O segundo homem

Ele não fez o seu trabalho. Sim, trabalho, porque pra ele não é nada mais que isso: um trabalho do qual ele foge desesperadamente. Um trabalho duro cujo pagamento eu não sei dizer se compensa, nunca tive filhos.

Eles se divorciaram quando as crianças tinham ambas menos de 2 anos. Ele foi obrigado a pagar pensão por um tempo, por medo dela mandá-lo preso.

Mas ela não faria isso com seus filhos, não mandaria o pai deles pra cadeira, não faria seus filhos viverem sem pai.

Ela querendo ou não, eles viveriam sem pai.

Ele se mudou para Minas Gerais por causa de uma mulher e via seus filhos a cada seis meses, que moravam no estado de São Paulo. Como eles sempre tiveram padrasto, não ver o pai não era tão ruim. Quando eles se viam ele era tão amável e atencioso, parecia até que ele realmente amava seu trabalho de ser pai.

Ao longo da infância dos filhos ele sempre mudava de emprego por não estar satisfeito em fazer coisas que o desagradavam. Parava de pagar pensão, voltava, pagava pouco, ela abria mandatos judiciais, ele voltava a pagar... Mas nunca pegava o telefone para ver se os filhos estavam bem, pois "ele era assim mesmo, não ligava pra ninguém", segundo suas próprias palavras.

Quando os filhos chegaram à adolescência eles se viam uma vez por ano, e era muito bom, conversavam de todos os assuntos, como se fossem os melhores amigos do mundo.

A menina, a mais nova dos dois filhos, sempre vira o lado da mãe, que fora abandonada com dois filhos pequenos por um cara imaturo, mas ela também amava seu pai, não conseguia ter raiva de um homem tão amável. Tentava até defendê-lo.

Um dia, aos 18 anos, a filha enviou uma carta a ele, que agora morava no Paraná com outra mulher. Ela escreveu tudo o que queria, tudo o que sentia, tudo o que deveria ter falado antes, mesmo que já houvesse pedido a seu pai que ligasse mais vezes, que viesse mais vezes.

Esperou cerca de três meses por uma resposta (e ficou se perguntando secretamente se uma carta demorava tanto tempo para chegar a um estado vizinho). A resposta veio por e-mail.

Seu tom era hostil e bravo, como nunca havia sido antes.

Disse que ela era imatura, que não tinha experiência de vida o suficiente para saber do que falava, disse que não aguentava mais que disessem o que fazer da sua vida. Terminou o e-mail com um tom amigável, convidando ela e seu irmão para irem conhecer sua casa e sua família (depois de dois anos morando lá).

Isso para ela foi a gota d'água. Respondeu, no dia 26 de novembro de 2009, com um curto e-mail: "Cartas e e-mails são só palavras.

O fato de você ter o mesmo sangue que o meu não garante que eu tenha capacidade de sentir amor incondicional.

Se o meu namorado um dia sumir e não me procurar mais, não tem porquê eu continuar o meu namoro com ele.

Não posso prometer que o nosso caso será diferente.

Cada pessoa tem uma concepção do que é amor. Se duas pessoas têm concepções diferentes sobre o amor, não acredito que elas possam se amar."

E nunca mais falou com ele. Ele ligou uma vez em sua casa, falou com seu irmão e pediu para falar com ela, que não quis (coisa que nunca fizera antes). Ela mandou uma mensagem por internet em seu aniversário com um tom frio, e dezembro. Ele mandou uma mensagem no aniversário dela em tom como se nada tivesse acontecido, em janeiro. Desde então ele não mais a procurou.

É triste não ter um pai. Mais triste ainda é implorar pela atenção do pai que você tem.