CARTOLA DO SAMBA E DO AMOR

                                                         Sérgio Martins PANDOLFO*

Continuam nossas lutas
podam-se os galhos
colhem-se as frutas
e outra vez se semeia”


      Mestre Cartola – Todo o tempo que eu viver (fragmento)

     O mês de agosto contempla a data natalícia de uma das maiores figuras da genuína música brasileira – o samba -, a do compositor popular consagrado nacionalmente como Cartola ou, melhor ainda, Mestre Cartola.
     O carioca Angenor de Oliveira nasceu no Rio de Janeiro aos 11 de agosto de 1908 na rua Santo Amaro, bairro do Catete, quinto filho de uma prole de sete irmãos. Muito cedo começou a trabalhar; foi tipógrafo, contínuo, lavador de carros e ajudante de pedreiro. Aos oito anos já desfilava em blocos carnavalescos e aos onze, por ingentes dificuldades financeiras sua família foi morar no morro da Mangueira.
      O hábito de usar chapéu de coco para proteger a cabeça do cimento lhe rendeu o apelido com que ficou conhecido para o resto da vida: Cartola. Ele não só fundou a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira como lhe deu o nome e as cores: verde e rosa. Era homem simples e de parca instrução (só o primário) e isso é que impressiona: suas letras são de impecável correção, algumas até com laivos de erudição, e ao longo de mais de cinco décadas dedicadas ao samba construiu um dos legados musicais de maior expressão, realce e beleza do cancioneiro popular, sendo considerado por expoentes da música como o maior sambista de todos os tempos.   Viveu tempos difíceis e atribulados no morro que tanto amou, o da Mangueira.
     Nos anos 40, viúvo, veio a conhecer Euzébia Silva do Nascimento – Dona Zica -, também viúva, com quem passou a conviver, casando-se depois de 12 anos de união. O casal passou por sérias dificuldades financeiras, mudando-se para a Baixada Fluminense. D. Zica foi fundamental, arriscaríamos mesmo dizer definitiva, na vida e na obra de Cartola. Era, juntamente com a Mangueira, suas duas grandes e imorredouras paixões. Nos tempos em que viveram juntos compôs “As rosas não falam”, sua música mais conhecida e executada, “Nós dois” (feita dias antes do casamento) e “O Sol nascerá”. O casal, depois de passar por seriíssimas aperturas econômicas foi “descoberto” por gente influente do mundo musical (o jornalista Sérgio Porto, o popular Stanislaw Ponte Preta) e abriu um restaurante, o Zicartola, de grande sucesso, e juntos desfrutaram momentos inesquecíveis. O Mestre teve sua obra reconhecida por nomes do quilate de Villa Lobos, Radamés Gnattali e Marcus Pereira.
       Ao longo de sua vida teve inúmeros parceiros, tais como: Carlos Cachaça, compadre e o mais assíduo; Zé da Zilda; Sílvio Caldas; Noel Rosa; Elton Medeiros; Hermínio Belo de Carvalho, Dalmo Castelo e muitos outros.
      Cartola compôs e cantou o amor como ninguém. Sempre no ritmo do samba. Foi o menestrel do samba e do amor. O grande sambista Nelson Sargento dizia nunca ter-se atrevido a propor parceria com ele por considerá-lo “um compositor finíssimo”.
     O Mestre do samba e trovador do amor morreu de câncer em 30 de novembro de 1980, aos 72 anos de dura, mas profícua existência, durante a qual compôs, sozinho ou em parceria, mais de 500 canções que ele assinou e deu a conhecer através de intérpretes famosos ou nem tanto. Se a isso aditarmos centenas de outros sambas que ele vendeu para sobreviver poderemos aquilatar a enorme, quase infinda capacidade desse humilde homem de cor em fazer versos de amor, que ele cantava melhor do que ninguém. E versos, diga-se, da melhor qualidade. Entre suas canções mais conhecidas, além de “As rosas não falam”, podemos repertoriar: “O mundo é um moinho”, “Cordas de Aço”, “Alvorada no morro”, “Divina Dama”, “Tive sim”, “Acontece”, “Ensaboa”, “Peito Vazio” e “Autonomia”, esta última, na opinião do autor deste texto, talvez sua música mais bela e expressiva, como sempre a cantar o amor. Amor impossível.
      Por ocasião do transcurso dos 25 anos da morte desse “monstro sagrado” de nossa música nacional, o samba, tocado pela saudade de suas belas canções e da terra natal (estávamos em Belo Horizonte) fizemos, em sua homenagem, poema que sintetiza a trajetória de vida e obra do Mestre da MPB.
      Em agosto de 2008, portanto, completaram-se 100 anos de sua vinda ao nosso Mundo, o primeiro Centenário e, merecidamente, muitas homenagens lhe foram prestadas.

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Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Site: www.sergiopandolfo.com



Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 05/06/2009
Reeditado em 27/09/2011
Código do texto: T1633473
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