POR QUÊ NÃO TENHO UM FILHO
Quando eu era jovem, aos vinte e cinco, ou vinte e seis anos, minha esposa fazia faculdade de Direito quando se viu grávida. Estávamos no ônibus e, vendo as alfaces dos quitandeiros no lado de fora, ela disse que tinha muita vontade de comer a verdura. Dei-lhe todo apoio para que tivesse nosso bebê, mas desde o momento em que lhe disse que estava grávida ela não mais sossegou, me pedindo para consentir que tomasse os chás seguros que as amigas ofereciam. Disse-lhe que não consentia, que estava inclusive certo que seria responsável se não a impedisse, mas que não tinha poder sobre seu corpo. Com os chás o bebê não desceu. Disse-lhe então que Deus estava nos dando um filho forte e saudável, mas ela o estava mutilando por egoísmo, nos obrigando a criar um bebê deformado. Chocada, ela procurou o médico, que lhe deu um tratamento intenso, pois a placenta estava por um fio. Todavia, com a ajuda do e o dinheiro do seu irmão, numa madrugada em que eu tinha muito sono, pois estudava e trabalhava, indo dormir as duas ou mais da manhã no período de provas, com a falsa notícia de sangramento, ele a levou no médico e tiram meu filho em uma clínica de aborto, o que ela me confessou seis meses depois, pois o remorso a consumia, sendo que quando ela regressou de madrugada que perdera o bebê não a censurei.
Anos mais tarde ela me deixou dizendo que não me amava como homem, excedo como pai, talvez. Daí se casou com um troglodita, zelador de um edifício, que até lhe batia. Com ele teve uma filhinha, cujo nome ela deu em homenagem a filha de um dos meus primos. Apesar de tudo, por algum tempo a amei muito e vivi por cinco anos imaginando que voltaria. Todavia, hoje já não sentimento por ela, a não ser tristeza por ter me tratado com tão pouco caso, destruindo também meu filho por não me amar. Entretanto, desejo que ela seja feliz com sua menina e o marido. Desde sempre a perdoei, embora lhe tenha dito quando me contou do aborto que não mais queria ter filho com ela. Porém, estou certo que ela sabia bem que disse da boca para fora. Não sei se aceitou o perdão que lhe dei ou não. Se não aceitou, é problema dela. Somente me entristeço porque poderia ter um filho com dezoito anos. No fim, não tenho nenhum, embora que no ano passado quase tivemos, mas morreu nos dias do parto. Já estou com quarenta e três anos e minha esposa atual tem a mesma idade. Não pretendo mais pôr sua vida em risco. Só me entristeço por não poder ter tido um filho ao menos, o que sempre sonhei.
Wilson do Amaral