O Cochilo na Cangalha
O nosso trabalho, tendo de cuidar de animais, não nos permitia ter dias de folga. Podíamos apenas adotar um rodízio, escalando um ou outro para cada tarefa. Se porventura inventássemos de ir a uma festinha ou forró, na localidade denominada de Saco, seríamos liberados desde que no dia seguinte não faltássemos aos nossos compromissos. Mesmo com sono, teríamos de executar as nossas inadiáveis tarefas, até porque, assim como nós, os animais precisam comer todos os dias.
Com a maior cara de sono, pois na noite anterior tinha ido a uma dessas festinhas, tive de ir buscar palha de arroz a uma distância de meia légua, medida aleatoriamente estabelecida por algumas pessoas. Na realidade a distância era bem maior. Sendo a légua correspondente a seis quilômetros, com toda certeza o meu percurso não era apenas de três quilômetros.
Quando precisávamos de uma quantidade maior da palha de arroz, íamos de canoa. Então seria necessário pelo menos duas pessoas. Nesse dia fui num jumentinho, equipado com a sua cangalha, para trazer uma carga que é composta de dois feixes, um de cada lado, mantendo o equilíbrio. Com já era coisa habitual, o jumento conhecia muito bem o caminho, que nem precisávamos guiá-lo. Com o sono me dominando, segurei firmemente no pau da cangalha e dei aquele cochilo. Como o sol estava muito quente, ao passar pela sombra de uma quixabeira, uma árvore frondosa do sertão, o animal resolveu dar uma paradinha, sem o conhecimento do dono que já dormia. Ora, aquela sombra fez com que o dorminhoco até sonhasse. E foi exatamente o sonho que me assustou, acordando-me. Sonhei que o jumentinho passava por debaixo de uma quixabeira, com os galhos muito baixos e batiam na minha cabeça. Eis aí o mistério da nossa mente, trabalhando a nosso favor. Se não fosse o sonho a viagem teria atrasado ainda mais. Numa boa sombra, com muito sono, agarrado no pau da cangalha, dormiria ali por muito tempo. Felizmente, ao cochilar, estava pensando no meu dever e o subconsciente processou essa obrigação, funcionando como despertador. Sem conhecimento ainda da filosofia oriental, vejo agora que funcionou aquilo que ela diz: “Tu és o resultado do teu pensamento”. O sonho veio conforme a minha necessidade. Não iria sonhar com o trânsito de automóvel numa cidade, com o congestionamento ou algo semelhante. Tinha de ser com algo do meu ambiente. A quixabeira tem espinhos. Passar pelos seus galhos baixos teria de me abaixar para não ser espetado.
Ficou uma grande lição: cochilar no pau da cangalha de um jumento até pode, o que não pode é cochilar ao volante do automóvel.