Medo de Injeção
Os meios de comunicação, quando noticiam alguma tragédia humana, buscam informações de outros fatos semelhantes, visando aumentar ainda mais o impacto perante a opinião pública. Durante uma semana que antecedia a campanha da vacinação dos idosos contra a gripe, divulgaram alguns casos de pacientes que procuraram os hospitais por motivos aparentemente simples e que chegaram a óbito por reações alérgicas ou choque anafilático. Familiares acusavam hospitais sob a alegação de erro médico, cobrando na justiça explicações para os infortúnios.
Ainda pairava na minha mente o perigo que uma simples picada de agulha pudesse causar a quem estava totalmente sadio, ao buscar apenas a prevenção de um eventual problema futuro. Já havia completado a idade de idoso desde o ano anterior, mas não me dispus a tomar tal vacina, por não ter muita propensão à gripe. Entretanto, por recomendação da família, principalmente de uma filha que é enfermeira, resolvi aproveitar o lançamento da campanha, quando me encontrava no principal Shopping da cidade, para onde fui a pé, naquele dia. Diante da pequena fila de idosos, onde algumas jovens caracterizadas de palhaço animavam a campanha, logo chegou a minha vez. Como de costume, nem olhei para o ombro esquerdo onde fora aplicada a injeção, pois nunca gostei de ver a malvada da picada. Apenas levantei a manga da camiseta, um pouco justa. Após a picada, senti também a moça friccionar o algodão, dando por encerrado o seu trabalho. Saí dali com o pensamento nas notícias da semana anterior, mas confiante na lei das probabilidades. No meio de milhares de pessoas ou mesmo de milhões em todo o Brasil, não seria eu o afetado naquele dia.
Caminhando na direção de casa, uns cinco minutos depois da injeção, tive a curiosidade de apalpar o ombro, ainda sem olhar, e senti um volume estranho que logo imaginei tratar-se de reação alérgica. Pensei em voltar para mostrar o problema a quem aplicou a injeção. Faria ali o meu protesto pela sua inabilidade para uma coisa tão simples. Mas resolvi continuar a caminhada na direção de casa, onde olharia no espelho a dimensão do problema. Cada vez que apalpava sentia aquele caroço, aquele inchaço. Precisava me certificar do que realmente estava ocorrendo para então agir. Antes mesmo de ir ao espelho, levantei os braços para tirar a camiseta, a fim de que o ombro ficasse visível. Nesse momento cai um tufo de algodão, surgindo aí a feliz constatação para alívio do sertanejo que se diz cabra macho, mas decepcionado com o seu acovardamento, por não ter tido a coragem de olhar de frente aquele problema, que só existia na imaginação. Vale lembrar aqui o célebre pensamento de Tolstoi: “Corajoso é aquele que teme o que deve temer e não teme o que não deve temer”. Não era algo que se devia temer. Portanto, o sertanejo que antes de tudo é um forte, no dizer de Euclides da Cunha, desta vez foi um fraco. Enquanto a grande maioria reclama do desconforto da broca do dentista, eu a encaro normalmente, contrariamente a qualquer tipo de injeção, mesmo quando apenas para a coleta de sangue para exames.
Felizmente, a medicação de hoje é muito mais via oral, diferentemente de antigamente que era mais injetável. Na minha adolescência tive um problema de saúde que me obrigava a tomar injeção diariamente, durante um bom tempo. Bem que podia ter-me acostumado e hoje não ter mais este medo. Sensibilizo-me muito quando vejo alguém com problemas renais crônicos, necessitando submeter-se à hemodiálise, para o que o tipo de agulha nem se compara com as habituais. Não é agulhinha, não é agulha, é um agulhão. Imagine um tratamento desses para quem tem medo de injeção. Melhor mesmo é ter medo de avião, que fez o cantor Belchior alcançar todo aquele sucesso, segurando a mão, pela primeira vez, de alguém até então não revelado.