Esse era o meu quadro no CTI por dez longos meses: tetraplégica com traqueostomia, gastrostomia, sonda vesical, acesso profundo jugular, ventilação mecânica, sinais vitais monitorados por vídeo, sonda naso enteral e sei lá mais o que. Em menos de um mês vieram as escaras, tromboses e as infecções hospitalares. Agulhas, acessos, raios-x e tomografias. Eu parecia uma mulher biônica.

As visitas me faziam bem. Tinha muito carinho e apoio de todos. Família, amigos, trabalho. Eu ficava com os olhos grudados na porta perto da hora da visita. Até um monte de amigos virtuais. O mundo todo torcia por mim. Chegaram a criar um site só com lindos depoimentos. Um tributo emocionante.

 Minha cabeça era um turbilhão de pensamentos. Não conseguia pensar no futuro. Só repaginava o passado. Ano por ano, o que fazia em todas as idades. Procurava fatos históricos marcantes como pano de fundo ao longo da vida. Tudo valeu. Sem arrependimentos. Tudo que eu queria, tinha. Isso fazia passar o tempo, sempre de olho no relógio. Ou dois? Via tudo duplo. Estava vesga. Quando pingavam o colírio, melhorava.

Os sonhos estranhos se repetiam e davam continuidade. Em todos eu andava. Num deles meu filho falava comigo por telepatia o que fazer do apartamento. E não é que no dia seguinte, na visita, ele me perguntou sobre o apartamento? Era preciso elaborar perguntas de forma a responder sim ou não piscando os olhos uma ou duas vezes. Mesmo assim tinha muito pra falar e esse exílio silencioso me frustrava muito.

Um belo dia meu filho conseguiu ter a mesma  idéia que eu já tinha tido há muito tempo. Ele escreveu de A à Z, apontava letra por letra e formava as palavras a medida que eu piscava sim ou não. Dava um trabalhão e tinha que ter muita paciência. E só com uma hora de visita, não chegava a completar nem uma frase inteira. Ele voltava ansioso no dia seguinte para terminar a frase. Com o tempo, certas frases já até antecipava de tanto repetir. Por exemplo: 'me abana' ou 'perna dói' ou 'sede'. Apesar de alcançar uma façanha tão sensacional, eram raros os enfermeiros ou médicos que tinham tempo para fazer o mesmo.

Meu único dedo digitador já está cansado por hoje, e ainda preciso editar. Depois volto pra contar mais.




Ladyrosso
Enviado por Ladyrosso em 03/05/2009
Código do texto: T1572798
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