Shakespeare no Agreste
Num passado não muito distante, nas pequenas cidades do interior, costumavam dizer que o Juiz, o Prefeito, o Padre, o Delegado e o Gerente do Banco do Brasil eram as maiores autoridades locais. Assim, na pequena São Sebastião, cidade do agreste alagoano, tive o privilégio de estar entre essas autoridades, pelo que sempre era convidado para os principais eventos do município.
Na perspectiva de ser chamado para algum pronunciamento, sempre procurei me inteirar do provável tema que poderia abordar, a fim de que melhor pudesse representar a instituição a que pertencia. Tive a oportunidade de me pronunciar em diferentes lugares e sobre diversos temas, na Câmara Municipal, na Igreja, no Colégio, em praça pública e na área rural, na inauguração de uma Escola. Nesta, ao enaltecer a figura do Prefeito, falando das dificuldades do município e da sua disposição em superar os problemas, principalmente na área educacional, fiz uma citação de Shakespeare, dizendo: “O homem de bom senso não se assenta para lamentar-se; pelo contrário, levanta-se e põe mãos a obra para reparar o mal”. A partir daí, procurei apontar o que ele já havia feito pelo município e enfatizava a importância daquela obra por destinar-se ao que de mais sublime existe para o homem: a educação.
Ao encerrar o discurso, com alguns aplausos e cumprimentos, um repórter da Gazeta de Alagoas veio cumprimentar-me, ao tempo em que me parabenizava, dizendo-se surpreso, pois não esperava que ali no mato fosse ouvir uma citação de Shakespeare. Tive que, na minha modéstia, dizer que o fato de ser ali no mato, não seria um analfabeto que iria representar uma instituição financeira que já fora considerado o maior banco rural do mundo. Sendo eu também de origem rural, teria de caprichar, na condição de um matuto já um pouco escolarizado. O Presidente da Câmara, também da mesma origem, revelava ser um apreciador dos meus discursos. Talvez por isso, pois não fiz nada além para merecer, quando já havia saído da cidade, recebi uma carta da Câmara Municipal dizendo ter sido honrado com o título de cidadão de São Sebastião. Ali desempenhei apenas o que fazia parte da minha função, não via razão para tamanha honraria. Acredito que o mérito foi o de estar sempre presente em todos os eventos da cidade, onde o Banco desempenha um relevante papel naquele município predominantemente agrícola.
Lembro-me que, numa determinada ocasião, eu apresentava alguns dados sobre o município, coisa que às vezes os próprios moradores desconhecem, por não terem a obrigação tanto quanto quem ocupa um cargo de certa representatividade. Na abordagem fazia a comparação com outros municípios da região fumageira, enaltecendo os pontos em que São Sebastião se sobressaía. Como é natural, as pessoas gostam mais de ver os pontos positivos das coisas, principalmente quando se fala de sua terra. Destaquei uma situação favorável ao município, dizendo ter sido ali onde mais choveu naquele ano, razão por que o Banco liberou os recursos para o custeio do fumo antes de qualquer outro município da região. É tanto que, numa tumultuada reunião no clube dos fumicultores de Arapiraca, contando com a presença de entidades representantes dos agricultores e as mais diversas autoridades políticas do Estado, havia uma pressão para que o Banco liberasse o custeio do fumo o mais rapidamente possível. Por coincidência, naquele final de semana havia chovido muito também nos outros municípios e o Banco já acenava com a possibilidade de liberar o financiamento do custeio agrícola. Na certeza de que as entidades sindicais iam alegar a influência política daquele encontro, pedi o uso da palavra e disse que o motivo da liberação era o de ter chovido, assim como já ocorrera em São Sebastião, cuja liberação se deu antes daquela reunião. Em defesa do Banco, cheguei até a dizer a um dos sindicalistas que ele estava superestimando a autoridade do Gerente, achando que tinha o poder de fazer chover. Acrescentei que se os colegas ainda não haviam liberado o custeio agrícola nos seus respectivos municípios era tão somente por falta de chuva, sem o que não era possível plantar. Novamente citei algumas frases de efeito, desta vez falando do grande sociólogo Gilberto Freire sobre o rio São Francisco, justificando que se ali houvesse irrigação não precisaria esperar que São Pedro mandasse a chuva. Assim, além de ter recorrido a Shakespeare, recorri também a Gilberto Freyre para defender a postura gerencial na região do agreste alagoano, onde na época predominava o cultivo do fumo, hoje com a sua agricultura já bastante diversificada. Prevaleceu aí “o homem de bom senso” apregoado por Shakespeare, que ao invés de reclamar procura agir para solucionar os problemas.