Momento Raro
Como conter um avanço inevitável rumo ao derradeiro destino de cada ser humano é o que se passava por minha mente quando passamos aqueles dias juntos e conjuntamente comungamos de momentos indescritíveis para qualquer um dos dois. Sejam os momentos de cada um ou partilhados o que interessa é sua unicidade meio a um caos merecedor de toda a falta desse sentimento singular.
Quase um êxtase prolongado da alma sem que com isso o corpo interferisse com suas urgências nefastas. O momento, quase divino, se se acreditar em divindades, fora de uma marca definitiva na mente. Como a fogo quente que ignora qual seja o motivo deixa registrado onde tocar sua passagem. Praticamente foi assim que tudo aconteceu.
Inesperadamente no meio daquele monte de corpos sedentos de satisfações nossas mentes tomaram conhecimento uma da outra tornando esse encontro excitante e ao mesmo tempo calmo. Olhávamo-nos de uma forma que jamais imaginei olhar alguém em tão singular viagem.
Odeio-a e sou capaz da maior e definitiva forma de carinho para com ela, seja isso uma dádiva ou um ato tolo. Seja ela alguém que está aquém de minhas possibilidades, seja uma constate característica baixa auto estima que ao mesmo tempo que é digna de pena é tão digna de rejeição quanto qualquer vileza possível.
Como não desejar aqueles cabelos sem querer, e não poder afagá-los, nem tampouco saber como se comportar diante de tal impossibilidade. Odeio o corpo por simplesmente fugir de qualquer controle possível e impelir-se em direção ao outro corpo. É uma força misteriosamente gostosa que temos de controlar, ou penso eu que não deveríamos ter de controlá-la, mas infelizmente é assim que a banda toca.
O que alguns dias podem redefinir um conceito tão bem construído ao longo de anos e anos de relacionamentos, afetos, amizades com uma penca de gente. Ao conhecer, e nesse ponto me refiro a conhecer de verdade, ter aquele relampejo da verdade do outro ser, alguém em tão pouco tempo faz-se repensar toda a qualidade de outros conhecidos que tens a mais de anos e ainda não tem o mesmo sentimento para com eles. Faz-se desejar um mundo mais ingênuo, mais verdadeiro, menos cruel e interesseiro. Olho-a com um olhar de admiração, confiança e carinho cujos níveis são primevos em sua qualidade. Como todo ser que primeiro vivencia algo desse tipo não se sabe muito bem o que fazer, nem se deseja saber o que fazer, sentir nesses momentos é muito mais precioso do que qualquer outro ato, que por sua mediocridade se torna baixo mesmo antes de se concretizar.
Saímos buscando apenas a diversão, não de muletas, não apoiados um no outro, cada qual com sua diversão e compartilhando-a com todo o resto e consigo mesmo, com isso respingando na pessoa ao lado, que tanto é querida como desconhecida. Dei-me conta que mesmo tendo aquela certeza inconfundível de estar diante de alguém conhecido não podia afirmar nem em ligeiras porcentagens o conhecimento de seu ser. De tudo que ele já viveu, de tudo o que sente, capta, reflete, aproveita. Somos fadados e conhecer apenas o mínimo de alguém e temos de contentar-nos com esse mínimo, e aproveitá-lo o máximo possível.
Mesmo no momento em que a dúvida nos assola, sermos imparciais é o determinante passo a resolvermos qualquer inquietamento da alma. Put it all down. E veja de cima, distante, saia de você e seja o terceiro observador. Verás a facilidade em tomar certas decisões. E com extrema delicadeza consegue surpreender o outro pela sua compreensão. Digna apenas de umas poucas almas que vagam por essas terras chamadas continentes.
O mais cruel é ter-se a certeza de compreender o outro lado em sua recusa peremptória a negar uma possível existência futura na amizade arriscando-se por caminhos incertos de um relacionamento. Cruel demais para uma alma solitária. Como que achasse uma nota daquelas azuis, poucas, ou nenhuma, vezes vista durante toda a vida, e simplesmente perdê-la. É pensar no futuro. É se preocupar com o amanhã de tal forma a paralisar tua vida hoje, agora. Vivemos cheios de certezas, o que muitos chamam de conhecimento popular, ou conhecimento geral, mas provam-nos, a vida, os cientistas, nossas experiências, que esse conhecimento nada mais é do que algo que bitola-nos e nos agride da forma mais inconsciente de todas, nos tolindo de sermos plenamente quem podemos e aproveitar plenamente o que possuímos.
Doce apego pelo nosso futuro é o que mais vejo nas mentes do nosso presente. Olhe a sua volta, perceba quantas das milhões de pessoas que passam ao seu redor acham que vivem o agora para o agora? Pessoas se transgridem por um emprego, para no futuro terem conforto. Gastam automaticamente o hoje em prol de um amanha. Sempre insatisfeitos. É quase uma praga. Naquele momento não desejava futuro algum, naqueles breves e lindos momentos tudo que desejava é que o maldito tempo ficasse onde estava, parasse e nos deixasse a sós. Foda-se o tempo e toda a sua insuperável crueldade. Como se o tempo fosse alguém, ou alguma coisa com desígnios próprios. Uma coisa é certa, e muito mais que certa, o tempo acaba destruindo tudo.
Como o tempo destrói tudo, desgasta, somos obrigados a adaptar-nos para sofrermos o menos possível. Não seria esse nosso objetivo ultimo? Sofrer o menos possível enquanto passamos nossos anos por essas bandas da materialidade? Ah! É muito fácil não sofrer quando não se conhece nada, quando se ignora tudo, quando não temos em que nos apoiar. Falta compaixão, falta carinho, falta conhecimento, falta amor.
Por tudo isso não conseguia aceitar o fato, não sei se ainda o consigo, de sua escolha. Amizade à incerteza. Jogando com o futuro de forma tão desmesurada e desconhecedora. Um invólucro nos rodeava, daqueles que nos fazem rir do tempo, ignorando definitivamente sua passagem, em um momento tão raro que toda a falta de virtudes não era empecilho algum, já que a compreensão mútua lhe obrigava a tomas novas formas. Como não ser carinhoso com alguém que se conhece tão profundamente? Como não ter compaixão pela dor daquele que se desnuda em sua frente? Como não amar, e simplesmente amar, todo o conjunto de carne, osso, espírito e sentimento que está de pé diante a você? Com lágrimas quentes o corpo vai se adaptando a dor, nunca expelindo-a, mas confortando a pele com o carinho qual as lágrimas fazem ao rolarem, no começo de vagar depois tomando velocidade até se despencar tocando alguma coisa no caminho, seja seu braço, sua camisa ou o chão, que nessa hora não existe mais pelo simples fato de que qualquer coisa física não importa.
Uma das palavras que nunca ser-me-ão possíveis de esquecer é aquela fatídica, gostosa até, um conjunto de duas sílabas, não mais que duas, que aglutinadas não formam o nome de nada palpável, deixam no ar simplesmente uma idéia, muitas vezes bem particular da coisa, jogando com a imaginação e o conhecimento geral de cada um. Tipo.
Agora o futuro estava condicionado inteiramente por essa ligeira dissilábica e a porta para o portão do caminho da alegria se emperrava inteiramente pela pronuncia de menos de meio segundo. Tipo. Da árvore de possibilidades determinantes de nossa vida, sempre algo muito pequeno condiciona para um lado ou outro. Algo tão ínfimo que chamamos de consciência. Mas como conhecer o que é a consciência? De todo impossível, ela é algo abstrato sustentado por impulsos elétricos e massa cerebral. Mas de toda essa magia o resumo que dessa vez fez ir para um lado ao invés de outro se materializou naquelas ondas transportadas ao meu ouvido, daquelas duas simples sílabas que enfileiradas corretamente destruíram toda uma realidade provável e óbvia.
Algumas pequenas sibilações do ar conseguiram fincar definitivamente uma flecha e tornar todo um prolongamento de vida em mera possibilidade improvável. Naquele momento tudo o que havia se estruturado, combinado, tudo que era magia veio abaixo com um simples entendimento, completamente compreendido pelo narrador que vos escreve, mas terrivelmente torturante. Viver e conhecer a causa de sua inquietação é uma das mais bravas formas de viver que possuímos.
Incrivelmente aceito e compreendido, embora não menos doloroso, tudo continuou de outro jeito, também delicioso, mas então, subentendido que não haveria mais algo concreto e aceito por ambas as partes, finalmente os corpos se tocaram, e a maldição era maior pois tendo aceito que nada iria a frente e mesmo assim recebendo tanto afeto e carinho ali naquele momento, de indescritível carência, quase faltando o chão para pisar, algo que seria problemático se não estivesse sentado. Agora conhecia o doce toque, a mão suave de carinhos, um abraço reconfortante que ao mesmo tempo reforça sua vontade de viver deixando aquela idéia de que não vale a pena fazê-lo se não for pro ele.
Horas do maldito tempo se passaram e em um gesto totalmente incondicional, já perfeitamente compreendida a natureza da realidade, um tanto dura, os corpos continuaram se conhecendo, se sentindo, e como não desejar aquilo para todo o sempre era algo que passaria pela mente algumas horas depois, nos dias seguintes, até se materializarem nesse ligeiro relato, que pode ser fictício, quanto pode ser real, se tratardes real como a visão parcial desse pobre escritor.
Irônico é perceber que enquanto se queria demasiadamente o que não poderia ter, aquela proximidade tão almejada e podada pelo Tipo, só se foi conseguir após abdicar do que se queria aceitando que o era impossível. Logo após, concretizado. Mas sem se desejar ardentemente, simplesmente natural.
Aprendendo sempre é que torno feliz todos os meus dias, e nada além de aprender por aprender. Conhecer nesse nível alguém, em pouco tempo e de uma forma gostosa e prazerosa, mesmo na dor, só vêm contribuir para aumentar todo o desejo que se pode ter de não viver mais, não existe possibilidade para tal. A dor sentida é muito maior que os prazeres que se tem. Os naturais, já que depende-nos única e exclusivamente o poder de gozar das coisas. Mas chega-se aquele momento do crescimento que o seu poder de gozar das coisas lhe estafa o corpo e precisa-se de alguém para compartilhar no nível mais intimo essa capacidade. Chame isso de ser humano, chame do que quiser, é assim que somos, imperfeitos em nossa perfeição. Vivendo o que podemos, sem nunca desejar o passado ou tentar adivinhar o futuro.
Essa solidão é mais forte que qualquer outra coisa, e mesmo alcançando essa partilha de sentimentos íntima tão desejada nunca se estará acompanhado, pois somos sozinhos, estamos isolados dos outros pelo físico, pelo corpo. Esse desejo ardente de companhia é uma das formas mais puras e sinceras de tentar suportar essa solidão natural. E como dar essa dádiva aos milhões de medíocres seres que vagam nessa terra? Não desejo ninguém acima da média, mas aquele que é capaz de se deixar rebaixar por ela a fim de entendê-la e conseguir viver, gozar, desfrutar de tudo o que existe sem precisar se sentir maior por isso ou para isso.
Tive minha chance depois de uma vida inteira, nunca alguém me pareceu tão próximo de mim. Proximidade afastada por uma simples irrisória palavra que como um cortador de grama jogou longe a possibilidade de crescimento de uma idéia, de um ato, de um pedaço de vida, o transformando em outro, muito menos intenso, mas mesmo assim sincero. Não seria isso o objetivo do conhecimento? A sinceridade? Morro por ela. Estou morrendo, mas quem não está, esse é o meu jeito de fazer valer a pena tudo. Ser feliz na minha felicidade, ser triste na minha tristeza e morrer a minha morte. Ter a consciência de que tudo que fiz foi em prol de poder, conseguir, ter essa dádiva de morrer a minha morte.
Sem escolhas a vida segue, nos carregando, como uma daquelas telas de jogos de nave que andam e não te dão a oportunidade de parar, elas arrastam, seja pra onde for, para a vitória ou para a morte ela é implacável. Assim como nos é o tempo. Em seu começo esse texto se referia ao tempo, querendo pará-lo, agora vejo que ele deve ser experimentado, vivido no seu devido ritmo. Que como sabemos atualmente é relativo, o tempo de cada um. Em sua morosidade ou alucinada correria, aproveita-se o tempo que tem como se pode. Para enfim morrer a morte.
Mesmo tendo esse conhecimento todo chamo aquilo, Tipo, de um tremendo filho da puta. Negou-me tudo, ou nada, mas prefiro não lembrar, lógico que fiquei e vou me lembrar desse fato para o resto da minha vida, esquecer o que se é memória não vale a pena, somos nossos conjuntos de memórias, querendo ou não. Lembrar-se de algo que podou a chance da vida crescer é algo triste, mas válido. Ainda sinto o ódio profundo do Tipo, mas quem não sente? Afinal somos todos humanos.