Um dia uma criança olhou pela primeira vez um avião e apaixonou-se para sempre

A todos aqueles e aquelas que se deixam levar pelos sonhos

Desde já peço desculpa por este conto mais pessoal, mas trata-se duma pequena história para quem me conhece, quer conhecer melhor ou conhecerá um dia, para entenderem uma parte da pessoa que sou e que sempre serei.

Bem, estamos em Outubro de 2005, eu estou na casa dos trintas e picos e por isso a nossa história começa em finais dos anos 70 do século passado.

Há em Coimbra uma espécie de parque temático para as crianças que se chama Portugal dos Pequeninos, espaço onde foram construídas na segunda metade do século XX algumas reproduções à escala dum petiz (criança) dos monumentos mais emblemáticos do meu país; a preencher o resto do espaço estão casas também à escala das diferentes regiões de Portugal e, na parte final deste complexo…o objecto da minha história: durante alguns anos pontificou numa determinada área um magnífico e soberbo Junkers 52, avião de transporte Alemão dos anos 30, usado intensivamente pelas tropas Hitlerianas durante a II Guerra Mundial, e cedido a países aliados ou simpatizantes como foi o nosso caso. Não sei ao certo quando o vi pela primeira vez, mas penso que foi no final da tal década de 70. Para qualquer miúdo não passaria dum enorme aparelho, que chamava a atenção devido às dimensões, mas para mim foi mais do que isso, foi amor puro. Adorava passear debaixo das suas longas asas, de dar um pulo à escada que permitia ver a cabina dos passageiros e imaginar que viajava no seu interior, ou apenas estar perto dele. A partir do momento que o vi todas as minhas prendas de anos e de Natal tinham de ser aviões, quer feitos, quer por montar. Quando os meus pais me deram as primeiras mesadas, praticamente que o dinheiro ia todo para a compra de mais miniaturas ou então de revistas, um bocado para o caras, mas não as deixava de as comprar até o dinheiro acabar, passando depois horas a devorá-las e a sonhar, porque os aviões me permitiam sonhar, muito, imenso como nada mais na vida. Foi através dos aviões que comecei a olhar para o céu com outro ar, que descobri as estrelas e que comecei também a escrever sobre elas, amor que mantenho desde essa altura e penso que para sempre.

Depois veio a adolescência as namoradas e novos interesses e todos aqueles que me conheciam pensaram que a paixão iria desaparecer, e de facto ela de inicio pareceu desvanecer-se, mas depois consegui conciliar os novos interesses com a velha e nata paixão que soube nessa altura ir ter a duração da minha existência. Nessa época em que parece que todas as dúvidas do mundo nos assaltam recebi da família um belo livro de aviões, que além de maravilhoso tinha uma frase que só descobri o real valor anos mais tarde, quando a nebulosa adolescência se desanuviou e permitiu uma visão mais clara sobre a vida. Essa frase tinha sido escrita por um tio meu, escritor não assumido nem publicado, mas homem duma envergadura espiritual, literária e humana como poucas vezes notei num ser; a frase era “Quem tem aviões na cabeça escusa de rastejar”. Frase sublime, frase portentosa que me tem acompanhado desde então e que me ilumina quando me sinto a penetrar demasiado nas trevas, frase que me trás de volta à luz de onde saíram as minhas criações mais belas.

Ainda hoje o meu olhar e espírito elevam-se mais alto, rumo ao impossível quando tenho um momento de amor, vejo um avião, presencio uma noite com estrelas ou quando compro uma revista temática, pois sinto-me mais alto, sinto-me a levitar em direcção à maior das barreiras de sonho que sempre tive, esse impossível.

As minhas paixões físicas e mentais, o céu estrelado, a minha escrita ou leitura fazem-me sonhar pelo impossível, mas os aviões fazem-me crer que o impossível é tangível.

Já bem dentro do chamado “mundo adulto” não resisti e comprei uma miniatura do meu primeiro avião, que montei com invulgar dedicação e que coloquei numa estante entre os livros que amo quase tanto como aquele objecto, e antes de me deitar, todas as noites eu observo-o e tento imaginar o instante mágico em que o conheci.

Um dia uma criança olhou pela primeira vez um avião e apaixonou-se para sempre

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