Sobre o Perdão

Eu nunca tinha parado pra pensar no sentido do Perdão. É uma palavra que usamos tão à toa, que parece até perder seu valor, seu sentido, sua força. E eu sempre me julguei uma pessoa tão fraca para coisas tão superiores. É preciso força para perdoar. Talvez até uma força maior do que para pedir perdão.

Sei lá. Eu ando tão confusa, com os pensamentos tão desordenados, que não consigo expressar verdadeiramente o que sinto. Talvez eu nem saiba verdadeiramente o que sinto.

O grande lance da vida é a gente saber viver. E saber viver, a meu ver, não significa ser feliz apesar de qualquer coisa. Saber viver significa saber administrar bem o que se vive, e viver apesar de... Aliás, já dizia Clarice Lispector "Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de." E isso inclui saber lidar com os conflitos, as frustrações, as tristezas, as intrigas e, também, a felicidade. E felicidade não é tudo, mas é uma parte importante.

Talvez essa desordem de pensamentos nada tenha a ver com o que vim fazer aqui. Mas é que entre as discussões que já tive em vida, algumas mágoas ficaram. E algumas marcas jamais cicatrizarão. E essas coisas devem mesmo ficar marcadas, que é pra gente lembrar o que passou. Porque são as coisas vividas que dão forma ao nosso caráter, à nossa personalidade. E quando estivermos entregues a situações semelhantes... talvez erremos novamente, mas já não nos cabe culpar o outro.

Há algum tempo tive a minha primeira grande discussão em família. Foi a primeira vez que eu me dei o direito de Ser e de Ter voz. De opinar e de me mostrar. Porque o que a gente é está dentro da gente. E nunca me deram liberdade suficiente para me expor. Foi a primeira vez que tive voz, e outras vozes - todas unidas contra a petulância da garota que decidiu Ser - me mandaram calar. E todos me viraram as costas. Eu quase me vi morta. De ódio e solidão. O ódio passou, porque tudo passa. Mas cresceu em mim uma solidão e uma tristeza e um desejo cada vez maior de me enclausurar, de descobrir um mundo novo, só meu, onde eu pudesse deixar as coisas com as cores que o meu coração precisava. E viver lá. Amando tudo que estava tão ao meu gosto.

O ódio passou. A solidão só aumentou. Mas vai passar. Porque tudo passa.

Por muitos anos, eu quase estive morta. E apesar da certeza de que eu não havia ferido ninguém para que merecesse ser ferida e punida daquela forma, pessoas se afastaram de mim e, muitas vezes, ouvi mães aconselharem suas filhas a não andarem comigo, pela influência negativa que eu exercia sobre os outros. Das palavras que marcaram, 'péssima influência' e 'barraqueira' são as marcas maiores da injustiça que senti, só por ser a garota que decidiu Ser e Ter voz.

Ouvir, anos depois, a pessoa que te magoou (e por causa 'dela', tantas outras te viraram as costas!) te pedir perdão, assumir que errou, entender que o que aconteceu poderia ter sido evitado (é a maturidade que o passar dos anos nos traz) me traz um grande alívio! Me mostra que eu estava certa, apesar de ter permitido que a briga ganhasse proporções alarmantes. Me mostra que eu não sou um monstro, e que os pais podem fiar tranquilos, porque eu não trabalho para o Lobo Mau!

Não há necessidade de perdão, porque não há ódio. Mas há um abismo imenso que separa nossas realidades e nossos sorrisos. Da incocência que outrora vivemos, restou a certeza de que ela não nos cabe. Nem haverá amizade (como antes), porque quando um elo é perdido, ele nunca mais pode ser.

Mas há, agora, a paz.

Há a paz e o silêncio.