UM PESADELO MUITO VÍVIDO
Giorgio Casimiro não foi o único em sua família a ter desilusões amorosas, embora tenha sido o único a viajar para tão longe, juntando os poucos trocados que tinha, para enfim não dar em nada. Seu irmão mais novo, Julian, era ligeiramente diferente dele. Saía mais seguidamente, ia aos bailões em Gravataí, pelo menos todos os da parada 70, ficava com várias garotas. Mas, assim como Giorgio, Julian também tinha se viciado na internet, e tinha muitas amizades e até namoricos que havia conhecido nas salas de bate-papo, sites de relacionamento e messengers.
Tanto que anos depois do caso de Giorgio, Julian conheceu uma garota, mas não foi pela internet. Na época, o rapaz estava em Santa Catarina, fazendo faculdade de turismo e procurando um emprego, pois não queria ser um peso, nem para sua mãe, nem para seu irmão, estando ali, há kilômetros da família. Queria tornar-se independente, como seus irmãos. De certa forma, se espelhava em Giorgio, queria fazer sua vida em outro lugar, como o irmão, que batalhava agora de volta ao Rio Grande, embora ele soubesse que queria voltar para Porto Velho. Às vezes falavam em ir juntos para Rondônia e quem sabe trabalharem juntos, talvez até num negócio próprio.
Mas agora Julian tinha cruzado o Mampituba, e estava na Federal de Santa Catarina, se preparando para ser um turismólogo, afinal ele sentia-se como um cigano, de certa forma, não gostava de manter raízes em lugar algum.
Pois, em sua procura por um trabalho, Julian fora chamado para uma entrevista de emprego, em Paulo Lopes. Encheu-se de esperança, era o que ele queria para começar a ficar independente e sem dar preocupações à família, em Santa Catarina. Embora estivesse em São José, em vez de Florianópolis, o aluguel que pagava era um tanto caro, sem falar na quantidade absurda de cópias que tirava todos os dias de material para suas aulas.
Na tarde da entrevista, chegou com uma boa antecedência ao local, seria num pequeno hotel à beira da estrada, do qual lembrava-se vagamente, talvez da infância, dos tempos em que o pai levava a família para passar o verão em Floripa. Os outros candidatos iam chegando aos poucos, o rapaz ia analisando cada um que chegava, rápida e sutilmente. Até que ela chegou: estilosos óculos de sol, blusa branca, calça jeans, sandálias com solado de madeira, pequena, esguia, cabelos cor de ônix, pele branca. Outros candidatos continuaram chegando, mas Julian só tinha olhos para ela. Sua beleza já havia o hipnotizado, quando tirou os óculos de sol, os olhos castanhos escuros, tão profundos quanto um lago calmo, ele já sabia que não era só aquela atração que se sente pela garota que está na sua frente, na fila do banco, ou que está ao seu lado, esperando o mesmo trem na estação. Tinha quase certeza de que estava apaixonado pela garota.
A entrevista de emprego consistia de duas etapas, numa os candidatos tinham de apresentar-se e apresentar a pessoa ao seu lado direito para cada um dos outros candidatos e também para o entrevistador. Coincidência ou não (nenhum dos Casimiro acreditava em coincidências), ela sentara-se à direita de Julian, então tiveram que conversar. Ela sorriu-lhe, demonstrando seus dentes perfeitos, fazendo com que ele tivesse palpitações, e estendeu-lhe a mão esguia e pequena, aparentemente tão frágil que quando a apertou, ele teve o máximo cuidado para não esmagá-la com sua mão dura e calosa.
Enfim, a entrevista de emprego passou da primeira para a segunda parte, e cada um teve que falar individualmente com o senhor grisalho de ar severo e pouco amigável, então ele a perdeu de vista por algum tempo. Mais tarde, reencontrou-a na saída, e pediu-lhe ao menos o endereço de e-mail, para que não perdessem contato. Seu nome era Serena. Julian concluiu que não tinha como ser outro nome.
Assim como ele, ela também não era de Santa Catarina. Era do Norte, como fora a namorada sangue ruim do irmão. Não do mesmo estado, Serena era maranhense. E Julian começou a pensar muito nela. Desde a entrevista, eles não se falaram mais, nem por messenger. De vez em quando deixava recados no perfil dela num site de relacionamento. Não tinha coragem de falar sobre certas coisas em seus recados, o que sentia, a paixão avassaladora que sentira, quando a viu pela primeira vez, etc, tudo isso ele guardava para si. Uns dias depois ela começou a entrar no messenger nos mesmos horários que ele. Conversaram cada vez mais seguido, e enfim ela manifestou o desejo de revê-lo. Era o que Julian sentia, embora não tivesse dito isso antes. Lembrava-se vagamente de ela estar com uma pessoa e não tivera coragem de falar-lhe em encontrarem-se novamente. Ele começou a imaginar o reencontro com ela, pensou inclusive como seria, romantizou toda a situação, tencionava até contar-lhe que estava apaixonado por ela, desde que se viram pela primeira vez. Só não sabia como fazê-lo.
O problema é que todos os Casimiro costumam romantizar quase tudo. Numa noite, próximo do dia combinado para o reencontro, num shopping, Julian estava sem conseguir dormir, rolando na cama do kitinete que alugava em São José. Pensava na conversa que tivera com Serena via messenger, na tarde anterior. E imaginava como pretendia que fosse o reencontro dos dois, no shopping. Fechou os olhos e via como se já estivesse no shopping à sua espera, a via chegar, sorrindo-lhe após procurá-lo rapidamente com os belos olhos castanhos escuros. Sentiu-se levantar da cama, como se estivesse realmente indo em sua direção, na praça de alimentação. Sentiu então uma pontada de apreensão, viu tudo escurecer, parecia-lhe que uma luz fluorescente incidisse diretamente sobre seus olhos, então os abriu... e sentiu-se embasbacado, pois aparentemente ele efetivamente se encontrava no shopping, na praça de alimentação, levantando-se de uma cadeira de ferro de acento vermelho. Olhou então para si mesmo, lembrando-se subitamente que estava apenas de cuecas quando estava deitado no seu kitinete, há alguns kilômetros dali. Respirou aliviado, percebendo que estava com uma camiseta sem mangas e sua bermuda estilo surfista, com a qual de vez em quando ia à praia, em Floripa. Olhou para todos os lados, a fim de procurar por Serena, afinal, imaginava que estivesse enfim no dia em que a reencontraria. A viu chegar vindo de uma das esquinas, ela estava simplesmente linda, pareceu procurar alguém, mas nunca, em momento algum, olhou para o lado onde ele estava, levantado. Julian arriscou um tímido acenar de mão, mas ela aparentemente não o tinha percebido. Por fim ela mirou para o lado onde ele estava, sorriu e ele lhe sorriu de volta. Ia ao seu encontro, mas estaqueou, ao ver outra pessoa, um homem alto, loiro, ombros largos, avançar até ela e abraçá-la levantando-a no ar por alguns instantes. Julian não podia compreender o que estava acontecendo, será que ela não lembrava de terem marcado de encontrarem-se ali, naquele dia, naquele horário? O rapaz exitou por uns instantes, queria tirar satisfações, mas não sabia se tinha direito. Esqueceu-se da incerteza imediatamente, quando viu o outro cara beijá-la nos lábios, foi só um selinho, mas deixou Julian lívido de raiva, esquecendo por completo qualquer bom senso que tivesse. Ia enfrentá-los, ia tomar satisfações, não importando se ela se chatearia ou não! Foi até a mesa dos dois, ficou em pé atrás do alemão, fitando-a com um olhar irritado e transtornado, mas percebeu que os dois conversavam como se ele não estivesse ali, ela sequer levantou os olhos para ele, pareciam não perceber sua presença. O alemão pegou as mãos pequenas de Serena entre as suas, Julian não agüentou ver aquela cena, tentou chutar a cadeira onde ele estava sentado, mas surpreendeu-se ao ver que nada tinha acontecido. “Estarei num sonho?” perguntou-se ele.