TEMPOS MEMORIAIS - PARTE I

Eclipse Solar - Triângulo Mineiro - 1947

TEMPOS MEMORIAIS - PARTE I

-Gratas E Amargas Lembranças Dos Tempos Da Vida

INTRODUÇÃO:: Relatar algum fato, contar alguma história que sirva como referência às filhas, netos (as) e a quem mais interessar possa, eis o sincero propósito do autor, nestes tempos de agora, no ocaso deste viver.

Desejando ser o mais fiel possível neste relato, procura-se ser, também, intérprete da geração atual, nos aspectos sócio–econômico e político, destes tempos, em nosso país. O passado daquele menino ficou bem distante, mas com bastante empenho, está a rememorar os seus mais importantes fatos. Este é o seu desejo desde algum tempo atrás. O Computador muito ajudará! Fosse usar a centenária máquina datilográfica, certamente esta tarefa sofreria, por tempo indeterminado, um adiamento. O Escritor destas Memórias deseja conversar com alguns dos seus personagens, que com ele quiserem dialogar. Escritor que doravante se indentificará pelo nome que seu pai, não se sabe o motivo, o chamava - "abello", ou "menino", "garoto".

TEMPOS INFANTIS

1 - A 2.ª GUERRA MUNDIAL:: Foi nos tempos difíceis da Segunda Guerra Mundial que nasce ABEL JOSÉ DA SILVA, em 20 de abril de 1942, na cidade de Uberlândia-MG, que costuma-se chamar de encruzilhada do mundo. O local é hoje designado “Distrito Industrial”, mas, que naqueles tempos, era uma Fazenda de criação de gado Zebu. As dificuldades impostas por aquela Guerra resumiam-se praticamente no racionamento de alimentos como trigo (fila do pão), de combustíveis como gasolina (o gasogênio-dispositivo mecânico que transformava o carvão de pedra em Gás carburante era adaptado na traseira dos carros fazendo o papel de carburador, que nos carros modernos já foram substituídos pelo sistema de injeção-eletrônica). Vai um pouco da história de um pioneiro do transporte de passageiros da cidade de Patos de Minas, que teve a sua “quota” de gasolina sonegada pelo prefeito por questões políticas. Então o Sr. Gontijo, que seria dono de uma das maiores Empresas de ônibus do país, transformou o motor da sua “jardineira” para álcool, vencendo, assim, as adversidades daquele momento.

E, também, dificuldades de ordem político-sociais, onde pessoas consideradas inimigas, por pertencerem a outro país em guerra contra os aliados, foram perseguidas no Brasil, presas, torturadas ou constrangidas, tendo seus bens sequestrados. Japoneses, italianos, alemães, sofreram os rigores desta perseguição. Os bisavós paternos dos netos, talvez tenham sofrido também estes horrores daquele tempo. Muitos brasileiros foram convocados para lutarem naquela guerra, inclusive o pai do autor, que foi dispensado, logo após a sua convocação. No final desta tragédia, adicionavam-se mais horrores ao macabro espetáculo com a destruição das populosas cidades japonesas HIROSHIMA e NAGASAKI.

Sempre interessado em assuntos bélicos, o menino perguntava:

-Como era aquele tempo da Guerra?

Ela, sempre à frente nas respostas:

-Eram tempos difíceis, tudo racionado, como o pão e outros produtos alimentícios que dependesse do trigo, que ora alimentava os soldados nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial.

-O papai quase foi pra guerra? -Sim, quase ficou herói, faltando só ir para os campos de batalha.

-Dizia ela: O meu primo esteve na guerra! Houve muita festa na sua volta!

De fato, o primo Antônio da Bárbara que há tempos, menino encontrou em BH, participara da expedição FEB - Força Expedicionária Brasileira, orgulho de todos os brasileiros. Muitos daqueles combatentes ainda, vivem até agora.

Havia naquele tempo, da primeira e segunda guerras mundiais, menos pretextos que hoje temos para um “Terceiro Conflito”. As guerras sempre tiveram causas econômicas, como analisava Karl Marx, e como também a própria ESCRITURA SAGRADA o fez há dois mil anos atrás aproximadamente. A guerra, assim como a paz, começa dentro de cada um de nós.

2 - OS PAIS E AVÓS:: Os Seus pais, BIANÔR JOSÉ DA SILVA e GERALDA MACHADO DA SILVA, que antes trabalhavam na cidade de Araguari, seu lugar de origem, logo se mudaram para o campo. Trabalho de fazenda, cuidando do quintal, pequenas roças e dos animais. Há alguns tempo, Abello visitou a região onde morou, quando ainda bem criança. Região próxima de Uberlândia, onde também nasceu seu irmão Joel, logo abaixo da sua idade. Era a “Fazenda do Panga” que se avalia hoje ter sido, naquela época, a região onde havia mais lobos-guará por metro quadrado no planeta, e que os espreitavam dum mato próximo à sua casa.

Seus avós maternos, Antônio Machado e Maria Cardoso, moravam por perto. Seu avô, carpinteiro, de estatura física avantajada, que trabalhava construindo, com madeiras, currais, pontes, engenhos de moer cana, casas, sobrados, podia levantar pesos que só dois ou três homens de tamanho normal conseguiriam fazê-lo.

-Menino! Saia de perto dessa roda denteada, tira a mão daí seu peralta!

Ficava pouco à vontade com o Velho da Serraria, mais parecido com um gigante das estórias dos castelos! O seu melhor presente para o neto? Falará dele, depois, e de um episódio de acidente lamentável!

Sua avó trabalhava na confecção de vestuários na sua própria casa. Bem fragilzinha físicamente, podia também muitas coisas, como cuidar dos netos, fazer suas tarefas caseiras e ainda falar de JESUS a quem dela se aproximasse, e quisesse ouvi-la.

Na sua infantilidade, inquiridor inveterado, especula, no falar dos mineiros, disparou: - Vovó, quando você morrer, posso ficar com a sua máquina de costurar?

–Certo que sim dizia ela, meio sem graça!

Hoje procura também, dar toda a liberdade para os seus netos. O Pedro está sempre de olho no seu monitor, maior do que o dele! Certo que sim... ficando este avô, também, desconcertado!

Seus avós paternos morreram antes que ele nascesse. Chamavam-se Policarpo José da Silva e Ernestina Maria de Jesus. Contou-se que ele morrera tragicamente na linha férrea, devido o alcoolismo. Era de Beija Flor-BA, hoje Guanambí, que em Tupi-guarani tem o mesmo significado. Chegara ao Triângulo Mineiro, talvez vindo pelo Rio São Francisco, até Pirapora-MG e de lá a Araguari onde conheceu sua avó, ou rasgando a pé, pelo norte de Minas, como faziam aqueles que viam em busca de diamantes em outros lugares, como Mato Grosso. Era um Mestre-Escola; o vício do álcool o vencera.

3 - O ANCESTRAL:: Quando esteve em Salvador, há uns 10 anos, lá no “Pelourinho”, o menino pôde imaginar a cena com o seu “ancestral”, sendo ali negociado, e vendido para as lavras de diamantes na “Chapada Diamantina”, de onde saiu seu avô para Minas Gerais, há mais ou menos 85 anos; pois os entrepostos do nefasto “comércio” ficavam no Rio de Janeiro e em Salvador. Da Escravidão em todos os lugares, e em todos os tempos, o fato mais grave foi a “desagregação familiar” que causou. Pai, mãe, filhos sendo vendidos cada um para lugares diferentes um do outro. Os efeitos, ainda hoje se fazem sentir, no quotidiano do negro, em todos os lugares. As infelizes expressões “crioulo doido” e “nega maluca” tão pronunciadas, é, também, mais uma confirmação do estrago social e psicológico sofrido pela raça, no entender do Professor de Teologia Pastoral, Laurence Rea, e tantos outros estudiosos da Sociologia. Mas, longe deste povo, a acomodação ao regime escravo a que era submetido. Sempre tramando, se insurgindo em ocasiões propícias, se organizando para formação de núcleos que oferecessem maior e melhor resistência, estavam os “Quilombos”, por todo este país. O de “Palmares”, foi o melhor exemplo da tenacidade e amor à liberdade por parte dos nossos antepassados de raça negra. A expressão “denegrir a imagem”, de uso corrente, em relação aos “quilombolas”, se tornaria motivo de honrarias, a qualquer pessoa de outra raça. Enegrecer a imagem de alguém, e este é o sentido do “verbo”, valeria muito a pena!

-Pruquê nosso sinhô num pudia vendê tudo nóis junto? Pra dindonde ancê vai, mãinha? - Indagava o filho que se separava da mãe, talvez pra sempre!

-A nêga veia num tá sabeno de nada, não, mim zin fio. Responde a mãe visivelmente transtornada com a situação.

4 - GAROTINHO TEIMOSO:: Era uma vez um garotinho que as tias chamavam de “Abel José”, teimoso que só o “Pedro Feijão”, que não quer ser “Pedro Quiabo”, menino que eu conheço no Condomínio Vila Rica, em Sobradinho-DF. A tal Máquina “Singer” da vovó Maria era seu “Xodó” e alvo preferencial do tal garotinho. Estou aqui, Abel! O dedo daquela senhora, colocado na fresta da parede, dizia que estava a vigiar o garoto, sem conserto!

5 - O SEU BONECO PREFERIDO:: Aquele boneco, o “João Caturéba, era o preferido do menino, mesmo porque era o único que ele possuía. O nome talvez significasse algo para si, por ser João, o nome do seu tio, mas 'caturéba', talvez "patoreba", quisesse dizer, não se tem do significado, a menor idéia. Era o seu amigo mudo, surdo, surdo-mudo, que o entendia, e que como a amiga boneca da Luisa, também falava com ele silenciosamente: “Eimém”, sempre concordando com seu dono. Significava um precoce desejo de multiplicação que se cumpriria mais tarde em suas filhas de sangue. Este boneco, muito querido, se parecia com Késia, Mara, Pedro, Luiza, Iago e com quem mais, ainda chegar. Era seu filho, e com um nome bem sugestivo! Seus restos, onde andarão?

6 - O ECLIPSE SOLAR:: Não se pode precisar, mas acha-se que dentre os anos de 1946 e 1947, Abello presenciou nos céus desta região onde nasceu, fenômeno grandioso, um eclipse solar. O espetáculo teve início logo de manhã, por volta de 8 horas, quando as aves do terreiro que já havia, há tempos, se despertado e já buscavam seu alimento, decidiram retornar-se aos poleiros, pois a escuridão era total. Lembrar do terreiro da sua casa na Fazenda, ele consegue, mas não dela propriamente. Lá estava a sua mãe protegendo a visão dos filhinhos Abello e Joel, enfumaçando os cacos de garrafas, filtros improvisados, para que pudessem observar aquela maravilha celeste.

Clique no Link para ver o Eclipse:

www.youtube.com/watch

Este capítulo foi reformulado, com as informações sobre aquele Eclipse, que o autor recebeu da Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE de São José dos Campos-SP, Ana Maria Zodi, a quem muito agradece. Os dados precisos que recebeu, de um Site, inclusive com animação, lhe dão conta de que aquela maravilha teve início às 8:18h, com magnitude máxima às 09:29h, e término às 10:49h, atingindo 98,22% de obscuridade. No dia 20 de maio de 1947, quando o garotinho tinha apenas 4 anos de idade. De certo modo, retornou àquele dia, numa madrugada ainda recente, abrindo o e-mail, estava lá, o Eclipse. Através de uma animação, agora vê, aquilo que observou, sem quase nada entender, mas que ficou registrado, na sua retina e na mente.

7 - VILMA:: Por ali conheceu uma mocinha, Vilma, acha que o nome se escrevia assim, pessoa de quem, nem sua mãe, dela se lembrava, foi o primeiro amor da sua vida. Ela com uns quinze, e ele com quatro, passeavam por um lugar de profundos valados. Foi uma louca paixão, que somente ele, dava conta. “Saudade é o bolso em que a alma guarda tudo aquilo que provou e aprovou” – (Rubem Alves).

8 - LIÇÃO INESQUECÍVEL:: Passavam por uma casa de Fazenda, semi-abandonada, e lá estava, no terreiro, aquele brinquedo, que, talvez, tanto desejara lhe dar de presente. Chegou a tocar, dizendo algo, que não se recorda, mas vagamente, ficou a impressão de que levariam o “achado”. Era um velocípede todo de metal, cor esverdeada, leve, fácil de levar. Naquele momento, resistiu à tentação, e não levou para o filho, o brinquedo. Hoje ele agradeçe a Deus pela sua mãe, que não pegou o alheio, lhe dando uma lição aos quatro anos de idade, para o resto dos seus dias.

Encontra-se preso na Penitenciária de Brasília, um rapaz que um dia, quando ainda era uma criança, ouviu do pai o seguinte conselho: Eu não tenho dinheiro, vá roubar! Não só roubou, como também tirou a vida de várias pessoas na cidade.

9 - MEDOS:: Tinha medo de muitas coisas. Medo de malfazejos. Estava sempre preocupado que o “Mané Baiano” atacasse seu pai com seu enorme facão. Os baianos, por ali, tinham a má fama de briguentos. Sempre avulsos, deixando para trás os pais, mulher e filhos, conseqüência daquela desagregação familiar sofrida pelo segmento da raça negra. Mas o Manoel era gente boa, nunca se soube de nenhum crime que tivesse cometido; mas se resolvesse atacar, encontraria pela frente aquele menino franzino, com qualquer coisa nas suas pequenas mãos -ô xente!

Havia nos seus medos, cuidado e precaução. Naqueles tempos cometeram um crime bárbaro, na Fazenda do Coelho, onde moravam. Por motivos inconfessáveis, um fazendeiro de Tupaciguara-MG contratara um bando de “jagunços”, pistoleiros, para a empreitada. O “Zé Negrin”, como o próprio apelido sugeria, era de cor negra, só que de estatura bem elevada. Era bastante estropiado, devido aos calos nos dedos dos pés, pelo seu constante caminhar, comandando dias a fio, o carro-de-boi pelas estradas poeirentas das fazendas. Na “quinta-feira santa”, após chegar da ”venda” onde fora comprar uma porção de bacalhau para a ceia da família, naquela semana de abstinência de carne vermelha (vermelho ficou ainda, mais o chão vermelho de "terra batida” da sua casa), foi alvejado por mais de trinta balas de calibres ”trinta e oito”, “quarenta e quatro” e quase igual quantidade de facadas pelo seu corpo. O resultado desta barbárie: órfãos vários filhos; uma viúva, a Sebastiana, e traumas em muita gente, inclusive no nosso menino, aos cinco anos de idade. O crime ficou impune. A elite era intocável. O real motivo daquele terrível massacre, assim digo porque várias pessoas foram atingidas, talvez alguém, ainda vivo, o saiba. Talvez um outro crime de que a vítima tivesse conhecimento. O “Zé Negrin”, depois de morto, foi acusado de “contar prosa” à mulher de um fazendeiro. Sabia-se, porém, que o real motivo não era aquele, o Brasil saíra a pouco de um longo período ditatorial em que se cometiam crimes, e nem sequer, se era indiciado.

Se hoje viesse a requerer informações sobre aquele crime brutal às autoridades locais, diria: - Gostaria de examinar o inquérito policial sobre o crime “não sei quantas vezes qualificado”, cuja vítima foi o “Zé Negrin”, talvez lhe respondessem: - O crime a que você se refere, nunca existiu! Final dos anos quarenta, fim da “Ditadura Vargas”, cujos efeitos nocivos perdurariam por longos tempos, existiu! Por que será que toda “Quinta Feira Santa” ele ainda, se recorda deste episódio? Dizia o tio Celso, que muito dos “matadores” que atravessavam o rio para alguma empreitada macabra do outro lado, ao retornar para a sua origem, eram liquidados por outro grupo, na travessia. “Queima de arquivo”!

10 - FANTASMAS DO ITAIMBÉ:: Tinha medo da altura do “itaimbé”, e dali não se acercava, mas acha que o maior medo era dos “fantasmas”, que segundo os mais velhos do lugar, povoavam as cercanias da sede da fazenda. Era como diziam: os espíritos dos escravos mortos cruelmente pelos seus senhores, que clamavam por justiça, aparecendo de vez em quando por ali. E ainda “um negrinho” que brincava de enlamear as pessoas na pequena barragem junto ao “itaimbé”, depois, lá de baixo, convidava-as a saltar até onde ele estava. Os pais do menino, nada viam de sobrenatural, mas não contestavam aquelas estórias populares. Um outro abismo ficava há uns vinte kilômetros dali onde moravam, não se recorda de toda a toponímia, mas era a “Cachoeira do Juca Cunha”, o mais profundo que os outros, e também, mais impressionante, aquele “itaimbé”. Bem de longe se enxergava uma fumaça de partículas d’água, rarefeitas no ar. O pior pesadelo para qualquer pessoa, seria sentir-se estar caindo naquele lugar abissal.

-Óie, este lugá tá cheio das armas dos nêgo que morrero pura qui na Fazenda!

Os fantasmas teriam a cor negra e porte raquítico, alusivo ao povo que por ali vivera e morrera tempos antes.

11 - MINHA ESCOLA :: O terreno adjacente era bem plano e naturalmente gramado. Passavam a vau o rio e ao chegar ali, soltavam as suas montarias para pastarem na várzea. Ali ficava também o campo de futebol para as partidas na hora do recreio, e para as dos campeonatos dos adultos nos fins de semana. Abello não poderia participar, nem mesmo ver as partidas nos fins de semana. Sua mãe temia que os meninos fossem vítimas de alguma bala perdida, em alguma briga generalizada, coisa comum em times ganhassem ou perdessem.

Bianor, seu pai contava de um “entrevero” destes, que ficou conhecido como o “jogo dos ossos”, pois um vagão com carcaças de bois na estação férrea de Araguari, fora todo descarregado na torcida do “Uberaba” que estavam noutro vagão de passageiros, pelos araguarinos igualmente fanáticos. Às vezes choviam balas que não eram de chupar, facas e canivetes. Brigas de torcidas de Coríntians e Palmeiras, hoje, guardadas as devidas proporções, são apenas, brincadeiras, numa comparação. O outro motivo da proibição de freqüentarmos estes “Estádios Peladeiros”, era que a mãe do Abello, era bastante rigorosa na guarda do “Dia do Senhor”, o Domingo, só saindo de casa para visitar pessoas muito achegadas. A Mãe que desde aos quinze anos de idade, fora membro da Igreja Batista, onde aprendera estes princípios, que no tempo, foram se diluindo, por aquela e por outras Igrejas Evangélicas, mesmo nas mais tradicionais.

A casa da Escola era de alvenaria e só tinha dois compartimentos. Um salão maior onde todas as classes estudavam juntas e uma sala menor para uso do professor. A nossa Escola ficava na “Fazenda Várzea”, bem próximo à “Fazenda do Coelho” onde morávamos. O lugar, como o próprio nome indica, era uma planície cercada por cadeias de montanhas pelos lados sul, leste e oeste, do lado setentrional, pelo maior Rio que o menino já conhecera, o Araguari. Um outro Rio, o Bonito, que era na verdade um “ribeirão”, delimitava um pouco mais a área da Escola. Era a “Escola Rural Rubens Alvim Cunha”. O nome fora dado em memória de um menino, filho de um fazendeiro vizinho, que morrera da queda de uma mangueira.

O professor, Sr. Moacir Antônio Braga, era bastante rigoroso com os alunos, porém muitos não conseguiam aprender. Tinha, ele um apelido de que não gostava nem um pouco. E devido a isto, cada vez que um “bode” qualquer, se aproximasse da casa da escola, os alunos deveriam se manter calados. Mas certa vez, quando alguns destes animais por ali chegaram, e começaram bagunçar e berrar: - mé, mé, mééé, estavam todos no recreio, quando lá de dentro se fez ouvir uma voz bastante irritada: - só os meninos, todos prá dentro! O ti, ti, ti, tivera também, a colaboração das meninas, que escaparam ilesas, desta vez.

O Rui, se ameaçado de castigo, saltava a janela e desaparecia. E esse castigo às vezes, incluía vara de goiabeira no lombo. O Joel, foi uma das vítimas, recebendo uma varada, que seria para o colega ao lado, que se esquivara, sobrando para seu dedo. Certa vez, quando a inspetora de ensino viera da cidade para as provas finais; o quarto ano não conseguia dar respostas certas às questões de Geografia e História, então o professor chamou-o seu aluno "prodígio" para livrá-lo do vexame. Aquele menino das séries iniciais, respondeu a todas as questões. Nesta escola passou quatro anos. De agosto de 1953 a outubro de 1956. No ano seguinte de 1957, estudou na cidade buscando mais conhecimentos para o exame de Admissão ao Ginásio.

O nome da Inspetora de Ensino era Haydée Mamede Pires, a Dª. “Negrinha”, como era conhecida por todos. Era de cor negra, magrinha, e devia ter mais de 1,80 m de altura, ainda viva até bem pouco tempo, quando visitei Tupaciguara-MG. Sua gentileza era diretamente proporcional à sua estatura física, muito elevada. Nas, provas parciais e finais, lá estava ela com seus auxiliares, a aplicar as questões para os alunos das escolas rurais: – Complete a seguinte sentença: - “O café é uma bebida que deve ser tomada.............”. O menino ficou no maior apuro com a questão, e ela "soprando" baixinho, lá no canto da sala: - “geladinho, geladinho”. Até hoje quando toma um café bem quente, ainda se lembra de Dª. Negrinha, mas só muito mais tarde pôde entender sua “dica”. Pode-se hoje encontrar um café “geladinho”, enlatado, nos Supermercados, ou na garrafa térmica destampada, lá na cozinha. Melhor, mesmo, é aquele soltando fumaça! Há bem pouco esta Educadora estava bem de saúde, nos cem anos, lá em Tupaci!

Toda aquela área de várzea da Fazenda seria posteriormente inundada pelas águas da Barragem do Rio Paranaíba em Itumbiara. Mas hoje não existe, nem barragem, por problemas técnicos, nem o rio, pela destruição do seu leito. Nada está como antes. Sumiu o próprio Rio, casas foram temporariamente, submersas, inclusive a da Escola; o clima da região, modificado.

-Link para Poesia "Minha Escola":

www.recantodasletras.com.br/poesiasdedicatorias/2877603

12 -MEUS COLEGAS, MINHAS COLEGAS :: Quando há alguns anos Abel visitou aqueles lugares, quase tudo estava irreconhecível, mas conserva ainda em sua memória o nome de quase todos os seus colegas:

-Rui, já mencionado, tornou-se um pecuarista lá pelo Tocantins.

-Fátima, a Carmem, com seios fartos, a Nair, as mais velhas, tinham lá seus segredinhos de moças.

-Marlene, que já não era bonitinha, certa vez usou um creme, que a deixou ainda pior, “descascando” todo seu rosto; mas, casou-se com o “Zezão”, rapaz meio cégo, e viveram felizes, para sempre!

-Isabel, filha do “fordinho”, mulata bonita, e muito gente boa, que Abello arrastaria, sozinho, qualquer coisa pela dita, só que ela nem sabia.

-Ângela, queria namorar com o rapaz, declarando, publicamente a sua pretensão, o menino tímido resistia à idéia. Era bem “faladinha”, a garota. Também pudera, era criada por um pai bêbado e por uma madrasta que brutalmente a espancava. Pobre garôta!

-Terezinha Barros, colega desde a infância, tinha lá seus planos bem definidos, se casaria e moraria na cidade. Hoje, casada, mora em Anápolis. No galope, não se sabe como seu chinelo não caía. Ficou o mistério! Ainda bem criança, liderava a turma dos "Pacatos Cidadãos" para as aventuras na "montanha de pedras", cheias de cobras e fendas perigosíssimas. Quem ali caisse dificilmente seria resgatado vivo! As ninhadas de urubús era um atrativo muito estranho à meninada. Ao avistar os humanos, eles bem mal cheirosos, vomitavam!

-Olivaldo, o mais adiantado da turma em certo tempo, mudou-se para Uberlândia e nunca mais se teve, dele, notícias.

-Valdecí, que, muito pequenininho, saía de vez em quando, sozinho, a uma caçada de pacas, levando consigo a “garrucha” do pai, maior que ele próprio, pelas barrancas do rio. “Grande” Valdecí!

-Alfredo, Maria de Lourdes, sua irmã, muito simpática, mas aos quatorze, quinze anos, na roça, para um namoro mais sério, seria ainda muito precoce. As moças se casavam mais cedo, por volta dos 16, 17, com rapazes de 22, 23, para frente, sem chances para pirralhos.

-Tonhão, grandão, mas muito criança.

-Dinamilton, irmão da Terezinha, gorduchinho, bom na lida de gado desde criança, falecido há pouco, transportava gado com caminhão boiadeiro.

-Joel, irmão de Abello, que “detonava” literalmente os livros, gostava da lida de gado, mas hoje é também caminhoneiro, e um bom cozinheiro. Êta menino fanático por leite,sô! Artigo abundante na Fazenda, quando se aborrecia por qualquer motivo, pedia, logo, leite- "quero leite, quero leite"...

-Abello, não pôde aprender as artes culinárias, sempre cuidando dos irmãos mais novos.

-Rutinha, irmã, ainda pequenina, carona da garupa do cavalo, desafiava na pedrada os moleques maiores. O menino, irmão mais velho levou uma daquelas, no tornozelo. Foi terrível ! Dizia ela: vou fazer você rolar no chão! O que conseguiu! Foi morar com Deus em abril de 2000.

-Luís França, sua irmã Dinah, “loirinha”, filhos do dono da venda onde, compravam lanche, autorizado pelo pai, em CR$ 2,00 ao mês, (dois cruzeiros), doce de banana, bala de coco, grapet, guaraná etc. Nada de casa, tinha os sabores, e a importância dos lanches daquela “venda”. O dinheiro tinha valor. As bondades dali, incluíam a tal “Loirinha”, que mais que um colírio, para as nossas vistas, era também muito gentil e educada. Quanto a este menino, era um rapazinho, “charmoso”, usava de vez em quando, as botas emprestadas do pai, chapéu, idem, cela, presente do avô. Bastante tímido, e meio “desengonçado”, para maiores aventuras.

-Alaor, e seus irmãos e irmãs, que moravam no caminho para a escola, com economia de um bom pedaço de estrada.

-Eurípedes Balsanulfo, que seria morto por Alaor por causa da irmã deste.

-Edimo, irmão companheiro de pescarias pelas barrancas do córrego e do rio. Os meninos eram meio rivais, disputando preferência das meninas, mas nada de muito sério.

13 - O TRANSPORTE:: O transporte era variado: Cavalos, (cavaleiro e garupa), bicicleta, idem, os próprios pés; de vez em quando, uma “beirada” no automóvel de algum fazendeiro. O Ozanan que sofrera paralisia infantil, só poderia ir a cavalo, ou de “beirada”.

14 - BRINCANDO PERIGOSAMENTE :: “Escoicear” uns aos outros, era uma das nossas brincadeiras preferidas. Outras ainda, o pião, o estilingue, brincadeira cruel com os pássaros, brincávamos perigosamente com armas de fogo, espingardas “chumbeiras”, rifle calibre “22”. Felizmente sem acidentes conosco, mas, aconteceu, infelizmente, numa fazenda vizinha. Perder um canivete seria motivo de grande preocupação, até para os pais. Servia para descascar laranjas e riscar as testas dos bois, só para ver o sangue escorrer, e logo se cicatrizar. Furar o colega, nem pensar. Brigava-se com pedras, e no muque.

15 - AVENTURAS :: A maior aventura era, de madrugada, ir com o pai, ao ponto de ônibus que distava a uns vinte kilômetros mais ou menos. Saiam às quatro da manhã para o “Pontal”, fazenda que ficava na confluência dos caudalosos rios Araguari e Uberlândia, passando pelos campos de agricultura de “Baixadão” e “Sete Abelhas”, ouvindo o cantar dos galos, chegavam ao amanhecer, a tempo do seu pai tomar a “Jardineira”, que serpenteando por fazendas e povoados, o levaria até Uberlândia. A volta pra casa era por outra estrada bastante arriscada. Passava-se por entre o penhasco e o rio, numa altura que calcula-se de quase duzentos metros. “Um de cada vez”, pois se o animal se assustasse com qualquer coisa, facilmente cairia na ribanceira com o seu cavaleiro e tudo. Que lugares! Montado no seu animal, tudo parecia mágico a ele, e sem problemas! Pergunta-se: seu Pai tinha a perfeita noção do perigo que seu filho de 10 anos, corria naquelas viagens à beira rio?

16 - MATANDO COBRAS :: Sempre participavam da queimada de palhadas, em que o tempo próximo ao plantio, convidava a limpar (com fogo), os restos de culturas anteriores (prática muito primitiva que até hoje continua). Uma roça próxima da “Mata do Coelhinho”, era um imenso viveiro de cobras cascavéis (Crotalus terrificus), que com o fogo passavam a ocupar os buracos de tatus, vários em cada metro quadrado, daquele lugar. Dada à ordem para matar os répteis peçonhentos, com muito cuidado, cada um tomava sua ferramenta, haste de madeira, para o controle daquela população, que se multiplicava, enormemente, causando prejuízos ao rebanho, e à vida de pessoas. Tempos de loucuras Infantis, de matar cobras, e mostrar depois, a arma da execução!

17 - A MORTE DE VARGAS:: A crise política que tinha raízes em tempos passados, se agravara de vez. Era agosto de 1954. Na manhã do dia 24, morre o então Presidente da República do Brasil, Getúlio Dorneles Vargas. Matou-se com um tiro no peito. As causas e motivos da crise se resumem no nacionalismo do presidente, que esbarrava nos interesses de grupos ávidos pelo petróleo e outras fontes de energia, SIDERURGIA e outras riquezas nacionais; nas mágoas políticas ainda dos tempos da ditadura, contra ele que comandara o país desde a Revolução de 30, e no “Estado Novo” por mais de 15 anos; nas brigas entre PSD / UDN e seus aliados; na promulgação de Leis trabalhistas, que muito desgostaram as elites da época; na fundação da PETROBRAS, ELETROBRAS, COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL.

-O Getúlio morreu. O menino deu a notícia ao Fazendeiro.

-Já morreu tarde, disse ele. A desvalorização do gado Zebu, no “Período Vargas”, explicava aquela reação do Sr. Godofredo Machado. Os zebuínos eram antes negociados a preço de ouro, quando o ditador decretou que o preço daquelas jóias era o mesmo de qualquer boi no matadouro. Muita gente “quebrada”, e também, zangada!

O Brasil estava melhorando, mas ainda faltando muito para chegar lá. Importávamos canivetes da Suécia, e automóveis fabricados no Brasil, só no final dessa década de 50.

18 - A COMUNICAÇÃO :: O rádio era, e continua sendo importante meio de informação. As Emissoras de São Paulo e Rio, (Rádio Nacional-SP, Tupi-SP, Mayrink Veiga-RJ, Globo - RJ, Record-SP), eram as mais potentes, fora a BBC de Londres. O noticiário (REPORTER ESSO) e entretenimentos (PROGRAMAS de AUDITÓRIOS, com EMILINHA BORBA, MARLENE, ÂNGELA MARIA, os CANTORES como ORLANDO SILVA, NELSON GONÇALVES, CHICO ALVES, “O REI DA VOZ”, LUIZ GONZAGA, O REI DO BAIÃO, os Programas SERTANEJOS com as duplas,TONICO & TINÔCO, TÔRRES & FLORÊNCIO, JARARÁCA & RATINHO, ZÉ FORTUNA & PITANGUEIRA, ZÉ CARREIRO & CARREIRINHO, as RADIO-DRAMATURGIAS, como a Novela O DIREITO DE NASCER, os SERIADOS DE AVENTURAS, como, JERÔNIMO - O HERÓI DO SERTÃO, e humorísticos como o BALANÇA MAS NÃO CÁI), eram veiculados semanalmente. A televisão no interior, só muito mais tarde. Outro meio de comunicação era a Revista, como “O CRUZEIRO”, mais tarde, a “MANCHETE”, onde se líam as notícias, e víam as fotos dos acontecimentos.

19 - GOSTO MUSICAL:: A formação do gosto musical, começa bem cedo. As tias e a mãe trabalharam na cidade e sabiam de cor as músicas e as letras dos sambas, boleros, dos baiões, dos xotes do Gonzaga. A musica sertaneja, bem original, mesmo, fazia parte do nosso quotidiano: falando de gado, cavalos, carros de bois, pescarias no “domingo de tardezinha”, quando a gente “estava mesmo à toa”. Falava, também, da cidade, só para desdenhar, assim cantava o Poeta Sertanejo: - “Eu não troco o ranchinho marradinho de cipó, pr’uma casa na cidade nem que seja bangalô”. Os bons tempos do campo, antes de ser abandonado, pela sua gente! Um bucólico cenário, estava sempre, naturalmente, montado ao redor dos ouvintes. Era só participar com os violeiros das suas cantatas, e sonhar.

20 - A IGREJA SÓ LHE FEZ BEM :: canto coral da Igreja, vai diversificar ainda mais este seu gosto musical. Participando de apresentações de peças clássicas de BACH, HAËNDEL e outros do gênero religioso; como os autores, se sentiu mais perto de Deus, e a Ele mais perto de si. O “Nigro spiritual”, traduzindo um profundo sentimento da alma de um povo que sofria a escravidão e o desprezo, na América do Norte: “Rio profundo, meu lar além do Jordão, rio lindo, eu quero ir através dos prados... Oh!, Tu não queres ir para a Terra Prometida, onde tudo é paz ? ... Eu quero ir através dos prados”... Participava de Peças Teatrais. A igreja sólhe fez bem. Dizia um amigo, que nós, é que precisamos da Igreja, e nem tanto, ela de nós, como imaginamos. Este gosto foi se sedimentando ao longo do tempo.

Já aqui em Brasília, pode assistir no Estádio de Futebol, “Mané Garrincha” à Ópera de Verdi , “AÍDA”. Que maravilha de encenação! Participavam a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, a Cavalaria e Banda da Polícia Militar do Distrito Federal, atores e figurantes locais. Coisa fantástica, inesquecível! Igualmente deslumbrante, assistiu logo depois, a “O Guarani” de Carlos Gomes, no “Ginásio de Esportes Nilson Nelson”. E gosto é coisa intocável. Olhe que a minha sobrinha, ainda pequenina, tentou esquecer, em vão, a música do “Fuscão Preto”! Quando a tia lhe perguntou se já conseguira, respondeu que estava tentando. Esta é a mesma pessoa que ao responder pergunta, de como andava o irmão recém-nascido, disse: Ainda não anda, é muito pequeno, tio.

Os movimentos do “Rock and Roll e Bossa Nova”, não me influenciaram, muito. Pouco iam à cidade, e o único aparelho de rádio, era compartilhado com todos da casa, e vizinhos, às vezes, para ouvir noticiário e programas de musica sertaneja. E quem deixasse crescer o cabelo, calçasse botas de salto mais alto, ensaiasse uns requebros, era duramente criticado. As turbulências, deviam-se mais às questões político-sociais destes anos 60.

21 - O TRABALHO :: Desde muito cedo fomos levados ao trabalho. Ainda se lembra de quando por volta dos 8, 9 anos de idade, o pai lhe arreou um cavalo trotão e foram “campear”. Uma “vistoria” diária no rebanho da Fazenda, na parte da tarde. Primeiro o “campestre”, depois o ”Porto”, duas grandes “invernadas” à beira dum caudaloso rio, cobertas por densas pastagens e florestas de Ipês, onde florava primeiro o roxo, e depois o amarelo; passavam pelos seus respectivos retiros, onde tomavam café, batiam um papinho com os retireiros, voltando à sede da fazenda no final do dia, com o traseiro bem machucado.

O maior legado do pai, foi um grande exemplo de trabalho. Ele que trabalhara desde criança, primeiro como guia de deficiente visual, percorrendo todas regiões do Triangulo Mineiro, do Sul e Sudoeste de Goiás, até Trindade, vindo até Planaltina, hoje Distrito Federal, fazendo o “tour” das Festas Religiosas Católicas, a guiar o Sr. Benedito que esmolava por estes lugares. Souberam um dia que o deficiente e o guia haviam sido mortos num assalto, e qual não foi o espanto e surpresa, quando apareceram, “vivinhos da silva” em Araguari! Gritou lá de dentro da casa, o pessoal do seu pai: -fique por ai mesmo, alma penada, não se aproxime!

Na verdade, outros, guia e deficiente, morreram tragicamente. Depois trabalhou longos anos como padeiro, afora o tempo da agricultura.

22 - LIÇÃO APRENDIDA :: Certo dia o pai adverte ao filho, de que nada dissesse a ninguém, sobre determinado assunto familiar, mas foi o mesmo que tivesse dito, fale sobre o tal assunto, sem reservas. Quando viu, o pai já estava lhe dando uns “pescoções”, usando seu braço curto, mas muito potente, dizia:-É para você nunca mais “fuxicar”, seu moleque! Aprendeu a lição, naquele momento! Valeu a pena, apanhar!

O seu pai “Neguinho” não era lá muito certinho no seu casamento com a sua mãe. Muitas vezes, foi acordado, pela discussão dos dois, isto aos sete anos de idade. A causa do ciúme, eram umas “camponesas” solteironas, que por ali cuidavam de roças com o pai, e um bate papo, até às tantas da noite. Acabaram separados, debaixo do mesmo teto, tempos depois.

23 - A PROFESSORA:: Só quando já completara 10 anos de idade, é que Abello foi à escola, por esforço mais da mãe do que do papai. Na escola chegou praticamente alfabetizado, também pela ajuda da mãe que comprava a “CARTILHA DO POVO”, Edições Melhoramentos, e nas horas vagas, ensinava os filhos a ler.

Ensinou às crianças, também as coisas de Deus. Ainda hoje se lembra das histórias da Bíblia que ela lhe contava, e sempre o responsabilizava dizendo: - Meu filho, faça o que desejar, mas saiba que de tudo isso, prestará conta ao seu Criador. Citando o sábio Salomão no Eclesiastes. Certo dia, a questionei sobre entregar dízimos à Igreja e ela me respondeu: -primeiramente, o meu compromisso é com Deus, e o Pastor, que preste contas a Ele, lá e apontava pra cima!

24 - COMIDINHAS :: E por falar em comidas, se lembra bem do angu com carne de porco, da costelinha no arroz, do tutu, claro que à moda mineira, do “tutu riscado”, (conheceu com outro nome, esta designação é do pessoal do Diomário em Lagamar-MG). Ainda sente o sabor da carne frita, conservada na gordura de porco, do frango caipira, das macarronadas, do frango ao molho pardo, do pato da minha sua tia Maria, do peixe ao molho, que a mãe fazia, dos seus bifes acebolados, do lombo cheio, das almôndegas que preparava, do angu de milho verde com frango. Ressente da falta do macarrão com carne, feito no tacho para as festas de casamentos, do mingau de milho verde, das pamonhas, que só o se pai, se encarregava de uma dúzia, por vez, dos pudins, bolos de mandioca, o “mané pelado”, e do pé-de-moleque. Poucos dispensavam um café feito na hora!

O gosto pelo amargo, herdou da mãe: por jiló, almeirão, jurubeba, gariroba. Pequi, aprenderam a comer com os goianos, antes, em Minas, dele fazíamos sabão. As mulheres, por vários dias após o parto, comiam sopa de galinha, com farinha de milho. Mas gosto muito de doces e isso, talvez, pela ingestão de açúcar, desde os tempos da mamadeira. A filha primogênita, que não recebeu alimentos muito adoçados, no início da sua vida, gosta de preparar “sopa de cebola”, a caçula, pelo contrário, “adora” fazer brigadeiros.

25 - FORMANDO O GOSTO :: A preferência e gosto pelas comidas, têm também, sua origem nos comentários dos pais, em casa. Elogios a determinados sabores de comidas, terá fortes resultados, na preferência alimentar dos filhos. Não adianta forçar o menino a comer, do que ainda não determinou na sua mente querer “provar e aprovar”. Assim também é com a Palavra de Deus, “boa para formar o bom gosto” nas mentes e corações das pessoas, pelas coisas de Deus, traduzida na Versão Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil, por: “Boa para educação na Justiça”. Então vamos comentar com nossos filhos, netos, sobre as boas comidas e assim, também, falar da Bíblia, formando neles o gosto pelas coisas divinas.

TEMPOS FELIZES

Mas aquele menino gostava mesmo era de maquinarias da agricultura. Primeiro os arados de bois, com três rodas e alavanca de direção, “Chattanooga”, que, se o seu disco, encontrasse uma pedra ou um toco mais resistente, poderia lançar de si o operador a uns dez metros de distancia. Depois um velho trator de esteiras “International" que tracionava arados e grades na lavoura. Certa vez, aos onze anos teve que rebocar com aquela velha máquina, um caminhão carregado de porcos que ficara atolado no meio do curral e não havia outro que pudesse operar o resgate; pois na fazenda, o motorista e o tratorista eram a mesma pessoa. Tornou-se uma espécie de “herói” por este feito. O “Fordson” era um trator, mais moderno, “made in England”, em que nas horas vagas, trabalhava descansando aqueles tratoristas empoeirados de uma longa jornada de preparo da terra. Outras marcas, todas importadas: Massey-Harris, John Deere, o Fordinho à gasolina, o Ursus, de origem polonesa que com sua vibração, por ter um só cilindro, gigantesco, poderia derrubar uma parede de alvenaria, mas surpreendentemente, outro dia depara-se com moderníssimo trator da mesma origem e marca, na Feira da granja do Torto, Brasília-DF. Allis-Chalmers, David Brown, o Ford Brasileiro, Massey-Ferguson, as colheitadeiras, John Deere, que facilitavam enormemente as tarefas dos trabalhadores braçais, as Semeadeiras, ou Plantadeiras. As noites eram frias e a poeira cobria tudo. Hoje as moderníssimas máquinas agrícolas são dotadas de cabines fechadas, e ar condicionado. Em outras épocas do ano, o trabalho era com carpideiras puxadas por cavalos. O “mineiro” era o animal predileto do menino, tracionando com muita força, devido ao seu peso descomunal. Plantavam arroz, milho, feijão, algodão, mas era uma agricultura sem garantias de lucro algum. Trabalhava-se o ano inteiro vendo no fim, tudo se perder numa estiagem cruel. Cá, os nordestinos fugitivos da seca, se defrontavam com o mesmo fenômeno que de lá os expulsavam. A Lavoura irrigada, ainda era coisa de primeiro mundo. Estamos na década de 50. No Triângulo Mineiro, Ituiutaba e Centralina lideravam a produção de arroz de ”sequeiro”. Sem irrigação.

26 - PESCARIAS :: As pescarias reuniam um bom número de participantes. Pescava-se no córrego nas horas após alguma enchente, e à tardinha, ou à noite após a lida do dia, na sua confluência com o rio; bagres, mandis, enguias, piaus, um peixe bizarro, mas de carne saborosa, o ”Pacaman” ou “abotoado”. No rio, com armadilhas e anzóis, Piracanjubas, Piaparas, Dourados, Jaús, etc. Junto à molecada estava sempre o João Caetano, rapaz cuidadoso, que tomava conta de todos. Abello gostaria de desculpar-se mais uma vez com o Ozanan, deficiente só da perna direita, mas de língua afiadíssima. Fez “elogios” à mãe do garoto, apanhou deste menino.

Sabe Deus, onde estará agora, o Frederico Ozanan. abello, hoje sente-se mal com esta história!

27 - PESSOAS ESPECIAIS :: Já foram mencionados alguns nomes de pessoas da convivência do garoto, nestes primeiros tempos, mas tem vontade de fazê-lo de modo mais especial, a outros que ainda não foram mencionados.

-“Seu” Alencar, lá das bandas do Rio São Francisco. Nadava que só uma lontra; ajudava meu pai a trazer de volta o gado que atravessava para a outra margem do rio na ocasião da seca. Eram rezes bravias que teriam que atravessar a nado de volta ao seu pasto. Lá estava o fiel companheiro, dando a maior força. Trabalhamos juntos na lavoura desde que eu tinha 12 anos. Sempre transmitindo calma, sempre gentil conosco, os moleques; tratava bem as pessoas e os animais. Soube depois que morrera de tuberculose, sem um tratamento adequado. Quase sussurrando dizia:- É preciso cuidar bem do cavalo, para que fique bom logo desta bicheira. E todos os dias à tarde, a limpeza era feita rigorosamente no órgão reprodutor do animal.

-“Seu” Dimas Machado, dono da Fazenda onde morava o menino, dos quatro aos quatorze anos de idade. Era culto, da elite outrora escravagista, nos tratava com dignidade. Meu pai era o Gerente da Fazenda. Desde manhã bem cedo até já bem escuro estava a serviço daquele fazendeiro. Sempre que podia, às escondidas, aparecia o tal menino curioso, que mexia no automóvel do Patrão, um Mercury ano 52 ou 53, ou estaria em "revisão muito especial", uma camioneta GMC. O dono reclamava de si mesmo, por ter deixado a chave de ignição ligada, o tempo todo que ficara estacionado debaixo de uma frondosa gameleira. Queria me levar para sua casa na cidade, onde poderia continuar os estudos, mas os meus pais não aprovaram a idéia. Ali minha mãe trabalhou anos a fios preparando as refeições para os muitos trabalhadores e ainda cuidando da casa e dos filhos. Ali foram criados tomando leite de gado zebu, montando os bezerros, ou melhor, deles levando cada tombo! Aos 13 anos, sofre um acidente que o deixaria com sérias seqüelas. O animal em que cavalgava, em disparada, atrás do gado, meteu as patas dianteiras num buraco profundo, capotando sobre o garoto. A cela, presente do avô, ficou imprestável. Até hoje tem problemas na região sacro-lombar. No fim saíu dali a família sem visíveis recompensas. Deus, somente Ele, é quem ressarce de todos os prejuízos. A história de Jó, na Bíblia comprova tal fato. (Jó cap. 42).

-Dª. Fia, esposa do “Seu” Chico Jota, mãe de vários filhos. Era uma senhora muito bondosa que tratava com carinho, o menino e a seus irmãos ainda bem criancinhas, juntos de seus meninos, Therezinha, e se este nome não for escrito com “Th” que esta colega me perdoe, e Dinamilton. Ainda se lembra muito dela. Lá de cima do morro outra mãe gritava, chamando: - “Pra casa”!

-"Seu” Antenor, irmão do “tio” Celso, sempre assessorou o garoto a quem dava a maior força com a bicicleta “PHILLIPS” que ganhara do seu pai. Era também “made in England”. O Pai comprou-a de segunda mão, Erasto da Farmácia, mas quem tinha uma daquelas, mesmo usada, era feliz! Um dia, foram à cidade, Antenor e Abel, mais ou menos 20 km, levando cola para consertar a câmara de ar caso furasse, e “tripa de mico”, (um micro tubo de látex que era a válvula da câmara), para não pagar “mico”, caso viesse estourar. O “Seu” Antenor morreu soterrado numa obra na cidade.

-João do Borges, uma espécie de garimpeiro, boiadeiro, “mineiro da gema”, presenteou o menino com um relógio de pulso, quando, quase ninguém possuía um daqueles. Tinha ”bamburrado” no garimpo, juntamente com seu sócio Carlos Lobo.

-Francisco Jota, "Seu Chico", pai dos meninos Therezinha e Dinamilton, cuidava das lavouras e Criações de animais. Cumprimentado, sempre, pela turma no caminho da Escola cuidando do milharal, cuidando da família.

-“Seu” Godofredo, pai do “seu” Dimas sempre dizendo que compraria os testículos do menino, para um possível transplante em si, já que era bem idoso e com desempenho sexual a desejar. Dizia:- Vem cá moleque, quer me vender suas “coisas” ? E logo após fazia comentários: - Uns “baguinhos” destes, iam me ajudar bastante! Tivesse aceito a oferta daquele rico pecuarista, escreveria hoje estas histórias, para filhos e netos de quem? Ele galhofava de si próprio, e ao mesmo tempo se gabava de poder comprar órgãos humanos, e talvez pessoas. O modo que tratava o garotinho, me chamando de “macaquinho”, embora com certo carinho, denotava ranço da escravatura, herdado dos seus ancestrais. Hoje se vende e se compra órgãos humanos. Talvez, por sugestão do “seu” Godofredo. Homem bom! Cuidava bem dos seus Peões!

28 - A INICIAÇÃO SEXUAL : : A iniciação sexual dos meninos começava por volta dos 13 anos de idade. Foi nesse tempo que o garoto foi levado por pessoas de sua família a um “bordel”. Era a preocupação e o medo que, o menino se descambasse para o homossexualismo. Isto não se faz com filho de ninguém. Tem que ser por amor, e no tempo certo, com maturidade. Com prostitutas, será sempre por dinheiro. E prazer sexual, não se compra, e não se vende, se doa mutuamente, por amor. Um fato de memória desagradável a respeito deste assunto. Ela tinha , uns 15 anos, e o assediava sexualmente, já por muito tempo. Ele com 7, 8, se esquivava muito. Bem que ela tentou, mas as condições técnicas, não foram favoráveis, a que tivessem um relacionamento a seu modo.

Peões Heróis - A Boiada: Outro herói destes tempos, era o “João Gabiroba”, tio-bisavô do “Pedro “FEIJÂO”, irmão da bisa GÊ-GÊ. Por muito tempo foi “peão de boiadeiro”, naqueles tempos em que o transporte do gado para os grandes centros de consumo, era feito por “peões” conduzindo as manadas pelas estradas, passando a nado, por rios, em meio a florestas, até ao seu destino. O “boi de piranha”, em regiões da Bacia Amazônica ou mesmo da Platina, era escolhido dentre os animais de menor valor, e sacrificado, pois, sua carne e seu sangue, saciariam os peixes vorazes, possibilitando o restante da boiada passar a salvo para a outra margem.

A Recontagem da “boiada era uma tarefa especial, que só pessoa muito experiente poderia procedê-la. Por vezes, após este procedimento, alguém era designado pelo “capataz”, para localizar e trazer à manada, reses que ficavam de “arribada” pelas margens da estrada. Era, para aquele peão, uma questão de honra cumprir bem a tarefa. Por outras, o “capataz” errava para menos na sua conta, o que se chamava de “queimar arribada”, e o peão aflito, nada encontrava. Mas havia os “ases” da “contagem”, dizia-se que poderiam contar os bois pelas patas. Contavam-se as cabeças, multiplicava-se por quatro.

A “Comitiva” era composta de cozinheiros que além de cuidar das refeições diárias, durante a viagem, levavam também os objetos pessoais, de todos os peões e capataz da viagem, "modos de dormir”, mantimentos, além de conduzir a tropa de reserva. Em conversa há pouco com um velho Peão de Boiadeiro, o Sr. João, morador no Guará-DF, este menino pode relembrar de

Fatos e de pessoas. Conta o Sr. João que nos tempos em levava boiadas para Vianópolis-GO, para embarque nos trens, vários dias de viagem, ficaram sem o sal para cozinhar. O povo dos lugares por onde passavam, tomavam “emprestado”, mas não devolviam a mercadoria tão preciosa. Ao fim da viagem, os peões retornavam de caminhão para Formosa, centro Regional antes de Brasília.

O “Ponteiro” era aquele que se comunicava com a boiada através do som de um “berrante”, instrumento feito do chifre do boi com uma boquilha onde com os lábios se tirava som semelhante à “fala do gado”, o berro, o mugido. Era paradoxal aquela comunicação. O gado prosseguia docilmente ao som dolente, e repicante daquela música, sem saber do seu proposto destino, o matadouro; se bem que boi “chora”, diante do cadáver de um outro semelhante seu. Ficam horas junto ao lugar onde se abateu algum deles, e lágrimas caem!

29 - FLORES NO CABELO, CHAPÉUS EM CUMPRIMENTOS:: A passagem da boiada por Vilas e Cidades era um acontecimento rotineiro, mas que mexia com todo mundo, especialmente com as mulheres, que ocorriam às janelas para rever aquele “capataz”, aquele peão de outras viagens, que agora retornava por ali. Cumprimentos nos chapéus, flores nos cabelos, homenagens à beleza, e simpatia, eram notadas, mesmo à distância. E quem saberia, se numa próxima ocasião, não haveria até pedidos de mãos, e de todo o restante, em casamentos?

30 - BOIS TÊM SUAS LEIS:: Existem, também, seus códigos. Um boi mais valente põe, literalmente o chifre no seu concorrente, na disputa pela fêmea, tirando-o do páreo. É a lei do mais forte. Ficando bem claro, que não é a fêmea quem “bota o chifre”!

31 - O ESTOURO DA BOIADA :: Um dos momentos mais críticos de uma viagem, era um “estouro de boiada”, quando os animais, assustados por algo, mesmo não identificado, saíam em disparada, atropelando tudo pela frente, causando a morte de pessoas, de outros animais, e de si próprios. Era assim que “Zé Carreiro & Carreirinho”, cantavam os momentos difíceis, do estouro da boiada:

32 - BOI SOBERANO

(Letra e Música - Carreirinho-Izaltino Gonçalves de Paula-Pedro Lopes de Oliveira)

Relembro e tenho saudades do tempo que vai ficando

Do tempo de boiadeiro que eu vivia viajando

Eu nunca tinha tristezas vivia sempre cantando

Mês e mês cortando estrada no meu cavalo ruão

Sempre lidando com gado desde a idade de quinze anos

Não me esqueço de um transporte, seiscentos boi cuiabano

No meio tinha um boi preto, por nome de "Soberano”

Na hora da despedida o fazendeiro foi falando

Cuidado com este boi que nas guampa é leviano

Este boi é criminoso, já me fez diversos “dano”,

“Toquemo” pelas estrada, naquilo sempre pensando

Na cidade de Barretos, na hora que eu ia chegando,

A boiada estourou, ái só via gente gritando

Foi mesmo uma tirania e na frente ia o soberano

O comércio da cidade as portas foram fechando

Na rua tinha um menino dicerto estava brincando

Quando ele viu que morria de susto foi desmaiando

Coitadinho debruçou na frente do Soberano

O Soberano parou ái em cima ficou bufando

Rebatendo com os chifres os bois que vinha passando

Naquilo o pai da criança de longe vinha gritando:

Se esse “matá” meu filho eu mato quem vai tocando

Quando viu seu filho vivo e o boi por ele velando

Caiu de joelhos por terra e para Deus foi implorando

“Sarvai” meu anjo-da-guarda deste momento tirano

Quando passou a boiada o boi foi se arretirando

Veio o pai desta criança me comprou o Soberano

Esse boi “sarvou” meu filho ninguém “mata” o Soberano.

Os Poeta transferem para um boi, o que gostariam de ver no ser humano, gentileza, compaixão, misericórdia. Quando sabíamos que o animal abatido para o consumo da Fazenda, era nosso “conhecido e velho amigo”, em sua homenagem, o nosso estômago se recusava a aceitar aquela carne, por melhor que estivesse preparada, na panela.

O tio João queria saber se alguém andara correndo atrás dos carneiros: Você

Viu quem jogou os carneiros no esbarrancado, menino?

Todos poderiam ter visto, menos o autor da estória daquela tragédia:-Não vi os carneiros, tio João! Acho que eles correram a toa.

De péssima recordação este incidente. Muitos caíram num profundo valado e ali morreram, e não notifiquei ao responsável, meu tio.

Uma analogia é inevitável entre animais e pessoas, quando estas em disparada, fogem de catástrofes, ou quando indignadas, correm atrás de seus identificados inimigos, levando tudo de roldão, como na “Revolução Francesa, onde até quem não devia, pagou com a própria vida.

O "João Gabiroba" que hoje mora em Goiandira-Go, participava destas epopéias, tocando centenas, milhares de bois do Triângulo Mineiro aos frigoríficos de Araçatuba, Barretos, Andradina, no Estado de São Paulo. A alcunha era devida ao seu jeito de apanhar os frutos da “gabiroba”, planta de vegetação rasteira, sem apear da sua montaria, pelos cerrados afora. Aos 17 anos, era bem alto e magrinho. Não lhe faltava estórias para nos contar, no seu tempo de folga.

As boiadas estavam por toda parte, pelas estradas boiadeiras, de sul a norte, no centro-oeste. Nos pampas, no Pantanal mato-grossense, nos “Sertões de Goiás”, lugar onde esteve este autor, há pouco visitando Dª. Joana Calazans, que a quase 80 anos prima do pai de sua esposa, e que com ele não se casou por serem parentes próximos, disse. Ficavam então estes sertões, nas regiões fronteiriças, mais a noroeste de Minas Gerais, onde “se deu” a estória da morte do “CHICO MINEIRO” contada na “moda de viola” de “Tonico e Tinoco”. E filmada também, nestes mesmos lugares. Só que hoje, o sertão fica bem mais longe. Mas por lá, certamente ainda existem, bois bravios, peões apaixonados, mocinhas nas janelas, com flores nos cabelos!

33 - TIOS :: Já se falou do tio Celso, esposo da tia Maria, “amansador” de animais de montaria, homem de bom coração, que ajudou a família do menino em tempo de escassez. Sente não ter sabido mais de suas histórias. Como domador, sua dificuldade maior fosse, talvez, “domar” a “tia braba”, Maria Machado! Dizia ela:- eu te dou, Chá de “sambaíba”, ou coloco chumbo derretido no seu ouvido. Ela era muito legal, corrigindo o garoto das teimosias e lhe dando muitos conselhos, mas ela ainda é muito braba. Então me dizia: - AbelJosé, você é muito desobediente. Tem qde se “consertar”. Então eu lhe perguntava: - Tia, o meu cabelo está bonito deste jeito? E ela me respondia: - Só na frente. Atrás parece cabelo de “baiano”, liso na frente, e todo enrolado na nuca.

A minha tia Alda, caçula, muito tranqüila, criou onze filhos. Seu esposo, José Alves, era para quem o menino comprava cigarros “Mistura Fina”, que um dia lhe veio a vontade de experimentar um daqueles. Tinha tudo para se tornar um tabagista inveterado, não fosse aquele cigarro ser tão ruim. Seus filhos:

A tia Dalva não se relacionava bem com tia Maria, questão de namorados acho. Estava sempre jogando o sobrinho contra a outra tia, e vice-versa. Só se harmonizaram quando da perda de um filho da tia Dalva.

O tio “Coninho”, cujo nome era Alçair por erro do cartório e do vovô, que queria Abissair, era amigo deste menino. Rapaz trabalhador, matou-se por questões familiares com a esposa ou talvez por motivo que só ele sabia. Nesta ocasião da sua morte, vivíamos fisicamente distantes um do outro. Que pena que ele se matou! Não devo julgá-lo. Fica isto com Deus. Não se destroi esta obra divina que é o corpo humano - Casa do Espírito Santo! Fica com para Deus este Julgamento!

34 - OUTROS HERÓIS :: Também herói, o Agmon, vencedor nos rodeios de Uberaba e do interior de São Paulo. Era também domador de burros, cavalos. Filho do “seu” Dácio e irmão por parte de pai dos meninos, Édmo e Ozanan. Nunca se ouviu dizer que aquele Peão tivesse caído! Hoje há uma nova concepção de como domar animais e mesmo pessoas. A Psicologia animal, está ai para isto.

“Seu” Pedro Medeiros, “nortista” ou “nortenso”, com diziam, viera com a mulher e três ou quatro filhos do Rio Grande do Norte, contador de estórias, ou melhor ainda, “cantador de cordel”, com ”aboiados” e tudo mais. Passávamos horas a fio, lá pelas tantas da noite, ouvindo os versos sobre os heróis da sua região, dos quais de destacava Lampião, que não olhava posição social quando praticava seus atos de vingança, e isto agradava o povo sofrido pelas mãos dos ”coronéis”, de norte a sul deste país, estando incluídos na cantoria, “os bailes” que os soldados das “volantes” de Sergipe, alagoas, Bahia, levavam dos cangaceiros, até ao dia em que um tal Tenente Bezerra, acabou por imortalizar esse lendário “herói”, matando-o, juntamente com “Maria Bonita” sua fiel companheira e amante, e grande parte do Bando. O Pedro nortista, que plantava um bananal do outro lado do córrego saiu-se com esta: “Encontrara no terreno arado, no sol escaldante, uma cobra guiando outra que era cega, e que lhe oferecera a própria cauda como se fora um bastão". Era muito solidário, na verdade, este amigo. Queria que o menino já agora rapazinho, casasse com sua filha Edith, de minha idade, 13 anos, “galega” muito bonita, e como eu, também muito tímida. Muito diplomático, talvez, quisesse aquele pai de família, unir forças com o povo do lugar, casando ali, sua menina.

Façam-se Homenagens na pessoa de Pedro Medeiros, a todos os nordestinos, valentes, homens e mulheres, que ajudaram a construir, nas fábricas, na agricultura, o nosso país; aos “candangos” que com outros “candangos” de todos os lugares (candango que num dialeto africano quer dizer – homem sujo de terra), estiveram de “mãos limpas”, na epopéia da construção de Brasília. Minha homenagem também ao poeta cantador, “tocador” de sanfona “pé-de-bode” e acordeon, que tanta falta, faz. Foi ele quem primeiro promoveu a integração norte-sul, através de sua música. Aos 8, 9 anos, já ouvia da boca de minhas tias e de minha mãe, “Assum Preto”, "Asa Branca”. Luiz Gonzaga. Também rendo tributos a um garotinho de 5 a 6 anos que chegara no "Pau-de- Arara" e logo se tornou amigo da vovó Maria, em Tupaciguara, era ele muito esperto e procurava por si mesmo sua subsistência diária: Ele, um crentezinho, perguntava:-Irmã, cadê aquele queijo de ontem ? - “Acabou”. - Acabou-se? Acabou-se, como, se era do tamanho de um pneu”?

35 - WALDEMAR ROSE :: Era, ele, de outra denominação eclesiástica, mas sempre vivendo e agindo como se barreiras de tantos preconceitos, nunca, tivessem existido. Ali em Tupaciguara, assistiu a avó do menino Maria Cardoso, como se fora da mesma Igreja, da sua própria família. Com alimento espiritual e víveres também, no tempo em que não se tinham, ainda, inventado a cesta básica de alimentos para doação,estilo propaganda eleitoreira, lá estava ele, suprindo necessidades do corpo e da alma. Já estivera em Brasília desde antes da inauguração, aqui participando da construção. No Livro, “SAGA DOS EVANGÉLICOS NA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA”, que fala sobre a participação do Reverendo Waldemar Rose, pôde-se basear para homenagear este “Pioneiro”, não só de Brasília, mas, também, de outras regiões deste imenso Brasil. Em Brasília chegara bem jovem, com a sua jovem, também, esposa, Da. Maria Litoldo Rose, com os meninos, bem pequeninos. Em novembro de 1957, o então Evangelista Waldemar, inaugurava o Templo Presbiteriano da Cidade Livre (hoje Núcleo Bandeirante), o primeiro de Brasília, no lote de no. 1420, da Avenida Central. Poucas vezes estiveram juntos este autor e este Homem, batalhador no evangelho. Quando o pregador visitou Crixás, logo após a perda do filho Estevam, certa vez em João Pinheiro, e quando de visita à sua casa em Taguatinga, pouco antes da sua partida.

O seu conceito entre o povo da minha terra, era muito elevado, incluindo a denominação “Batista”, dos avós, tios, e mãe do menino. Pensa que, também, por isso, hoje é Presbiteriano. Foi para todos uma grande honra e imenso privilégio, poder assistir à Da. Maria Litoldo, no HFA. Carinhosamente, dela retirou sangue para exames de Laboratório, no apartamento do Hospital, como, também, na sua residência em Taguatinga; uma assistencia a ela, que acudiu tanta gente na área da saúde. Pôde, então, retribuir um pouquinho do que fizeram à sua família. Lá em Minas Gerais.

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