Uma Chave Amarela com a Correia Preta
Nas minhas habituais caminhadas sempre conduzi a chave de casa, como garantia de que ao retorno eu tenha acesso livre, independentemente de haver ficado alguém em casa. É a liberdade de ir e vir, sem ter de incomodar terceiros. Durante algum tempo, nessas caminhadas, tive a companhia de um cãozinho Pinscher, tão pequeno que não chegava a dois quilos. Chamava a atenção das pessoas, que a mim se dirigiam, inicialmente para algumas perguntas curiosas sobre aquele mimoso cãozinho. Como é comum começar perguntando o nome, a resposta despertava maior curiosidade pelo Stallone. Nome de um astro famoso internacionalmente, logo surgiam mais perguntas e assim travávamos um gostoso bate-papo. Facilmente entendiam que não fui eu o autor do nome. Isto é coisa de mulher que gosta de endeusar os artistas. Foi idéia de uma filha jovem, sem imaginar o espanto que causaria, quando curiosos perguntassem o seu nome. Passei a conhecer alguns turistas graças ao meu famoso companheiro de caminhadas.
Certo dia, sentei-me num dos bancos públicos em frente a uma daquelas barracas da orla, travei um bom papo com um casal de turistas, que se apresentou como sendo de Brasília. Quem atraiu o casal foi o Stallone, nesse dia exibindo a sua roupinha amarela, da seleção brasileira. Empolgado com o desenrolar da conversa, terminei deixando ali no banco a chave de casa. Só descobri a sua falta ao chegar ao portão, quando precisei abri-lo. Felizmente, havia alguém em casa e não fiquei na rua. Desapontado, sem a mínima idéia de onde teria perdido a chave, fui tomar um gostoso banho, sempre com aquela idéia de esfriar a cuca. Ainda no banheiro, pensei: “Se eu voltar pelo mesmo caminho pode até ser que eu a encontre, mas se caiu no chão alguém pode ter apanhado”. Como iria descobrir o dono?
Fui ao computador, digitei em letras bem grandes, “perdi uma chave amarela com a correia preta”, colei o papel numa tábua de cozinha, aquela onde se apóia a carne para cortar, parecida com placa de guia de manobra de avião. Peguei o Stallone, coloquei-o debaixo do braço esquerdo e com a mão direita segurei a placa que seria exibida em todo o percurso. De cara, fui logo repreendido pela filha, a autora do nome Stallone, para que eu não fizesse aquilo, um gesto de maluco. As pessoas iam mangar. Achei melhor desobedecê-la, queria mesmo era alcançar o meu objetivo: encontrar a chave.
No início fiquei mesmo chateado com algumas pessoas que nem liam a placa e já perguntavam: - “È pra vender o cachorro”? - Segui em frente com o meu propósito, sem dar bolas para o que os outros pudessem pensar de mim. O cachorro só ia no braço porque o sol estava muito quente e eu tinha pressa. Teria de levá-lo novamente comigo até para facilitar a minha própria identificação pelos transeuntes. Em cada barraca por onde eu passava, exibia a placa, que estava com o mesmo aviso nos dois lados. Já na praia da Ponta Verde, uma pessoa que estava tomando uma cervejinha, ao ver a minha placa exclamou: “Opa! A sua chave deve ser a que está ali. Alguém a entregou no balcão, imaginando que o dono iria procurar”.
Dirigir-me ao balcão, onde uma senhora me atendeu com um sorriso, que me pareceu sincero. – Parabéns pela idéia – disse ela. - “Se a chave é amarela e tem uma correia preta, está mais do que provado que é a sua”. Saí dali no maior contentamento, ansioso para chegar em casa e mostrar para a minha filha que esse tabu de acanhamento deve ser quebrado. Não importa o que os outros pensem de nós, quando adotamos um meio lícito para alcançar os nossos objetivos.