Dois anos e meio

Mais tarde, dois anos e meio, na hora da partida, as coisas da casa pelo chão; e eu que precisava me despir de tudo aquilo dentro de mim; as malas prontas, e todos aqueles momentos, contracenavam tão próximos e tão sozinhos, olhavamos um ao outro, repartidos agora.

Perdera a forma, o nosso pacto de cumplicidade e silêncio. Em meio a tantas dúvidas existia dentro de cada um, uma única certeza; o segredo comum de que jamais seriamos, um para o outro, o que fingiamos todo o tempo para nós mesmos. Como uma máscara que voa da rosto, sentimentos bons e ruins, afloravam simultaneamente. E o olhar obestinado e destruído, por valores iludes e não menos frustrados que tudo o que se passava em vão, pel'aqueles corredores desertos da casa.

As fotos abandonadas, hora pelo fundo do armãrio, hora jogadas na última gaveta quebrada da cômoda, hora até pelo chão; deixavam claro que o final, seria uma questão, com o passar do tempo.

Fulgazes e bonitos, tinhamos o tom de pele perfeito; e bonitas poesias eu compus com o passar dos dias.

Em contra partida, a tudo o que sobrou, a carne assada de domingo e tudo o mais; como as folhas no outono, foram secando dentro da gente. Como velhos desconhecidos nossos, aqueles que se conheceram debaixo daquele pé de pêssego indiano, da rua onde eu morava; ficaram perdidos no passado, já triste e infestivo nesses tempos.

A casa vazia, as roupas abandonadas pelo chão do banheiro, a programação televisiva, monotona e carente; o gás que sempre passava dos trêis meses; e as garrafas d'água vazias na porta da geladeira; ficaram ali até o final.

Até que com o tempo, não nos inspiramos mais, como antes. E a música parou de vez, dentro daqueles cômodos crescidos.

Depois foi a vez do silêncio. As poesias, ficaram mais tristes do que o costume. Eu, escrevi transparente nossas solidões pelas paredes brancas da cassa, e ninguém mais veio nos visitar.

Com o tempo, eu, que me tornei mais cansaço que encanto, adimito para mim, que por ter te amado primeiro, -não pude negar- também fui o primeiro a sentir que estavamos perto do fim. Dessa vez indiferente a tudo. Outras vezes como um quebra-cabeças, nos acostumamos a colar os pedaços, peça por peça. Até que um dia as peças começaram a não se encaixar.

Mais tarde, nos reencontramos, dois anos e meio. O calendário da casa no meio dos cacos de vidros; novos personagens como o vizinho novo, e as marcas da nossa decadência; resentimentos mixtos com as frustrações das nossos últimos dias entristecidos.

As portas soltas do guarda-roupas com defeito, a leiteira suja de leite, e tudo mais que a vida feito um filme, fazia questão de narrar dentro da mente, com detalhes mínimos, de um sentimento que ia-se, sem deixar vazio nenhum.

Edmilson Cunha
Enviado por Edmilson Cunha em 06/11/2008
Reeditado em 05/02/2010
Código do texto: T1268386
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