HILDA HILST: intensidade em forma de palavras!

Hilda Hirst: nasceu na cidade de Jaú, interior do Estado de São Paulo, no dia 21 de abril de 1930, filha única do fazendeiro, jornalista, poeta e ensaísta Apolônio de Almeida Prado Hilst e de Bedecilda Vaz Cardoso. Com pouco tempo de vida, seus pais se separaram, o que motivou sua mudança, com a mãe, para a cidade de Santos (SP). Seu pai, que sofria de esquizofrenia, foi internado num sanatório em Campinas (SP), tendo nessa época 35 anos de idade. Até sua morte passou longos períodos em sanatórios para doentes mentais. Hilda foi a criadora de algumas das mais inquietantes e belas poesias da literatura brasileira. Fez seus primeiros estudos como interna no colégio Santa Marcelina, em São Paulo. Em 1945, ingressou no curso clássico da escola Mackenzie, em São Paulo e passou a viver em um apartamento à Alameda Santos, acompanhada por uma governanta alemã. Em 1948, ingressa no curso de Direito na Faculdade do Largo São Francisco.

É uma das protagonistas fundamentais da paisagem literária brasileira e de língua portuguesa do século XX. Com mais de 40 livros escritos em verso, dramaturgia, crônica e prosa, publicados entre 1950 e 2000, Hilda Hilst é uma poeta lúcida, culta, consciente de suas ações e palavras. Com fervoroso amor pela originalidade, sua obra registra um intenso trabalho de linguagem e de musicalidade, um imaginário poético no qual questionamentos metafísicos se mesclam com fatos cotidianos. Corajosa, livre, apaixonada pela vida, os seres humanos e os animais, Hilda Hilst tocou sem pudor temas tabus como a morte, o sexo e Deus. A partir de 1966, Hilda Hilst decide viver na Casa do Sol, a 11 quilômetros de Campinas-SP, onde funciona atualmente a Instituição Hilda Hilst – Centro de Estudos Casa do Sol, presidida pelo escritor José Luis Mora Fuentes, amigo da escritora. Suas Obras Reunidas foram reeditadas recentemente pela Editora Globo. Ler Hilda Hilst significa entrar em contato com a dinâmica da vida, com a complexidade humana e do próprio texto, numa combinação refinada de sons, palavras e imagens.

Alguns de seus textos foram traduzidos para o francês, inglês, italiano e alemão. Em março de 1997, seus textos: Com os meus olhos de cão e A obscena senhora D foram publicados pela Ed. Gallimard, tradução de Maryvonne Lapouge

Hilda Hilst faleceu no dia 04 de fevereiro de 2004, na cidade de Campinas (SP).

Venho de Tempos Antigos

Hilda Hilst

Venho de tempos antigos. Nomes extensos:

Vaz Cardoso, Almeida Prado

Dubayelle Hilst... eventos.

Venho de tuas raízes, sopros de ti.

E amo-te lassa agora, sangue, vinho

Taças irreais corroídas de tempo.

Amo-te como se houvesse o mais e o descaminho.

Como se pisássemos em avencas

E elas gritassem, vítimas de nós dois:

Intemporais, veementes.

Amo-te mínima como quem quer MAIS

Como quem tudo adivinha:

Lobo, lua, raposa e ancestrais.

Diz

Texto extraído do encarte à edição de "Cadernos da Literatura Brasileira", editado pelo Instituto Moreira Salles - São Paulo, número 8 - Outubro de 1999.

Poema nº 14 de sua obra de estréia, "Presságios"

Hilda Hilst

"Fui monja

vestida de negro

em labirinto azul.

Antes do Ser

havia um homem

consciente

destruindo o lirismo

das minhas madrugadas.

Estava presente

nas conversas dos bares

solitárias histórias.

Estava presente

na fusão dos homens medíocres

e dos homens sem cor.

Em azul e negro

eu vi o esboço

de um caso triste,

aquele doido

procurando as mãos.

As mãos que deixara

sobre alguma mesa

de mármore azulado

em algum labirinto azul.

Morreu o mundo das monjas.

Morreu o mundo das mãos.

Sou doida desfigurada

procurando mãos

mergulhadas em azul.

Sou quase morta

no descanso estéril

da cor negra.

Poema V

Hilda Hilst

A FEDERICO GARCÍA LORCA (no dia 19 de agosto de 1936, o poeta espanhol Federico García Lorca foi fuzilado à queima-roupa por fascistas espanhóis).

Companheiro, morto desassombrado, rosácea ensolarada

quem senão eu, te cantará primeiro. Quem senão eu

pontilhada de chagas, eu que tanto te amei, eu

que bebi na tua boca a fúria de umas águas

eu, que mastiguei tuas conquistas e que depois chorei

porque dizias: “amor de mis entrañas, viva muerte”.

Ah! Se soubesses como ficou difícil a Poesia.

Triste garganta o nosso tempo, TRISTE TRISTE.

E mais um tempo, nem será lícito ao poeta ter memória

e cantar de repente: “os arados van e vên

dende a Santiago a Belén”.

Os cardos, companheiro, a aspereza, o luto

a tua morte outra vez, a nossa morte, assim o mundo:

deglutindo a palavra cada vez e cada vez mais fundo.

Que dor de te saber tão morto. Alguns dirão:

Mas se está vivo, não vês? Está vivo! Se todos o celebram

Se tu cantas! ESTÁS MORTO. Sabes por quê?

“El passado se pone

su coraza de hierro

y tapa sus oídos

con algodón del viento.

Nunca podrá arrancársele

un secreto.”

E o futuro é de sangue, de aço, de vaidade. E vermelhos

azuis, braços e amarelos hão de gritar: morte aos poetas!

Morte a todos aqueles de lúcidas artérias, tatuados

de infância, de plexo aberto, exposto aos lobos. Irmão.

Companheiro. Que dor de te saber tão morto.