Zuza, o bom vizinho.
Em São Sebastião, cidade do agreste alagoano, morei num pequeno apartamento, no primeiro andar, em cuja varanda costumava armar uma rede, principalmente nas noites enluaradas. Em frente, numa casa da esquina, morava um casal de idosos que costumava sentar-se na calçada para um boa prosa. Atraído por aquele bom costume do interior, muitas vezes eu descia para prosear com o “Seu” Zuza que tinha idade para ser meu pai.
Um papo agradável, boas histórias do passado, fui me acostumando com aquele convívio e tornei-me um viciado naquela boa prosa. Já arriscava algum tipo de brincadeira, porque confiava no seu bom humor, capaz de amenizar as agruras da vida. Numa bela noite de lua cheia, estávamos nós ali em sua calçada, contemplando aquele luar, muito bem definido pelo poeta Catulo da Paixão Cearense, ao dizer que “não há luar como este do sertão”. Na certeza de obter uma resposta engraçada, pela sua riqueza de espiritualidade, perguntei-lhe: “Seu” Zuza, me fale com franqueza, quando o senhor nasceu, a lua já existia?
Ele deu uma gostosa gargalhada pelo tipo de pergunta e assim respondeu: “Seu Irineu, com certeza a lua já existia, mas não era tão bonita como hoje, porque a beleza das coisas está nos olhos de quem vê e eu não estava aqui para admirá-la”. Eis aí tão bela resposta de grande sabedoria, revelando-se um poeta nato.
Apesar de sua idade, ainda aceitava um copinho de cerveja, quando eventualmente eu o chamava lá da varanda, mostrando a garrafa na mão. Com toda disposição, subia alguns degraus e ia ao meu encontro para aquele brinde. O meu tira-gosta era habitualmente uma carninha de sol, coisa mesmo de sertanejo. Ele, por sua vez, não dispensava um bodinho guisado. Assim, quase sempre já subia com o seu pratinho, feito especialmente pela sua esposa, a dona Hosana, uma senhora muito agradável, que também conquistou a nossa amizade. Ao ter de deixar a cidade, por motivo de transferência, não controlei a emoção da despedida. E o mesmo ocorreu com aquele bondoso casal. Prometemos que ali voltaríamos tantas vezes quanto nos fosse possível. Felizmente, ali voltamos inúmeras vezes e éramos recebidos com muito carinho. E o “Seu” Zuza, enquanto a gente ali conversava, dava uma fugidazinha e depois aparecia com uma cervejinha gelada, dizendo que a gente tinha de comemorar para relembrar os bons tempos de vizinhança. E quase sempre ainda tinha um bodinho guisado como tira-gosto.
Ainda não voltamos àquela cidade, depois que o casal partiu para a eternidade. Parece que, pela boa e duradoura convivência, um não sabia mais viver sem outro. Durou pouco tempo a viuvez de quem foi por último. É tanto que só tomamos conhecimento do fato, quando os dois já não existiam mais. Por termos feito outras amizades, ali ainda haveremos de retornar, mas o difícil é passar por aquela esquina, em cuja casa os antigos moradores nos deixaram tanta saudade. Felizmente a doutrina cristã nos ensina ter “saudade sim, tristeza não”, quando se trata de relembrar aqueles que nos deixaram por uma conseqüência natural da própria vida. Fisicamente, somos efêmeros, mas espiritualmente podemos ser eternos. O nosso bom vizinho continua em nossa memória. Valeu “Seu” Zuza, conhecê-lo foi uma dádiva de Deus.