UM SÉCULO A GUARDAR O SÁBADO
Estando certa vez num sábado na casa da minha mãe, encontrava-se lá também a neta mais velha do meu padrasto, filha de sua filha mais velha, que, por sua mente de extrema leviandade, tinha proporcionado à filha casar-se com um dos maiores ladrões e traficantes da localidade, a quem ela amava e certamente ainda ama de verdade. Sendo que seu marido, com quem ela já tinha um filhinho, estava preso por sentença judicial, ela o visitava com freqüência falando-lhe do infinito amor de Deus, o qual ela estava conhecendo melhor, de como Ele era misericordioso, podendo perdoá-lo e ajudá-los a viver uma vida honesta e próspera após ele pagar sua dívida para com a sociedade. Esperançosa, sendo que pouco conhecera seu pai, que nascera com uma doença degenerativa que lhe curvou a coluna até matá-lo de asfixia aos quarenta anos, ela freqüentava uma das Igrejas Adventistas do Sétimo Dia de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, da qual falava para o marido encarcerado, sonhando um dia terem uma família feliz no caminho do verdadeiro Deus.
Feliz, comentou junto à mesa enquanto aguardávamos o almoço que o marido estava expectante pelo fim da pena, cumprindo as obrigações com afinco, concordando que após deixar a prisão se batizaria na igreja abandonado para a sempre a prática do mal. Sendo que odeia crentes, especialmente os adventistas, apesar de que se casou com minha mãe, pertencente a uma família tradicional adventista, meu padrasto dirigiu-se à neta dizendo que se eles iam virar adventistas, não trabalhando então no sábado, logo iam estar passando fome.
Ouvi aquilo como uma nota completamente fora do tom. Porém, assim, de súbito, não consegui concluir no que ele estava errado. A jovem, entretanto, fez de conta que não ouviu e proseguiu a descrever seus sonhos. Não obstante, ele, inquieto por não lhe ser dado atenção para a sentença desestimulante, repetiu-a, dizendo que se eles iam virar adventistas, não iam trabalhar no sábado e logo iam passar fome. Então me veio à mente o entendimento perfeito da incoerência de tal sentença, pelo que lhe respondi de imediato observando que não sabia de onde ele tirara que quem descansa no sábado passa fome, se estava para completar cem anos que nossa família da parte da mãe guarda o sábado e jamais alguém passou fome, sendo que, do contrário, freqüentemente nós e nossos parentes fazemos doações de alimentos e matamos a fome de pessoas que desprezam a guarda do sábado.
Durante os mais de trinta anos que estão juntos ele sempre se empenhou para esvaziar minha mãe de suas convicções e jamais gostamos da idéia de contrariá-lo. Todavia, jamais o vira falar algo tão incoerente sobre a doutrina da Bíblia, a não ser atribuir defeitos aos meus tios, que são seres humanos falhos como todos os outros, mas que perseguem a perfeição em vez de justificar suas falhas apontado os erros dos outros.
Quanto a Deus, Ele não é um mero legislador inventando regras para ver as criaturas inferiores pisando em ovos e andando descalços sobre brasas. Quem resiste em reconhecer a beneficência das Leis de Deus é porque pretende viver somente para satisfazer seus instintos e sua própria vontade, sem ter a menor consideração para com a sociedade e o meio onde vive, tampouco com a continuação e qualidade de sua própria vida. Deus tem recompensas e promessas para cada mandamento guardado, demonstrando que Ele é um Criador preocupado com o bem-estar e a qualidade da existência de suas criaturas. E muitas das bênçãos decorrentes da guarda da Lei de Deus independem de se a pessoa cumpre para satisfazer a vontade do Criador ou meramente querendo desfrutar dos benefícios resultantes da prática, pois tais bênçãos são resultado físico dessa prática.
É certo, porém, que se alguém passasse a guardar a Lei somente pelo benefício decorrente, pelo benefício conheceria o Legislador, admirando-o e passando a venerar suas qualidades, amando-o por fim. Todavia, não é por esse meio que os seres humanos aprendem a amar a Deus. Geralmente o amor a Deus antecede a guarda da Lei. Quem não conhece e não ama a Deus dificilmente reconhecerá a qualidade de Suas Leis, tampouco as qualidades dos que as guardam e os benefícios em praticá-las. Mas Davi disse em certa passagem dos Salmos: “Fui moço e agora sou velho, mas jamais vi um justo desamparado e a sua descendência mendigando o pão”.
Quanto à guarda do sábado, sua prática produz bênçãos infindáveis, seja no campo espiritual, na proximidade com Deus, seja no campo físico, chegando inclusive ao campo material. Há promessas, porém, que podem ser desfrutadas em curto prazo, mas os maiores benefícios serão percebidos em longo prazo, repetindo-se dia-após-dia até a eternidade. Entretanto, para desfrutar-se de todas as bênção e promessas há condições, as quais são primordiais e sem as quais não de desfrutará jamais.
A condição: “Se desviares o pé de profanar o sábado e de cuidar dos teus próprios interesses no meu santo dia; se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do Senhor, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, não pretendendo fazer a tua própria vontade, nem falando palavras vãs”, (...). Conforme Isaías 58: 13. A promessa: “(...) então te deleitarás no Senhor. Eu te farei cavalgar sobre os altos da terra e te sustentarei com a herança de Jacó, teu pai, porque a boca do Senhor o disse”. Conforme Isaías 58: 14.
Conforme essa mesmo promessa e cumprindo a condição, meus bisavós, José Liunardo Francisco dos Santos (conhecido na localidade por Chicão) e sua esposa, juntamente com meu avô, Sebastião Francisco dos Santos, então com sete anos, e os outros filhos do casal, passaram a guardar o santo dia do Senhor, aquele que o Senhor pessoalmente santificou na Criação, descansado Ele mesmo nesse dia, e depois editou pessoalmente na Lei Moral dos Dez Mandamentos com seu próprio dedo nas tábuas de pedra que deu a Moisés no Monte Sinai.
E disse o mesmo Senhor mil e quinhentos anos depois de ter grafado a Lei no monte: “Não cuideis que vim revogar a Lei e os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que céu e a terra passem, nem um i nem um til passará da Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no rei dos céus; aquele, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. – Mateus 5: 17, 18 e 19.
Havia dois ou três anos que a mensagem adventista chegara à região de Fazenda Passos, localidade rural pertencente então ao Município de Santo Antônio da Patrulha, hoje Município de Rolante, uns quarenta quilômetros á noroeste da sede. O lugarejo era essencialmente católico, sendo que meu bisavô, filho de uma relação imprópria entre uma escrava e seu senhor, o qual não deu seu nome ao filho bastardo, era pessoa de grande retórica, sendo ele mesmo o capelão católico da localidade.
Homem muito grande, dizem que calçava acima do número cinqüenta e três, para saber se tinha ido ou voltado bastava conferir os rastros no pó da estrada. Era de grande determinação, relutante em decidir-se, mas determinado com suas resoluções.
Ao perceber a diminuição dos membros de sua congregação Católica, principalmente duas de suas sobrinhas, que o auxiliavam nas atividades litúrgicas, investigou o que se passava, descobrindo logo que uns ditos evangélicos, o que era estranho por ali, chegaram à localidade havia algum tempo e andavam pregando doutrinas contraditórias que arrastavam os membros de sua comunidade para uma nova congregação que crescia rapidamente.
Indignado, ele determinou-se a acabar com tal seita nem que tivesse que correr com os obreiros a facão. Por isto procurou sua sobrinha, inquirindo porque passara para o outro lado, sendo que ela conhecia a verdade do ponto de vista da doutrina católica. Ela explicou-lhe, porém, que a doutrina católica não era a verdade segundo a Bíblia e que ela percebera que a pregação adventista correspondia à vontade do verdadeiro Deus. Entretanto, ele não ficou satisfeito, insistindo que estava certo que tudo que ensinava aos fies católicos era a verdade da Bíblia. Então ela convidou-o a estudar a Bíblia para verem o que estava realmente certo e até o raiar do dia seguinte ele foi se surpreendendo com quantas contradições via a cada página que abriam. Ao amanhecer, então convencido, ele disse que daquele dia em diante ele e toda a sua família seriam adventistas, sendo batizados em 1905, não querendo dizer que esse foi o ano de sua decisão, pois os batismos demoravam mais de ano para acontecer em virtude da falta de pastores que fossem autorizados a batizar.
Assim, desde então, conforme todas as doutrinas adventistas, nossos familiares por parte de nossa mãe têm nascido adventistas e muitos têm morrido conhecendo somente essa fé. Alguns, porém, tem deixado a igreja, mas jamais deixando de sentir-se adventistas, seguindo a defender a doutrina e repudiando as distorções das outras denominações, retornando anos mais tarde para a comunhão adventista. Alguns há sim, é verdade, que até passam a criticar a igreja adventista, bem como os próprios familiares. Todavia, mesmo dentre esses, passados algum tempo alguns acabam retornando para a igreja. Entretanto, a grande maioria, seja em algum tempo ou noutro, aprenderam que a Lei de Deus segue vigente, reverenciando todos os quesitos, bem como o sábado como dia do senhor, desfrutando então das bênçãos imediatas e aguardando a bendita esperança da volta de Jesus, quando poderão cavalgar sobre os autos da terra e serem sustentados com a herança de Jacó, pai de todo que tem fé em Deus e em Sua Palavra. E, como Davi disse em Salmos, jamais um de nossos familiares, filhos e descendentes de meu bisavô, mendigou o pão e até hoje ninguém ainda mendiga. Amém!