A Fuga do Cãozinho
O cãozinho de nome Stallone, já comentado no capítulo da chave perdida, foi um presente que a minha filha ganhou do noivo, um ano antes do casamento. Passando a morar em apartamento, resolveu deixar em casa o estimado animalzinho, que continuou no nosso convívio. Acostumado a fazer-me companhia nas caminhadas pela orla de Maceió, seria até um castigo ficar confinado num apartamento. Já estava tão condicionado a essa atividade diária, que bastava me ver calçar o tênis e vestir a roupa esportiva para a caminhada, saía correndo em direção à sua coleira, trazendo-a em sua boca para entregar-me. Era o meu companheiro, o chamativo para alguns diálogos com pessoas desconhecidas, atraídas pela curiosidade de ver um cachorrinho tão pequeno, mas muito esperto.
As coleiras representavam alguns times de futebol, de âmbito local ou nacional e também o da seleção brasileira, usada em momentos próprios. A nossa caminhada era de cinco a seis quilômetros diários, num tempo médio de uma hora. Muitas vezes íamos além desse tempo, em razão das paradas para atender aos eventuais curiosos, inclusive alguns turistas. Quando o papo se prolongava, sentávamos nos bancos públicos existentes ao longo da orla, entre Jatiúca e Ponta Verde.
Certa vez, demorando-me na conversa com um cidadão, sentamo-nos num daqueles bancos de cimento, ao tempo em que segurava a coleira do cachorro que ficou sob o banco. De repente, vi passa à nossa frente um cachorrinho que achei igual ao meu, correndo na maior disparada e exclamei: -“Pôxa! Que perigo um cachorrinho assim solto no meio do trânsito, podendo ser atropelado. O meu só anda com a coleira, não vou submetê-lo a esse risco”. Quando olhei para debaixo do banco, eis a surpresa. Só a coleira e eu com a correia bem firme na mão. Assim, quem saiu em disparada fui eu para trazê-lo de volta. Nesse dia ele estava com uma coleira do time local, o CRB, de cores vermelha e branca. Muito embora não seja torcedor desse time, ganhei essa coleira que ficou um pouco grande. Exatamente por isso foi que o cachorro escapuliu. Era muito folgada. Se foi um presente, quem a comprou não imaginava que o cachorro fosse tão pequeno ao ponto de ainda ficar folgada. Por mais que eu tenha feito o ajuste, ainda passei por tamanho susto ao ver a coleira vazia. Perdê-lo era algo inimaginável, ele sempre foi o mimo da casa. Estava em qualquer parte em que a gente estivesse com aquele olharzinho de quem estava entendendo tudo, mas não podia falar. Dependendo do lugar para onde fôssemos, ele ia conosco no carro. Quando isto não era possível, ficava olhando a nossa saída pelo vidro da porta, aparentando um jeito de quem estava pedindo para não ficar só. Falávamos com ele como se fosse uma pessoa, dizendo: “Fique quietinho, a gente volta já”. Ao retorno, era aquela alegria, aquele afago.
Por isso é que dizem que o cão é o melhor amigo do homem. Pelo pouco que convivemos com ele, uma certeza ficou: o animal que mais gosta de gente é mesmo o cão. Este sim que é verdadeiramente um animal doméstico. Morreu prematuramente, com apenas um ano e oito meses. Teve um enterro à altura do seu merecimento. Debaixo de uma árvore no quintal da casa. O melhor estrume que ela já recebeu. A vida vive da morte. É assim a natureza. Diariamente isto acontece em nossa mesa e nem percebemos. Todo e qualquer alimento de origem animal é resultante de seu abatimento. Um dia também seremos alimentos de outros seres vivos, cumprindo o preceito das transformações: “Fostes pó e ao pó voltarás”.
Para confirmar esta grande realidade, fica a frase do famoso Lavoisier: “Na natureza, na se cria, nada se perde, tudo se transforma”. O importante é que saibamos aproveitar a nossa curta passagem no tempo. A curta vida do nosso Stallone nos propiciou momentos de muita descontração, muita alegra, e por que não dizer, muita felicidade.