ENGANOS

Confesso que me enganei. Não quanto ao resto, dificilmente me engano quanto a certos assuntos! Imaginei, sim, que novamente não seria correspondido no amor que devotava a uma pessoa, mas, num momento de grande carência afetiva, há mais de ano tendo saído da cidade a qual adotei como lar, por forças alheias às da minha vontade, apenas um amigo visitando de vez em quando, ao contrário dos tantos que me visitavam e a visitar no meu lar adotivo, e somente vivendo do trabalho pra casa e de casa pro trabalho, senti que deveria lhe falar daquilo que me vinha ao coração desde que a conhecera.

Bom... tudo bem! Todo mundo já conhece essa história por aqui, não tenho que recontá-la pela milionésima vez. Foi só um recapitula. Pois bem, sabia que tal revelação poderia aterrorizá-la, porém, saindo um pouco de minhas espectativas, de certa forma pareceu-me que ela teria gostado. Claro, quem não gosta de saber que é amado, que provoca paixões em outras pessoas, mesmo que não alimente os mesmos sentimentos, ou emoções, por elas!? Mais do que natural que o terror fosse substituído por um sentimento de bem-estar, de ego inflado, afinal, não importasse a distância, provocava paixões, amores e desejos a quem quer que lhe conhecesse, e isso estava sendo comprovado.

No meu entendimento um tanto simplório, se uma pessoa sozinha confessa seu amor a outra, que também está sozinha, esta não teria que fazer tanto esforço para corresponder um pouquinho que fosse o amor a ela devotada. Mas claro... o ser humano tem uma habilidade fantástica de complicar o que poderia muito bem ser fácil. O tempo todo confundimos o querer com poder, usamos expressões como “você não pode” quando devíamos usar “eu não quero”.

Está bem... então onde está meu engano? Bom, reside aí nesse problema de semântica, nessa confusão entre “querer” e “poder”. Ora, eu mesmo já usei, diversas vezes, “não posso” para me esquivar de alguma tarefa que eu simplesmente NÃO QUERIA executar, fosse ela um favor, uma demanda real, ou o que fosse.

Pois bem, antes eu podia fazer brincadeiras nos sites de relacionamento, como beijos virtuais debaixo do ramo de visgo, aquela tradição natalina americana em que o sujeito bebe um pouco e com um raminho sai tentando beijar todas as garotas da festa da firma; também poderia virtualmente segurar sua mão, levá-la a passear, sair de moto, voar como o super-homem, etc. Podia enviar-lhe recados açucarados, mas não demais--eu mesmo tinha me imposto esta regra—podia também teclar o que quisesse na nossa janelinha particular de bate-papo no Messenger—ela mesma tinha dado esta liberdade—podia também enviar mensagens de correio eletrônico com letras de músicas que eu escutava e me lembravam dela. NADA disso lhe doía...

Da noite para o dia, tudo mudou, não podia mais teclar tão livremente, não podia mais enviar-lhe recados bonitinhos encaminháveis do site de relacionamentos, nem mesmo recados da própria lavra, tampouco as brincadeiras virtuais não eram mais comentadas, mas mesmo assim bastante desestimuladas da sua parte.

Até que, então, uma música que simplesmente me fazia sentir de moral e espírito elevados, que não me lembrava de nada, nem dela, mas que me entusiasmava profundamente, foi-lhe enviada por mim, a fim de que, talvez, tal entusiasmo fosse compartilhado, e, mesmo ela envolvendo-se por uma pessoa de sentimentos alheios ao amor, porém mais atraentes ao seu coração, não se afastasse de mim, não me deixasse numa frigideire até o momento em que estivesse novamente de “coração livre” para novamente me dirigir a palavra, novamente voltarmos às brincadeiras, às conversas mais animadas. Desta vez me enganei, como das outras vezes, ela se afastará para dedicar-se a um amor por um rapaz que provavelmente sente somente uma profunda atração física, ou uma paixão passageira, que novamente lhe trará sofrimento. Sofrimento esse que me deixará compadecido, que me entristecerá, que me fará desejar dar-lhe algum conforto, embora nenhuma palavra confortante de minha parte venha a aceitar. Nada posso fazer. Incrível como ela pode pensar que o amor que sinto por ela é que me machuca e me mata lentamente. Sinal de que está se enganando ao meu respeito também. O amor não-correspondido não me matou até agora, machucou meu coração e me tornou um pouco menos crédulo na inteligência sentimental das pessoas—da minha própria incluída—mas não me matou, nem me matará. A ausência dela, seu afastamento para viver de uma forma pretensamente plena um sentimento de amor por alguém que provavelmente não lhe corresponde da mesma forma, que talvez tenha a conquistado mais para constar de seu currículo, o que a torna mais silenciosa e até mesmo esquecida de mim... isto sim, sempre me matou um pouco, e agora, mais do que nunca!

Até a semana passada, estava compartilhando a todos, amigos, conhecidos e até inimigos a letra da canção que me entusiasma. Mas no momento não posso mais compartilhar tal música, já que não sinto tal entusiasmo.

Ayrton Mortimer
Enviado por Ayrton Mortimer em 09/02/2009
Código do texto: T1429901
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