Ela

Ela acorda às cinco e meia da manhã, não por necessidade (por enquanto), mas porque sua irmã pequena estuda de manhã e faz muito barulho antes de sair para a escola.

Ela só queria acordar tarde para aproveitar os últimos dias de férias da faculdade.

Mas ela dorme de novo depois. Só mais um pouquinho.

Ela acorda outra vez e definitivamente, arruma a cama, a casa, toma café, arruma a casa mais um pouco, lava louça, lava roupa, lava a área do cachorro, estende a roupa.

Ela fica cansada. Mas é só o começo.

Ela toma banho, se arruma (se estressa), se acha gorda, horrorosa, mas aceita a situação, senão se atrasa. Tem dias que ela se acha linda também. Depende do humor.

Ela almoça, escova os dentes, termina de se arrumar e vai para o estágio.

Ela está com sono, mas ainda é só o começo.

Ela anda muito, pega um ônibus e anda muito mais do que andou antes.

Ela se incomoda com o sol escaldante ou com a lama nojenta, dependendo do tempo.

Ela deseja, todos um dias, um carro. Mas não pode comprar, pois é apenas o começo.

Ela começa suas tarefas, fica agitada, mas gosta do que faz.

Ela acha que o tempo passou e olha para o relógio do computador: o dia mal começou.

Ela se dá conta de que fez muita coisa e o dia toma um novo rumo.

Ela vai embora de volta para a casa. E faz tudo o que fez na ida, só que ao contrário.

Mas desta vez, ela vai em pé no ônibus cheio.

Ela sente dor no braço, mas não cai. Já está acabando.

Ela chega em casa, come muito, toma banho e joga video game.

Ela é viciada em Guitar Hero.

Ela joga no Expert.

Ela também lê o livro de 800 páginas que parece não ter fim.

Ela acaba dormindo.

Mas ela não resiste ao hábito da internet e navega.

Ela fala com amigos, namorado, família distante.

Ela se informa, escreve coisas, ouve música e ri com bobagens.

Ela ri demais às vezes. Alto mesmo e histericamente.

Ela se renova, mas se cansa. O dia finalmente está acabando.

Ela se despede de todos virtualmente, toma banho outra vez para suportar o verão do Rio e vai dormir.

Ela sonha e entra no período de transição do hoje, que se vai, para o amanhã, que já vem - e que promete ser a mesma coisa que hoje, só que diferente. Sempre diferente.

Ela sou eu.