As Superstições
Assim como hoje, para atender aos apelos comerciais, os próprios pais levam os filhos a acreditarem na existência de Papai-Noel, nos meus tempos de criança tínhamos que acreditar no Papa-Figo, na Mãe-d’Água, no Pai-do-Mato, entre outros. Era esta estratégia dos pais e avós para que não os desobedecêssemos. Com medo desses temidos seres fantasiados em nossas mentes como perseguidores de criança, não saíamos de casa, evitando o risco de afogamento se fôssemos tomar banho no rio ou de nos perdermos no mato. Entretanto, isto gerava certa incoerência, quando eles próprios nos mandavam executar algumas tarefas distante da casa. E isto é muito comum na vida rural. Cuidar da roça e dos animais, exigindo freqüentes deslocamentos, conforme as aptidões de cada criança. Ainda sem condições de manejar a foice, o machado ou facão, nos incumbiam tarefas como pastorear as ovelhas. À medida que íamos crescendo, passávamos também a pastorear o gado, animal de maior porte, como o boi e a vaca. Se íamos para o mato, o medo que nos atormentava era o de encontrar o Pai-do-Mato, se íamos para o rio, vinha o medo da Mãe-d’Água, somando ainda o do Papa-Figo que poderia ser em qualquer um desses lugares.
Às sextas-feiras, quando éramos crianças, ficávamos sob os cuidados da avó, que já chegava com uma história inventada para aumentar o nosso medo. Era o dia da feira em Petrolândia, para onde iam os pais, a cerca de três quilômetros, tendo ainda de atravessar o rio, numa pequena canoa. Sendo a cidade mais próxima, era para lá que iam semanalmente fazer as compras. A cidade de Glória, sede do nosso município, além de mais distante, mais de vinte quilômetros, ainda havia uma cachoeira no meio, impedindo a navegação de qualquer tipo de embarcação. Afora a canoa, o outro meio de transporte só mesmo o cavalo ou burro. E ainda há de convir que a maioria dos sertanejos tinha mesmo era o jumento. Assim, mais um motivo para que tivéssemos adotado Petroândia para todos os negócios.
As primeiras idas à cidade causavam-nos certo receio, medo de fazer as coisas erradas, as gafes próprias do matuto. Uma delas foi a de não admitir que dois homens me pegassem na marra para me vacinar. Não havia uma campanha educacional como hoje. Por isso, coitados daqueles “agentes de saúde”. Que formação!
Ia eu caminhando ao lado do meu pai, quando ouvi um deles dizer: “oia um menino ali, pega ele”. Corri em disparada, com o coração acelerado, imaginando coisas do tipo: Pôxa! Logo dois? Se já tinha medo de um Papa-Figo, imagine sendo perseguido por dois. Cabecinha de menino do interior, recebendo aquelas informações nefastas da avó, só podia se assustar com aquelas ameaças. Hoje ela tem todo o meu perdão, pois entendo o motivo por que ela usava aquela estratégia. Cada um luta com as armas que tem. Somos o produto do meio. Era essa a sua cultura: sem escola, sem leitura, sem rádio e sem jornal, distante do mundo civilizado.
Na década de sessenta, já morando no distrito de Barreiras, município de Petrolândia, onde efetivamente comecei a estudar, passei a ser amante da leitura e tive a curiosidade de desvendar tudo aquilo que enchia a minha cabeça de “minhocas”. Alguns tabus e paradigmas já foram sendo quebrados, pela qualidade das informações que fui obtendo através da Radiotelegrafia, que hoje corresponderia à Internet. Considerava-me uma pessoa atualizada, com capacidade de citar o nome de todos os ministros do então governo militar. Os ministérios eram bem definidos e isto facilitava a memorização. Orgulhava-me exibir a minha identidade funcional, com o brasão da República, uma vez que na época a CVSF era vinculada diretamente à Presidência da República. Posteriormente passou para os Ministérios da Agricultura, do Interior e da Integração Nacional, ao tempo em que também se transformou em SUVALE e depois CODEVASF. Por tudo isto, era de se esperar que aquele menino já tivesse se desvencilhado das perturbadoras superstições, passando a viver a realidade, sem o que não se conquista a vitória. Adeus superstição, adeus medo do inexistente. Louvo a mãe-natureza e Aquele que a criou, que no nosso entendimento só pode ter sido Deus.