RAIMUNDO AZEVEDO: AMARGAS ESTÂNCIAS
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Notas Biográficas
Raimundo da Mota Azevedo Correia [1859-1911], poeta maranhense que com Olavo Bilac e Alberto de Oliveira, formou o trio de poetas parnasianos mais conhecidos do Brasil, foi exclusivamente poeta, porém não produziu muito; sua obra compreende os livros Primeiros Sonhos, Sinfonias, Versos e Versões e Aleluias.
Das oitentas poesias que formam o volume Sinfonias, 16 são traduções de Vitor Hugo, Gautier, Byron, Heine e outros. Os sonetos As Pombas e Mal Secreto lhe renderam fama imediata e acusações de plágio. Do primeiro soneto, acusavam-no de tê-lo composto em cima de alguns versos de Gautier. Já o segundo de tê-lo desenvolvido a partir de uma estrofe de Matastásio. As acusações de plágio foram talvez os principais motivos de seu afastamento das rodas literárias. Fechou-se em si mesmo numa aversão as pessoas que tentavam lhe trazer algum consolo; tanto é, que chegou a ver nas palavras dos que rodeiam o Jó ou Job (atingido pela lepra por satanás) nos sete dias de condolências, a mentira de uma falsa piedade. Compôs, então, o poema Job. São as estâncias mais amargas e comovidas que compôs.
Nas estâncias iniciais descreve com um realismo digno do Baudelaire de La Charogne - segundo Manuel Bandeira - a podridão do leproso:
Quem vai passando, embora sinta
Nojo, ali para. Ao princípio era um só;
Depois dez, vinte, trinta
Mulheres e homens... tudo a contemplar o Job.
Qual fixa boquiaberto;
Qual à distância vê; qual se aproxima altivo,
Para olhar mais de perto
Esse pântano humano, esse monturo vivo.
Grossa turba o rodeia...
E o que mais horroriza é vê-lo a mendigar,
E ninguém ter a idéia
De um só vintém às mãos roídas lhe atirar!
[...]
Nem ver que, entre os destroços
De seus membros, a Morte, em blasfêmias e pragas,
Descarnando-lhe os ossos,
Os dentes mostra a rir, pelas bocas das chagas;
[...]
Depois de descrever a podridão do leproso, exclama:
Nem ver... Job agoniza!
Embora: isso não é o que horroriza mais.
— O que mais horroriza
São a falsa piedade, os fementidos ais;
São os consolos fúteis
Da turba que o rodeia, e as palavras fingidas,
Mais baixas, mais inúteis
Do que a língua dos cães lambendo-lhes as feridas;
Da turba que se, odienta,
Com a pata brutal do seu orgulho vão
Não nos magoa, inventa
Para nos magoar a sua compaixão.
Se há, entre a luz e a treva,
Um termo médio, e em tudo há um ponto mediano,
É triste que não deva
Haver isso também no coração humano!
Porque n'alma não há de
Um meio termo haver dessa gente também,
Entre a inveja e a piedade?
Pois tem piedade só, quando inveja não tem! ®Sérgio.
Veja Também: (clique no link)
Patativa do Assaré: O Camões do Nordeste.
Augusto dos Anjos: O Poeta Brigão.
Antônio Francisco, O Aleijadinho.
Raimundo Azevedo: Amargas Estâncias.
Junqueira Freire, O Poeta da Amargura.
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