JUSCELINO KUBITSCHEK - O médico que integrou a Amazônia ao Brasil

       “Médico sou e título nenhum reputo mais belo, mais dignificante”
           Juscelino Kubitschek.



      Por ocasião do XIX Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores — SOBRAMES, ocorrido em Belo Horizonte de 29/05 a 1/06/2002, prestou-se expressiva e justíssima iomenagem pelo transcurso do 1° centenário de nascimento deste grande brasileiro, o Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, médico, escritor e um dos maiores, se não o maior Presidente desta Nação, que ele elevou a um patamar de desenvolvimento e ascensão social como nenhum outro houvera antes conseguido, mercê das obras grandiosas que ousou realizar e as mudanças administrativas que fez implantar. Em Sessão Solene realizada no Memorial JK, em Brasília, em 25/10/2005, o inolvidável médico urologista, operoso homem público e excepcional Presidente brasileiro foi oficialmente consagrado Patrono da Sociedade Brasileira de Urologia.
      Já por seu ambicioso Plano de Metas, que previa o avanço social e tecnológico do País de “cinqüenta anos em cinco”, como pelo contagiante otimismo e disposição para os embates a que se propunha, expressados pelo permanente sorriso que a todos cativava e incitava, podia-se ver que ali estava o homem predestinado, o estadista que a Nação estivera a pedir, o redentor, enfim, deste estóico povo brasileiro que ansiava por um Líder da envergadura de JK para elevar-lhe a auto-estima, retirá-lo do marasmo burocrático-funcional reinante, concitando-o ao trabalho produtivo e impulsionador de que o Brasil havia muito se ressentia e, por fim, devolver-lhe o orgulho de ser filho deste portentoso País. “Amigos, o que importa é o que Juscelino fez do homem brasileiro. Deu-lhe uma nova e violenta dimensão interior. Sacudiu dentro de nós insuspeitadas possibilidades. A partir de Juscelino surge um novo brasileiro!” — a redizer o genial Nelson Rodrigues.
      Todos o sabemos um dos políticos mais operosos e exitosos de todos os tempos, mas poucos conhecem seu exuberante e proficiente tirocínio da Medicina, o culto às letras, que configuram ângulo reluzente de sua cultura polfacética. Por isso a SOBRAMES, que congrega nacionalmente os médicos escritores, está empenhada em desvelar ao povo brasileiro, essa face ofuscada do grande estadista pátrio.
      Nascido de família modesta do primevo Arraial do Tijuco, hoje Diamantina, interior de Minas Gerais, a 12 de setembro de 1902, filho do caixeiro-viajante João César de Oliveira e da professora primária Júlia Kubitschek, de ascendência austro-húngara, órfào de pai aos três anos — a tuberculose campeava infrene e abatia vidas preciosas —, tendo sido criado e formado nas primeiras letras pela mãe, Nonô — terno apelido familiar —, concluído o secundário no seminário diocesano local partiu para a capital do Estado a fim de realizar um sonho que anelava desde menino: ser médico e trabalhar sério para a elevação das condições de vida de seu povo. Em Belo Horizonte foi praticante de telegrafista da Repartição Geral dos Telégrafos, por concurso, nomeado em 1921, batalhando o Morse para amanhar o sustento na nova capital de pouco mais de quatro lustros de inaugurada. Durante o curso médico, de 1922 a 1927, desde cedo mostrou excepcional pendor para a cirurgia, percebido, à unanimidade, pelos colegas de turma, que, em razão disso cunharam a quadrinha: “Dois nomes, eu estou certo/Vão pôr este mundo em xeque/No violino, Kubilík/No bisturi, Kubitschek”. Turma primogênita da Faculdade de Medicina da novel Universidade mineira na recém- instalada capital, que incluía o notável Pedro Nava, juiz-forano, “o maior memorialista brasileiro de todos os tempos”, segundo Drummond, o menestrel de Itabira, este mesmo também amigo e intelectual pertencente à mesma geração e à mesma Belo Horizonte de Nonô. Bem mais tarde, Nava, em um de seus livros de memórias, “Beira-Mar”, numa bela página evocará o colega, terna e favoravelmente.
      Formado, permaneceu ligado à Faculdade de Medicina, agora como professor assistente de Clínica Cirúrgica e Física Médica, mercê do conceito que granjeara como discente, e passou a clinicar ativamente na capital, trabalhando também na Santa Casa e no Hospital São Lucas. Em 1930 partiu para a Europa, tendo, em Paris, realizado Curso de Especialização no afamado Serviço de Urologia do Professor Maurice Chevassu e curto estágio no velho hospital Charité, em Berlim. De volta à metrópole contraiu núpcias com Sara Luíza Gomes de Lemos. Foi admitido como capitão-médico da Força Pública, na qual chegou a tenente-coronel, e assumiu a chefia do Serviço de Urologia do Hospital Militar, tendo servido em hospitais de sangue no aceso da revolução constitucionalista de 1932. Atuava também como médico da Beneficência da Imprensa Oficial do Estado e em seu consultório particular atendia a crescente clientela privada.
      Seduzido pela política, a que nunca antes se houvera inclinado, galgou todos os degraus, assim no âmbito estadual como nacional. Em Minas começou como Secretário de Governo na interventoria de Benedito Valadares — funções que desempenhava cumulativamente com as atividades de médico e cirurgião, mas que fizeram-no abandonar, definitivamente, a elaboração da tese com que pretendia concorrer a uma cátedra na Faculdade de Medicina —, elegendo-se a seguir deputado federal, em 1934, mandato que perdeu em 1937 com o advento do Estado Novo, voltando então a clinicar plenamente, chegando a ter, nesse período, um dos consultórios médicos mais conhecidos e solicitados da capital mineira.
       Prefeito de Belo Horizonte nomeado em 1940, realizou administração tão eficiente e revolucionária que transverteu a fisionomia citadina da nova capital das Alterosas - com destaque para o complexo da Pampulha - , projetada pelo prestigiado e competente engenheiro paraense Aarão Reis nos limites topográficos da antiga Curral-d’El-Rei, acanhada e impregnada, ainda, de forte atmosfera roceira, fazendo desabrochar para o Brasil o nome de Oscar Niemeyer, até então desconhecido e obscuro. Reeleito deputado federal em 1945 cumpriu integralmente o mandato com proficiência e grande operosidade. Tal performance garantiu a sufragação de seu nome em pleito direto para Governador do Estado, tendo sido levado ao Palácio da Liberdade nos braços do povo. Maestro de um complexo e trepidante concerto de obras de grande alcance, inovadoras, renovadoras, levadas a cabo, logo se fez popularizar como o “governador a jato”.
      O grande salto para o plano nacional deu-o em 1955, elegendo-se Presidente do Brasil, tendo realizado governo excepcional, caracterizado pelo dinamismo e pela modernização administrativa. O “presidente bossa-nova” , como o apelou Juca Chaves, expandiu suas ações em todos os setores, cabendo pôr relevo no tripé comunicações/transportes/geração de energia, onde sobressaem a construção das grandes hidroelétricas de Furnas e Três Marias; abertura das rodovias de integração nacional: Belém- Brasília, Brasília-Acre e Belo Horizonte-Brasília, todas partindo da planejada e funcional cidade - declarada patrimônio cultural da humanidade, pela UNESCO, em 1987 -, que ele construiu e implantou em tempo recorde, dando nascimento ao novo Distrito Federal, em 1960, com a mudança da capital do Pais, consubstanciando um de seus dísticos: “Para frente e para o alto, na direção do Planalto”. E tal foi a metamorfose profunda que operou neste continental País que o qüinqüênio de sua suprema magistratura ficou para sempre assinalado como a Era JK, a expressar o novo Brasil que houvera criado.
       A construção da Belém-Brasília tem para nós, desta esquecida, mas altaneira “sentinela do Norte”, comemorativos especiais de verdadeira epopéia amazônica, vincada pelo heroísmo, máxima determinação e rasgos de intensa emoção que incluem a morte prematura e trágica de Bernardo Saião, operoso agrônomo carioca radicado em Goiânia, esmagado pelo tombo de frondosa árvore, do engenheiro paraense Rui Almeida e de tantos outros trabalhadores anônimos.
      Decidida a construção de Brasília - cuja inauguração já houvera sido marcada para 21 de abril de 1960 -, Waldir Bouhid, um médico sanitarista também mineiro, que para cá viera a convite do Governador Magalhães Barata para ser Secretário de Saúde e ocupava, então, o elevado cargo de Superintendente da SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, sucedida, mais tarde, pela SUDAM) fez ver ao atilado Presidente, em reunião havida no Palácio dos Leões, em São Luis do Maranhão, no início de 1958, com os governadores da Amazônia e do Nordeste e dirigentes de órgãos federais, a imperiosa necessidade de se construir, concomitantemente com a nova capital federal, uma rodovia que a ligasse a Belém, a fim de integrar nossa capital ao restante do Pais.
      Contrariamente ao parecer técnico do Diretor Geral do DNER, que, consultado, e mostrando o mapa do Brasil, disse ser humanamente impossível à engenharia nacional, por ele havida como insubsistente, concluir obra de tamanho vulto no prazo tão exíguo de dois anos, Bouhid lançou-lhe um desafio: “Presidente, não sou engenheiro rodoviário. Sou médico sanitarista. Entretanto, se Vossa Excelência conceder-me os meios a SPVEA construirá essa rodovia, que será inaugurada juntamente com Brasília”, ao que o decidido e jubiloso Juscelino Kubitschek teria respondido: “Pois então começaremos amanhã!” Para tal foi oficialmente criada a RODOBRAS, vinculada à SPVEA e todos sabemos bem as peripécias por que tiveram que passar os executores desse arrojado e pioneiro empreendimento - uma rodovia de 2.200 km de extensão -, em grande parte talhado no seio da floresta virgem, mas no dia 2 de fevereiro de 1960, com a chegada da Coluna Norte a Brasília, o médico Waldir Bouhid, comandante da caravana, ao ser abraçado por um Juscelino radiante de alegria disse-lhe apenas: “Presidente, missão cumprida!”
      Criou a SUDENE e implantou a indústria automobilística nacional (“o presidente que pôs o Brasil sobre rodas”). Também assinalados, pelo pioneirismo e visão futurista, a implantação da primeira bomba de cobalto para tratamento do câncer no Brasil e do primeiro reator atômico da América Latina. Vale lembrar ainda, por glorioso e marcante, que em sua gestão sentimos, pela primeira vez, o gáudio e o gosto de ser campeões mundiais de futebol, em memorável campanha na Suécia. No plano continental criou a operação Pan-Americana que suscitaria, mais tarde, a Aliança para o Progresso, de iniciativa do Presidente Kennedy. Em 1961, saído da presidência elegeu-se senador por Goiás, mandato interrompido em março de 1964, com a eclosão do golpe militar, que também lhe cassou os direitos políticos por dez anos.
      Inobstante o fato de que seu tino administrativo e a eletrizante energia tenham propiciado a realização de um volume de obras tal que o marcarão para sempre, Juscelino nunca abdicou de sua vocacionada formação médica. Seu amor pela Medicina foi intenso e legítimo, assertjva que pode ser facilmente constatada em vários lanços de sua encorpada obra memorialística, com enternecidas referências à atividade hipocrática, de que repertoriamos somente três: “..... quanto mais me dedicava à Medicina, mais ela me apaixonava. (....). .O material com que se trabalha é a existência humana. E os inimigos a combater são o sofrimento e a morte”, enunciada quando ainda se dedicava exclusivamente à arte de curar; “Até então, trabalhava sobre o organismo humano. Dali em diante, o material, com o qual iria lidar, seria uma cidade. (....).. Como médico sempre tivera por objetivo o bem-estar do próprio paciente. Mas, como prefeito, iria sanear enfermidades urbanas....”, aquando de sua gestão à frente da Prefeitura de Belo Horizonte; “Sou médico e não técnico. Possuía, entretanto, o instinto das soluções que interessavam ao Brasil. (....).. Trabalhava-se em todos os Estados. O gigante, que vivera deitado ‘em berço esplêndido’ durante tantos anos, abria, por fim, os olhos para a vida.”, no pleno exercício da Presidência da República.
      No âmbito literário alcançou a imortalidade com a eleição para a Academia Mineira de Letras, em 1975, tendo sido eleito, em 1976, Intelectual do Ano, pela União Brasileira de Escritores - UBE, que lhe conferiu o troféu “Juca Pato”, deixando obra de grande expressão, em que se destacam: “A Experiência da Humildade” “50 anos em 5”, “A Escalada da Política”, que compõem seu opus magnum “Meu caminho para Brasilia” (memórias, 3 volumes), “Por que construí Brasília” (478 págs.), além de opúsculos, monografias, publicações avulsas, artigos (médicos e literários) em jornais e revistas, despachos administrativos, relatórios governamentais, etc. Questões eminentemente políticas obstaram seu ingressos na Academia Brasileira de Letras, em flagrante desfavor da literatura pátria.
      Grave acidente automobilístico ceifou a vida desse excepcional homem público, em 1976, privando o povo brasileiro do concurso de um dos seus mais lídimos representantes. Foi, não temos dúvidas, um desses homens iluminados que a humanidade produz de raro em raro, mas que deixam indelevelmente assentada sua passagem por esta estação terrena. “JK é um mito, acima de verdades e mentiras”, afirma Angela de Castro Gomes, organizadora do livro “O Brasil de JK” e diligente pesquisadora da biografia do notável estadista. “Os anos dourados foram aqueles em que os brasileiros deram as costas às derrotas e viveram o sonho intenso de serem viáveis, modernos, inéditos - até mesmo invejáveis”, diz-nos seu biógrafo mais recente e copioso, Cláudio Bojunga. São das memórias de Kubitschek estas palavras: “O que eu deixava era um país em ordem, pacificado, próspero, confiante em si mesmo e cônscio de seu destino de grandeza”. Da lavra desse gigante político, intelectual e humanista é, também, tal confortador pensamento: “A morte nem sempre é a pior coisa da vida. É apenas a última”.
      Creio que os paraenses estamos devendo ao presidente Kubitschek homenagem à altura desse que foi o verdadeiro integrador da Amazônia ao Brasil.  Quem conheceu o isolamento destas plagas antes de Juscelino, Belém especialmente, pode bem aquilatar o notável incremento que experimentou esta cidade, com a implantação da Belém-Brasília, em todos os sentidos. E nada se vê por aqui que rememore esse fato e expresse nosso preito de gratidão ao diamantino Nonô.
      Um monumento público grandioso, algo a jeito do Memorial JK, em Brasília; um logradouro municipal à altura de seu impulsionador-mor; uma rodovia estadual importante; um edificio público de relevo, da administração citadina ou do Estado; enfim, precisamos dignificar e perpetuar o nome de JK, ligando-o, aqui, a um memorial evocativo de grande expressão ou, como dizemos, os parauaras, um referencial pai-d’égua.

--------------------------------------------------------------------
Bibliografia consultada:
Almanaque Brasil de Cultura Popular, Ano 4, ti0 42, S.Paulo, Elifas Andreato, setembro 2002.
Bojunga, C: JK. O Artista do Impossível. Rio de Jan. Objetiva, 2001.
Ferreira FN: Amazônia, realidade cheia de perspectiva, Belém, Gráfica da SUDAM, 1989
Grande Enciclopédia Delta LAROUSSE, Rio de Jan. Deita, 1976.
Kubitschek, J: Por que construí Brasília, Brasília, Senado Federal, 2000.
Nova Enciclopédia BARSA — Encyclopédia Britânica do Brasil Ltda, S.Paulo, 1998.

-------------------------------------------------------------------
Nota: Discurso proferido (com achegas) em Sessão Especial da Câmara Municipal de Belém, em comemoração do 1° Centenário de Nascimento do Presidente Juscelino Kubitschek, 11/09/2002 e em Sessão Especial da Sobrames-PA, em conjunto com a Fundação Hospital de Clínicas “Gaspar Vianna”, 23/09/2002.
Na fotografia acima o autor destas linhas junto à estátua pedestre do grande JK em Diamentina, sua tertra natal, que justamente o homenageia. 
------------------------------------------------------------------
Médico e Escritor. SOBRAMES/ABRAMES/IHGP
E-mail: serpan@amazon.com.br - www.sergiopandolfo.com

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 15/05/2009
Reeditado em 27/09/2011
Código do texto: T1595892
Classificação de conteúdo: seguro