Auto-Biografia
       MINHA SAUDOSA ADOLESCÊNCIA
                  
                                   

 Nota:   Esta auto-biografia está sendo escrita à pedido dos dirigentes atuais da Federação Brasileira de Empresas de Controle de Vetores e Pragas, entidade que, com muita honra, presidi no ano de 1998.

     

                                           
 ......o0o......
   


  " Nasci na cidade de Uraí, no Paraná, em 25 de Dezembro de 1953.  Aos 2 anos minha família mudou-se para Cianorte, também no mesmo estado.

 Eu, com 1 ano, vivendo ainda em Uraí,
 no Estado do Paraná

 



     Lá, meus pais puderam me proporcionar uma infância feliz. De manhã eu estudava numa escola pública e, à tarde, ía para a escola de língua japonesa. Nos domingos assistia ao culto religioso da Igreja Luterana, apesar de ter sido batizado na Igreja Católica.  Lembro-me que os pastores eram norte-americanos...  Na época, eu já começara a ter conflitos interiores perturbadores:  de um lado, a cultura oriental chocando-se com a ocidental e, do outro, o rito litúrgico do catolicismo "não batendo" com os do culto luterano; protestante, portanto. 

     Aos 10 anos, meu pai me inscreveu no time de beisebol que a comunidade nipo-brasileira montou na cidade e foi assim, disputando torneios inter-municipais, que conheci as cidades paranaenses de Jussara, Peabiru, Maringá, Peabirú, Cruzeiro do Oeste, Terra Boa e Marialva. Acho que a minha paixão por viagens vem daquela época...

     Na vida escolar, lembro-me com saudade das professoras Célia Resende, Geni Toledo, Massae Kobayashi (minha tia) e Maria Aparecida Palmeira, que me instruíram com paciência e carinho nos 1o., 2o., 3o. e 4o. do primário, respectivamente. Eu sempre fui o 1o. aluno da classe no curso primário, para orgulho de meus pais...
     Um fato que jamais vou esquecer foi quando, no  3o. ano, perguntei a um coleguinha de classe (um loirinho) como se chamava em português aquela "sujeira que se tira do nariz" (meléca... rsrsrs), pois eu só conhecia o termo em japonês (hanakusso). O menino me respondeu: "Karótyu"   Fiquei usando esse termo até os meus 23 anos, quando descobri casualmente que aquele loirinho falara em ucraniano!  Ele, coitadinho, também teve as dificuldades que eu tive pois, na época, ainda misturava o português com palavras da língua eslava falada em sua casa pelo seus pais.
     Ahhh, lembro-me com saudade da minha coleguinha Marina, uma linda nissei, que me deu uma borracha escolar de presente, com aquele seu jeitinho tímido de oriental.  Acho que ela foi a minha primeira paixão...


Eu, com 9 anos, já em Cianorte, Paraná



   
  Comecei a torcer pelo time do Santos porque, na época, a única ligação com o "mundo lá fora" era através do rádio. Ouvindo o locutor Fiori Giglioti narrar, pela Rádio Bandeirantes, as peripécias de um tal de Pelé (conhecem?  rsrs) comecei a gostar também de futebol. E assim fui levando a minha vidinha: estudos, beisebol, futebol, cultos dominicais...

    Tinha um tio de nome Luiz Ferraz Mesquita, falecido este ano, que levava carinhosamente seus sobrinhos (eu e meus irmãos) para passear em sua Rural Willys verde e branca. Ele, um caucasiano, casou-se com a irmã de meu pai, rompendo com o preconceito racial existente na época, de parte a parte.  Na fase da paquera, ele, expertamente, para ganhar a confiança do pai da pretendida, se aproximou primeiro dos futuros sobrinhos, conquistando-os.  Décadas depois eu descobri que o Tio Luiz, com aquele jeitão campesino, sempre de chapéu de palha, bota e jeans, era membro de uma família tradicional e quatrocentona de São Paulo; sobrinho do ex-governador Adhemar de Barros e primo em primeiro grau do falecido banqueiro Gastão Vidigal, dono do Banco Mercantil Finasa (hoje incorporado ao Bradesco). Sua família simplesmente era dona da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, que colonizou todo o norte e oeste do estado do Paraná. Que Deus o abençoe em seu novo plano de vida, querido Tio Luiz...

     No final do ano de 1967, aos 12 anos, eu já tinha passado para a 2a. série do ginasial e sonhava em, no torneio de férias do verão entrante, ser titular da equipe de beisebol infantil da cidade. Até, que num belo dia, um caminhão Mercedes Benz azul estacionou em frente a minha casa.

O caminhão Mercedez Benz do tio Fuji



"Obaaa!  O tio Fuji, lá de São Paulo, veio nos visitar!"  -  pensei feliz.

     Ledo engano...  No dia seguinte os adultos começaram a carregar a carroceria com a mobília de nossa casa e, na sequência, minha mãe pediu para os filhos subirem no caminhão, mais precisamente num espaço entre os móveis.  Quando o caminhão já estava saindo da cidade eu, desconfiado, perguntei para a minha mãe:

-Para onde estamos indo, mãe?
-Para São Paulo, filho, onde iremos morar...  -  ela respondeu.
-Mas e os meus amiguinhos, mãe? - perguntei angustiado.
-Você não se despediu deles?  -  ela replicou.
-Despedir?  Não...  mãe...  -  e uma lágrima escorreu pelo meu rosto de pré-adolescente.
 
     Não me avisaram que a família iria se mudar para longe...  Foi a primeira ruptura em minha vida.  Perdi os amiguinhos, vi o meu sonho de ser titular do time de beisebol se evaporar e fui tirado da doce vida de criança que levava...

    Já em São Paulo, na Vila Jacuí, eu costumava subir num pé de pêssego existente no quintal da casa para, de lá de cima, tentar ver os meus amigos que ficaram no longínquo Paraná.  Não consegui vê-los (rsrsrs) mas, em compensação, do alto daquela árvore ouvi muito o Roberto Carlos cantando "Quero que vá tudo para o inferno" e a música orquestrada "Il Silencio", através do rádio da casa vizinha, que sempre estava ligado em volume alto.  Até hoje, quando ouço essas músicas antigas sou invadido por um sentimento de nostalgia e começo a rir das minhas tentativas de ver os meus amigos, 800 km distantes, lá de cima da árvore...

     Depois de dois meses nessa casa, meus pais mudaram de bairro e fomos morar no bairro de Americanópolis, numa casa térrea velha com um quintal enorme. Até bananeiras tinha.  Foi quando tive contato com uma realidade que machuca qualquer pré-adolescente:  a pobreza da família.  Algo tinha acontecido com o meu pai, um bem sucedido construtor de imóveis no Paraná, que agora encontrava dificuldades em alimentar e vestir adequadamente os seus seis filhos em São Paulo.  Minha mãe, uma simples dona de casa sem estudos, nada podia fazer a não ser esperar ventos melhores...  Eu que usava calças manequim 32 comecei a usar calças usadas de tamanho 46, doadas por parentes. Amarrava-as em minha cintura com um barbante para que não caíssem...  Cinto?  Era artigo de luxo!

     Foram tempos difíceis...  Mesmo assim meus pais sempre se esforçaram para comprar os livros e cadernos, tão necessários para a continuidade dos estudos. Lembro-me do primeiro amigo que fiz em São Paulo. Seu nome era Wanderlei e, assim como eu, vinha de família humilde. Seu pai, de origem portuguesa, era feirante e vendia bananas na feira.  Depois fiz mais amizades. O Diamantino, um adolescente português nato, foi um deles. Voltávamos todas as noites juntos, à pé, para casa após as aulas.  Com ele vinham o irmão e a irmã.  Ah, quanta saudade desses tempos!  
  
      Quando estava prestes a completar 14 anos, minha mãe me disse:

"Filho, o tio Mário conseguiu um emprego para você lá na Cooperativa Agrícola Sul-Brasil, onde seus irmãos mais velhos já trabalham. Assim que completar 14 anos, você deve tirar a sua carteira de trabalho..."

     Fiquei feliz mas ao mesmo tempo preocupado.  Não consegui dizer para a minha mãe que eu estava tendo problemas de saúde. Aliás, nem eu mesmo sabia o que tinha...  Sabia apenas que eu suava muito e que isso incomodava os meus amigos da classe (depois de 10 anos descobri, num exame médico de rotina, que eu tinha uma disfunção na glândula tireóide, da qual já me curei).  Queria me abrir com alguém mas não conseguia. Entrei, então, numa espiral descendente e comecei a me fechar...  Não queria mais ficar em ambientes fechados, com muita gente.  Pegar um ônibus lotado ou um elevador tinha se tornado um suplício...  Pressionado pela pobreza, resignadamente comecei a trabalhar como office-boy, sem ter solucionado o meu problema de saúde. No verão eu tinha que andar muito e no final do expediente, todo suado, pegava o ônibus lotado para ir direto para a escola. Lá, procurava sempre sentar no fundo da sala de aula para não incomodar  ninguém.  

Eu, com 16 anos, após encerrar o expediente de sábado
como office-boy




    
Nessa época nem tudo, porém, foi angústia. Fiz amizade com o António (também português nato) e o Moussa Kaniouchi (sírio nato).  Formamos um trio de amigos interessante:  um japa, um árabe e um português.  Só o Brasil mesmo para possibilitar essa convergência étnica...
     Mas a minha disfunção tireoidal, a fome e o cansaço, finalmente acabaram me derrubando.  Extenuado, comecei a faltar às aulas e fui reprovado no 1o. ano do curso colegial. Essa foi a minha segunda ruptura brutal. 
Aos meus problemas já relatados se juntou a vergonha de ter sido reprovado (para um jovem de origem nipônica isso é imperdoável) e a dor pela perda dos colegas de classe.

    No ano seguinte, com muito sacrifício, consegui ser aprovado. Nessa fase fiz amizade com o Pimentel, um jovem de origem afro. Porém, no 2o. ano, novamente fui reprovado. Estava com 17 anos e me senti encurralado, sentindo vontade de morrer. Lembro-me que tive uma conversa séria com o Divino, questionando-O desesperadamente: 

"Por que, meu Deus, eu tenho que passar por tudo isso?  Se Você for meu amigo, ou me leva agora ou me dá forças para continuar..."

 
  Ele não me levou, como vocês podem perceber...  rsrs

   Persisti. Passei na segunda tentativa, indo para o 3o. ano.  De novo fui reprovado. Num esforço sobre-humano, persisti e passei.  Depois de longos e estressantes 6 anos, consegui, finalmente, concluir o curso colegial; passaporte para o ensino de nível superior, que eu tanto sonhava. 



                                                .......o0o.......









Nils Zen
Enviado por Nils Zen em 06/10/2009
Reeditado em 25/02/2010
Código do texto: T1852093
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.