quando voltava de sua casa de veraneio, em Petrópolis. O escritor prestou-lhe imediato socorro, mas o menino morreu. Ficou comprovado que não teve nenhuma culpa no infausto acontecimento. Em novembro do mesmo ano, seu apartamento foi assaltado e os ladrões levaram tudo o que existia de valor na casa.

Seu velho conhecido, o jornalista Janio de Freitas, vem de São Paulo com a tarefa de convidar Otto a participar do grupo de articulistas do jornal "Folha de São Paulo". Apesar da má vontade externada pelo escritor em aceitar, Janio sentiu que com um pouco de insistência o acordo seria fechado. Veio, então, ao Rio, o editor-executivo da Folha, Matinas Suzuki Jr., para fechar o negócio. A proposta era um desafio: escrever crônicas em seis dias da semana, com não mais de 30 linhas datilografadas. Tudo acertado, o primeiro artigo, publicado no dia 1° de Maio, quando completava 69 anos, intitulava-se "Bom dia para nascer". Ou renascer, como diriam alguns.

A coluna, como não poderia deixar de ser, teve grande aceitação e o número de leitores — e em especial, de leitoras — cresceu sensivelmente. Logo estaria entre os três colunistas mais lidos do jornal. O sucesso, como era da personalidade de Otto, lhe trouxe felicidade e tormento. Apesar de sua bibliofobia crônica, publicou mais um livro, "O elo partido e outras histórias". Escreveu quase 600 crônicas no período em que lá esteve, de Maio de 1991 a novembro de 1992.

Deixa o jornalismo aos 70 anos e, logo em seguida, a vida. Internado para uma operação sem importância, falece inesperadamente aos 28 de dezembro de 1992, segundo os médicos de "embolia pulmonar" mas, segundo a família, de infecção hospitalar.

Em 1992, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro homenageou o escritor dando seu nome para uma pracinha no bairro do Jardim Botânico.

O acadêmico Josué Montello, em fala ressaltando as qualidades do amigo falecido, citou os dois versos em que Afrânio Peixoto resumia sua própria biografia: "Estudou e escreveu./Nada mais lhe aconteceu".

Nos tempos de juventude, numa brincadeira, Fernando Sabino fez a seguinte quadrinha para adornar a lápide de Otto:

Aqui jaz Otto Lara Resende

mineiro ilustre, mancebo guapo.

Deixou saudades, isso se entende:

Passou cem anos batendo papo.

Bibliografia:

- O lado humano (contos, 1952)

- Boca do inferno (contos, 1957 e 1998)

- O retrato na gaveta (contos, 1962)

- O braço direito (romance, 1964)

- A cilada (conto, 1965, publicado em "Os sete pecados capitais)

- As pompas do mundo (contos, 1975)

- O elo partido e outras histórias (contos, 1991)

- Bom dia para nascer (Crônicas na Folha de S. Paulo, 1993)

- O príncipe e o sabiá e outros perfis (História, 1994)

- A testemunha silenciosa (Novelas, 1995).

Otto Lara Resende

"Uma criança vê o que um adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que de tão visto ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher. Isso exige às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos.

É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença".

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Milton Nunes Fillho
Enviado por Milton Nunes Fillho em 02/09/2006
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