O coração
Como disse uma amiga, por muito tempo não se ouvirá um soluço, tamanho foi o susto que eu dei na quinta-feira, 17 de maio de 2007. Eu já estava acamado por três dias pela infecção na garganta, com febre alta e dores no corpo.
Perto da meia-noite, pedi a uma amiga (não é a mesma aí acima) para levar-me ao médico por terem aparecido “dores novas”, no peito e no braço esquerdo, que foram aumentando gradativamente.
Imediatamente, o médico solicitou um eletrocardiograma e me receitou um medicamento. O próprio médico rapidamente pôs-se a telefonar para os hospitais, procurando vaga em uma UTI (unidade de terapia intensiva). Eu ouvia os brados: “por favor, é urgente, o paciente é jovem...”. Só depois eu soube que ataques cardíacos em pessoas da minha idade costumam ser fatais. Só depois também eu soube que o médico plantonista que me atendeu era justamente um cardiologista.
Em UTI e quarto do hospital, fiquei quase uma semana internado. Os exames revelavam uma alteração cardíaca, supostamente um infarto
Meu mestre Daisaku Ikeda sempre cita a frase: “O que importa é o coração”. E como importa mesmo! Para ter esse bom coração aí, é necessário também que o coração físico funcione bem.
Eu nunca havia nem entrado numa UTI, nem usado aparelho de oxigênio, nem andado de cadeiras de rodas, nem tido autorização e ajuda para tomar banho... Minha garganta estava quase sarando, mas lá, como não tomei mais o antiinflamatório, voltou a piorar.
Hoje, cuido da saúde mais do que nunca! Esse incidente me fez refletir e reavaliar muitas coisas da vida.
Fico emocionado ao lembrar-me de tantas manifestações de carinho. Meus pais deixaram todos os seus afazeres de lado e viajaram mais de 200 km para cuidar de mim, permanecendo em São Carlos por quatro dias. Na mesma semana que recebi alta, viajaram mais uma vez para me acompanharem no cateterismo. Meus pais são realmente maravilhosos!
Recebi incontáveis telefonemas e visitas: de pessoas que eu sempre vejo e de algumas que eu nunca encontro; de pessoas que já foram mais próximas no passado e de algumas com quem eu nunca tive muito contato; de pessoas que nunca haviam me telefonado e de algumas que fazia muitos anos que eu não ouvia a voz.
Entristeci-me por uma visita que não recebi por um desencontro. No caminho de casa, recebi o telefonema de um aluno dizendo que a turma toda estava o hospital...
Além das visitas, as vozes de preocupação chegavam por telefone, celular, e-mail, recado, carta, mensagens no orkut e no msn mesmo off-line. E todas, budistas ou não, diziam: “estamos orando pela sua recuperação”.
Os contatos vieram de várias cidades e inclusive do além-mar. A minha amiga Pat, de Valência, percebendo que eu não respondia seus e-mails, me telefonou. Ela rapidamente avisou a todos os companheiros da Espanha, inclusive os simpatizantes, e todos enviaram uma grande onda de Daimoku. Ela me ligava quase todos os dias para manter os companheiros informados da minha recuperação e transmitir-me cada encorajamento. Também recebi um telefonema de incentivo de um companheiro que trabalha no Japão
Sem intenção, acabei reunindo num mesmo local pessoas que não se conheciam e com quem tenho fortes laços afetivos. Então, presenciei algumas batalhas de ciúme. Eram cenas contidas, discretas, mas claras.
Fiquei comovido por tantas manifestações e ainda sinto-me constrangido por tamanha preocupação que causei. Entretanto, percebi que também acabei motivando as pessoas a orarem mais. Agora, por minha vez, oro para que cada apoio manifestado retorne à vida dos meus amigos em forma de plena saúde, longevidade e felicidade.
Este acontecimento foi uma boa medida do grau de amizade, companheirismo, consideração, respeito e carinho dos meus amigos e familiares.
Pela internação, perdi uma importante atividade da Gakkai realizada na minha terra natal. Eu estava ansioso para participar desta reunião. Então, enviei uma carta ao líder central, extensiva aos demais companheiros. Posteriormente, soube que ele leu a minha carta emocionadamente durante as suas palavras e comoveu os participantes.
Todas estas demonstrações de carinho fizeram-me sentir confortavelmente acolhido e amparado. Fizeram-me ver a dimensão das conseqüências de um acontecimento com uma única pessoa. Senti profundamente a minha responsabilidade. Com uma missão tão grandiosa, cada ação tem também uma enorme conseqüência. Por isso, preciso preocupar-me mais com questões que antes não me afligiam. E ao mesmo tempo, deixar de me preocupar tanto com coisas desnecessárias.
Estou aprendendo o equilíbrio de cuidar das pessoas ao mesmo tempo em que não descuido de mim. Eis a arte de viver com alegria e satisfação!