No ar fresco e sonolento da manhã soam, em hinos de liberdade, centenas de vozes correndo velozes de galho em galho mostrando uma mistura de cores a quem se prende a olhar por tanta beleza!
São os mensageiros matinais que todos os dias anunciam o renascer do sol. 
Enquanto as aves cantarem no céus sobre as nossas cabeças, haverá sempre algo de bom no ar que respiramos.
Foi precisamente hoje que resolvi ir ao meu refúgio, já não o visitava há tanto tempo, a vida nem sempre é como queremos, e de tantos contratempos quase me esqueci do meu “cantinho sagrado”.
Dispus-me a seguir os impulsos do coração e lá meti pés a caminho. O ar da manhã saudou-me com uma brisa fresca. Respirei fundo, bem fundo mesmo, até me sentir revigorada e encaminhei para o bosque, o meu bosque querido... Hoje Jardim Botânico Rodrigues Alves. Fui envolvida pelas brumas esvoaçantes que se prendem nos cabelos. Ainda mal acordada e com aquela preguiça boa de sentir pela manhã; ainda mais estando em um lugar tão encantado!
Bosque de minhas lembranças... Aqui a menina se dilata e cresce... Esta menina-mulher que traz no seio segredo mil, mistérios por desvendar, sons por descobrir, cheiros por analisar. Sobre a minha cabeça esvoaçam borboletas gigantes de névoa dançante bailando a sua mágica dança entre os ramos; Aqui tecem uma teia prendendo as copas verdes escuras e os grossos troncos dos anos, ali rodopiam, quais bailarinas, saltitando leves de árvore em árvore, acolá serpenteiam, arriscas se esconde entre os troncos, quase brincando de esconde-esconde. Mas o sol já vai fazendo as suas incursões abrindo brechas no nevoeiro de dedos úmidos que me envolve, um raiozinho atrevido que faz no ar um arco-íris minúsculo numa gota d'água sobre um alvo mal-me-quer. 
Coloco-me imóvel no local onde me encontro e fico só a olhar, observando aquele segundo de magia natural…
É tão intensa a sensação de beleza, de força, de comunhão, que o meu coração quase estoura... (E penso: - Não, não é preciso grande feito para se ser feliz... Para se sentir recompensado…). Então, o
Sol escondeu-se outra vez e as “fadas” brancas voltaram a brincar á minha volta atrevida... Atenta aos meus próprios movimentos sinto uma vontade louca de me juntar aquele fantasmagórico bailado, mas sei que se o fizer espanta toda a magia, por isso caminho de mansinho para o meio do bosque e fico quieta entre dois troncos deixando que as brumas me envolvam. Fecho os olhos e deixo-me levar pelos beijos úmidos da brisa doce em minha face, as gotinhas coroando os meus cabelos… Atrevo-me a entreabrir os olhos e… Consegui!!!!! – A natureza me invade com toda a sua mágica, o seu vigor... Em mim penetra as cores, os odores, temperaturas, sabores, sinto o chão que piso, as árvores que me rodeiam, cada gota sobre a minha cabeça é um diamante invisível. Em minha direção seres minúsculos avançam, cada um transportando um pedacinho de terra.
Já não sou mulher, sou árvore, sou planta, sou algo que se alimenta e renasce da seiva viva quente que me percorre desde os pés feitos raízes até ao cabelo feito folhas, esvoaçante e livre.
Não sei quanto tempo fiquei estática, nem quero saber; Tempo, espaço, tudo perde razão de existir, nada importa quando a comunhão é tão perfeita. 
Aos poucos o sol foi de novo rompendo a névoa e aquecendo de mansinho a minha face orvalhada e o cabelo em desalinho e molhado, fazendo-me acordar do meu transe, e lembrando-me que o caminho não estava totalmente percorrido. Então, meus movimentos vão aos poucos tomando o seu lugar habitual, e caindo de joelhos por terra, não consigo reprimir as lágrimas quentes e cheias de alegria que dos meus olhos se desprendem, caindo sobre este solo que me acolheu... E será o mesmo que me absorverá em breve... 
Levanto-me e em seguida, recomeço o meu caminho, em mim vão às imagens dos troncos antigos que me ensinaram a sua história, as folhas que me sussurram o turbilhão de cada sentimento. Sinto-me chicoteada, acariciada, percorrida, beijada, rasgada e tão viva!... Tão imensamente viva!!
Pela primeira vez tenho a noção que meu sangue flui na mesma velocidade que a seiva nas árvores, o meu coração bombeia com a força das pulsações do solo que piso.
Cada canto de ave tem um significado diferente, é como uma canção completa da qual percebo a letra e a musica. Respondem, gritam, ralham, namoram e murmuram, riem e choram.
Cada muro, cada pedra,  folha, tronco me saúda... Reconhece-me, me acolhe, na minha mente passam anos de história como um filme a alta velocidade, deixando uma gostosa e profunda sensação de conhecimento e descoberta… E lá vou eu, com passos lentos e pés descalços sentindo o chão que absorve toda a minha energia, a me devolve em dobro.
Entro finalmente na gruta pequena e abandonada há tanto tempo, encontro-a tal como a deixei: Escura, recatada, macia. Até hoje de cada vez que aqui vinha era para me refugiar, e tantas vezes de mim mesma, para ter espaço para mim, para deixar que as lágrimas amargas e duras rolassem sem que ninguém as visse, para criar forças novas, mas hoje estou diferente, vejo tudo com outros olhos, o verdadeiro significado das coisas foi-me dado a conhecer e esse conhecimento que é tão vivo, tão imensamente diferente que me sento no chão, às escuras, no silencio das rochas sem me mexer. E de novo recomeça o caleidoscópio de sensações intensas, rudes a invadir meu ser...
O meu corpo aos poucos vai escorregando para o solo ao qual me prendo de costas. Depois os meus ouvidos são  dos sons vindos da terra, das árvores lá fora, da musica dos rochedos, é então que o meu nariz aspira aos odores sutis do solo em decomposição, das violetas escondidas, dos pinheiros sangrando seiva, da umidade... E por fim os meus olhos desvendam os segredos da escuridão, apercebo pontos brilhantes acima da minha cabeça, parecem pequenas estrelinhas distantes e minúsculas, mas que têm a intensidade de verdadeiros sois.
Dentro da gruta  há uma luminosidade própria que nunca tinha observado!!
O êxtase é total, todo o meu corpo está em perfeita comunhão com o que me rodeia, somos um só, respirando e movendo-nos ao mesmo tempo...
No chão da gruta ao meu lado estão, a lanterna que não acendi... O livro que não li... Garrafa de água que não bebi... E os sapatos que Descalcei... E o silencio que me envolveu...
 Silencio esse que eu aprendo a ouvir... A saborear... A sentir. Assim, sinto que consegui resgatar meu “eu” que talvez um dia eu tenha esquecido aqui!

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Bosque, hoje parque Jardim Botânico Rodrigues Alves... Uma área de arvores, grutas, pássaros no meio da cidade urbana e estressante da minha Bucólica Belém... Lugar onde assei uma boa. Gostosa e inesquecível infância... E onde me redescubro. Onde encontro forças para os problemas de minha alma...

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Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 21/09/2008
Reeditado em 21/09/2008
Código do texto: T1188888
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